Sim, gosto de filmes arrebatados (para sempre Walsh, – e bastava o plano da morte de Tab Hunter
no Battle Cry para sabermos que estamos com o maior cineasta, aquele que sabe o que pesa, o que dói um homem caído, ferido, morto) como de filmes elegíacos, tristes, secretos (ah, a
Cronaca Familiare de Zurlini. Mas podia ser os
Fidanzati do tão esquecido Olmi!), ou de filmes à beira da apoplexia (e quem diria que assim é Minnelli? Mas como resistir àquelas voluptuosas
Two Weeks in Another Town?).
E agora ao ver a lista destes que fui escolhendo assim, enquanto os anjos da cinefilia esfregam os olhos, vejo que gosto de filmes em Scope (como são lindas aquelas sequências iniciais sobre Nantes ou Nice e, mais tarde, Cherburgo, de Jacques Demy. (Ou gosto é do VistaVision montanhoso do Mann?) Gosto de filmes com muitas cores (mas não trouxe o vestido vermelho de Cid Charrisse,
Party Girl para sempre no Ray), gosto de pequenos filmes (mas nem um Ozu, com os diabos?), gosto de quase tudo, então quando a Harriet Andersson olha para nós, até me enfio pela cadeira abaixo, ela viu-me e como eu a amei (mas também podia ser a Sara Montiel cantando na
Violetera e olhando para nós enquanto fuma um cigarro, o cinema é pecaminoso, volúpia da carne...)
Gosto de musicais (e não escolhi nenhum!), gosto de
screwball comedies (e nem uma), gosto de melodramas (e nem um), ao ser preso pela Pide em 21
d Fevereiro de 1968, tinha no bolso os bilhetes para, nessa noite, poder ir ao Éden ver a estreia de
The Patsy e lembro-me da cara espantada dos pides (“este caramelo gosta do Jerry das caretas?”, pensariam os malditos), gosto de tantos filmes tão diferentes uns dos outros, quase diria que, ao iluminar-se o écran, sou realmente feliz com as luzes que se apagam, as cortinas que abrem, aquelas primeiras luzes, a promessa. Sim, desde que, em menino, vi
L´Onorevole Angelina de Zampa com a Magnani, gosto de tudo.
E devagarinho vem-me à memória aquele arrasador “
A Execução de Ernst S., Traidor à Pátria” de Richard Dindo, demorado inquérito onde o cinema é a não-representação, ruas, caminhos na floresta, o vazio. (Mas, claro, podia ser o
Gestos & Fragmentos de Seixas Santos, admirável.)
Pois, e se nasci para os filmes a ser feitos aqui, nesta terra, por obra do Paulo Rocha (“afinal é possível!”) cujos
Verdes ainda me incendeiam, mestre, amigo, é o
Vanitas que aqui trago, filme esquecido, menosprezado, atirado para o lixo do consumo, filme sublime, fogo fátuo. E sei que dele gostaria esta noite de ficar a conversar com o João Bénard da Costa, meu professor.
Ah, sim, porque os filmes são para depois se conversar. Estes são.
Ou então antes. Durante anos, ouvi a Luiza Neto Jorge falar de um filme que vira em Paris e que nunca cá chegara nem nas viagens eu conseguira descobrir. Sim, eram as
Cumbres Borrascosas de Luis Buñuel que só vi anos depois da morte da Luiza, uma tarde na Cinemateca, creio. E sobre o qual nunca consegui falar com ela. Ou consegui?
13 Fevereiro de 2020
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