CICLO
Três Vezes Joan Bennett


Três vezes Joan Bennet? A expressão é de Bernard Eisenschitz (em Fritz Lang au travail), assim referindo um núcleo da ligação cinematográfica da atriz com Fritz Lang que quatro vezes a filmou na década de 1940, excedendo o número de filmes que a associara a Raoul Walsh na anterior década de 1930, e as vezes – duas – que Vincente Minnelli a dirigiu nos anos 1950. WILD GIRL, ME AND MY GAL, BIG BROWN EYES (os Walsh); MAN HUNT e depois WOMAN IN THE WINDOW, SCARLETT STREET, SECRET BEYOND THE DOOR (os Lang); FATHER OF THE BRIDE, FATHER’S LITTLE DIVIDEND (os Minnelli) são filmes representativos do trabalho de Joan Bennett num percurso genericamente organizado em três fases. É limitativo dizê-lo assim, mas assuma-se como a primeira se construiu em redor de papéis de jovem loura endiabrada; a segunda assumiu a imagem de uma sensualidade fatal devedora da imagem morena (a partir de TRADE WINDS de Tay Garnett, 1938); a terceira alinhou pela figura convencional da mãe de família. Sem a circunscrever em nenhum destes “tipos”, MAN HUNT é o filme da sua composição mais pungente, o filme em que Lang propôs, “a quente” (1941), uma história alternativa ao destino de Hitler protagonizada por Walter Pidgeon, e em que Bennett interpreta uma inesquecível personagem sacrificial desaparecendo de cena no nevoeiro londrino que atravessa com o pronunciado sotaque cockney de Jerry, a jovem prostituta de sensibilidade à flor da pele com uma seta cravada na boina preta. 
Nascida e criada numa família de atores, os Bennett, Joan Bennett (1901-1990) estreou-se com os pais Adrienne e Richard e as irmãs Constance e Barbara, em Nova Iorque, e com eles começou no cinema, aos seis anos, em IN THE VALLEY OF DECISION, antes da estreia no teatro da Broadway, em 1928, ao lado do pai. Como estrela de Hollywood, para onde seguiu com Constance, firmou-se em finais dos anos 1920, quando o cinema passou a ser falado, embora tenha tardado comparando com a ascendência da irmã na época. BULLDOG DRUMMOND (1929) foi o seu primeiro talkie, SHE WANTED A MILLIONAIRE e ME AND MY GAL (1932) foram os filmes dos seus primeiros papéis de relevo, LITTLE WOMEN de George Cukor, em que interpreta a personagem de Amy, aquele que em definitivo chamou a atenção para o seu trabalho. Pouco devendo a um “killer career instinct” (na acutilante formulação de Brian Kellow em The Bennetts – An Acting Family), Joan foi seguindo as oportunidades, com melhores ou piores filmes, melhores ou piores papéis, consoante as oportunidades da Hollywood clássica e as dos cineastas que também dela participaram vindos da Europa em guerra. Como Lang, mas também Jean Renoir, Max Ophüls ou Douglas Sirk com quem fez os memoráveis THE WOMAN ON THE BEACH, THE RECKLESS MOMEN, THERE’S ALWAYS TOMORROW. O percurso de Bennett no cinema foi refreado a partir de 1951 na sequência do escândalo pessoal que a atingiu quando o produtor Walter Wanger, seu marido entre 1940 e 1965, tornou um acesso de ciúmes num tiroteio contra Jennings Lang, na altura agente da atriz, que sempre negou o fundamento do caso. Ainda assim, cabendo no arco cronológico que vai de 1916 a 1977, o ano de SUSPIRIA de Dario Argento, a filmografia de Joan Bennett em Hollywood é das mais persistentes, havendo a ressalvar que entre 1966 e 1971 participou continuadamente na série televisiva “Dark Shadows”. 
Referindo o início dos anos 1930 em que a conheceu, e o originalíssimo THE WILD GIRL em que pela primeira vez a dirigiu (na Cinemateca, o filme passou uma única vez como uma revelação, na retrospetiva de 2001 dedicada a Walsh, e não foi desta que voltou a conseguir-se uma cópia de projeção), Raoul Walsh declarou: “Joan Bennett ganhou vida nesse filme… tê-la dirigido significa que sou um tipo cheio de sorte.” No livro-entrevista de Fritz Lang a Peter Bogdanovich, Lang detém-se longamente na atriz, analisando cenas e planos dos filmes que fizeram juntos: “Era maravilhoso trabalhar com Joan Bennett. Uma experiência inesquecível. Creio que no princípio ela gostava tanto como eu.” O princípio foi MAN HUNT e a personagem de Jerry: “Amei-a do fundo do coração. Creio tê-la percebido e creio que a Joan a percebeu magnificamente. Aquela história de amor – na altura ainda era possível pronunciar a palavra amor sem que se rissem de nós –, a ternura daquela história.” 
Descontados as contingências que impediram programar WILD GIRL, DOCTOR’S WIVES de Frank Borzage (1931) e PRIVATE WORDLS de Gregory LaCava (1935) ou TRADE WINDS de Tay Garnett (1938), o Ciclo propõe, em navegação cruzada, a revisitação dos títulos icónicos e mais marcantes da filmografia de Joan Bennett. Mas também, da “fase inicial”, os pouco conhecidos BULLDOG DRUMMOND, SCOTLAND YARD, WEDDING PRESENT. Parte das sessões tem lugar na Esplanada 39 Degraus onde, a partir de dia 15, começa a temporada de cinema ao ar livre. 
 
01/06/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Três Vezes Joan Bennett

Me and My Gal
de Raoul Walsh
Estados Unidos, 1932 - 80 min
02/06/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Três Vezes Joan Bennett

Man Hunt
Feras Humanas
de Fritz Lang
Estados Unidos, 1941 - 102 min
05/06/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Três Vezes Joan Bennett

Little Women
As Quatro Irmãs
de George Cukor
Estados Unidos, 1933 - 115 min
06/06/2023, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Três Vezes Joan Bennett

The Woman on the Beach
A Mulher Desejada
de Jean Renoir
Estados Unidos, 1946 - 70 min
 
09/06/2023, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Três Vezes Joan Bennett

Bulldog Drummond
de F. Richards Jones
Estados Unidos, 1929 - 90 min
 
01/06/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Três Vezes Joan Bennett
Me and My Gal
de Raoul Walsh
com Spencer Tracy, Joan Bennett, George Walsh, Marion Burns
Estados Unidos, 1932 - 80 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Segundo dos três filmes de Raoul Walsh com Joan Bennett nos anos 1930, ME AND MY GAL é uma comédia urbana da Grande Depressão hoje considerada indispensável como uma preciosidade pelo núcleo de pessoas que a estima. Foi um Walsh desconsiderado, além de ter sido, na época, um assinalável fracasso da Fox e da sua estrela masculina, Spencer Tracy. Tracy faz o papel de um polícia que se embeiça pela empregada de café interpretada por Joan Bennett. A franqueza do erotismo pré-Código da relação entre as duas personagens é um trunfo de que Walsh tira partido. Como um programa recente do MoMA fez notar, é divertido imaginar este filme como fundo da história de FATHER OF THE BRIDE que volta a reunir Tracy e Bennett vinte anos mais tarde (na verdade os dois fizeram quatro filmes juntos, dois nos anos 1930 e os dois Minnelli dos anos 1950). Na Cinemateca, passou uma única vez em 2001, numa retrospetiva Raoul Walsh. A apresentar em cópia digital.  

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02/06/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Três Vezes Joan Bennett
Man Hunt
Feras Humanas
de Fritz Lang
com Walter Pidgeon, Joan Bennett, George Sanders, John Carradine
Estados Unidos, 1941 - 102 min
legendado em português | M/12
Sexto filme americano de Fritz Lang, o “Lang contra Hitler”, MAN HUNT é uma espécie de fábula política sobre o regime nazi. Em vésperas da Segunda Guerra, um turista inglês é apanhado pela Gestapo quando tem Hitler na mira da sua espingarda de caça… descarregada. Os nazis exploram a situação como um atentado para tentar responsabilizar o governo britânico. Conseguindo evadir-se, a personagem de Walter Pidgeon é alvo de perseguição por agentes alemães na Grã-Bretanha, até ser encurralado numa caverna de montanha. Foi o primeiro dos quatro Langs com Joan Bennett, numa assombrosa criação. “Admito que o meu coração estava inteiramente com ela [Joan Bennett/Jenny]” (Fritz Lang). Filmou-a de modo inesquecível neste filme, e numa inesquecível cena de amor e sacrifício numa ponte londrina. 

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05/06/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Três Vezes Joan Bennett
Little Women
As Quatro Irmãs
de George Cukor
com Katharine Hepburn, Joan Bennett, Paul Lukas, Frances Dee, Jean Parker
Estados Unidos, 1933 - 115 min
legendado em português | M/12
Adaptação do clássico da literatura de Louisa May Alcott, ambientado na segunda metade do século XIX na Nova Inglaterra, era, para os padrões da época, uma obra feminista. É a história das irmãs Jo, Amy, Meg e Beth, nesta versão interpretadas por Katharine Hepburn, Joan Bennett, Frances Dee e Jean Parker. Segundo dos sete filmes de Cukor com Hepburn – que “nasceu para interpretar Jo” (Cukor) – LITTLE WOMEN está em linha com o cinema do realizador: “Falei do livro como de uma encenação social e sexual. E foi como tal, explicitamente como encenação e como representação, que Cukor o viu e no-lo deu a ver. Nesse sentido, estas ‘little women’, tão doces e tão românticas, não são muito diferentes das ‘women’ que, seis anos mais tarde, Cukor retratou na corrosiva comédia intitulada apenas WOMEN” (João Bénard da Costa). 

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06/06/2023, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Três Vezes Joan Bennett
The Woman on the Beach
A Mulher Desejada
de Jean Renoir
com Joan Bennett, Robert Ryan, Charles Bickford
Estados Unidos, 1946 - 70 min
legendado em português | M/12
Inicialmente, Jean Renoir fizera de THE WOMAN ON THE BEACH uma espécie de prolongamento de LA BÊTE HUMAINE como estudo da relação entre o desejo sexual e a pulsão criminosa, com uma forte carga erótica. Mas, às primeiras projeções privadas, ficou claro que o público não entendia o objetivo do realizador, que o remontou, surgindo THE WOMAN ON THE BEACH dentro da linha do filme noir, com uma mulher fatal e um herói traumatizado da guerra. É um dos mais insólitos e perturbantes filmes de Renoir. “Esse fabuloso e misterioso THE WOMAN ON THE BEACH já reflete essa visão, esse ‘outro lado do olhar’. […] Literalmente, nessa obra os temas não estão diante dos olhos (ocultados sempre à nossa visão e à do cego) mas por detrás deles” (João Bénard da Costa). 

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09/06/2023, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Três Vezes Joan Bennett
Bulldog Drummond
de F. Richards Jones
com Ronald Colman, Claud Allister, Lawrence Grant, Montagu Love, Joan Bennett
Estados Unidos, 1929 - 90 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Bulldog Drummond é uma personagem de ficção literária criada por H. C. McNeile em 1920 que teve também uma existência gráfica, teatral, radiofónica… no cinema, o veterano britânico da Primeira Guerra insatisfeito com a pacatez da vida civil que procura experiências aventurosas na pele de homem galante teve também várias vidas, a primeira das quais em 1922. No filme de F. Richards Jones produzido por Samuel Goldwyn Drummond é interpretado por Ronald Colman e publica um anúncio no Times oferecendo os seus serviços em troca de “any excitement”. E a emoção vai ao seu encontro quando ele se põe a ajudar uma jovem cujo tio hospitalizado parece estar em perigo. Foi o primeiro talkie de Ronald Colman e é tido como um caso feliz da época da passagem do mudo para o sonoro em Hollywood. Além de ser também o primeiro filme falado de Joan Bennett, Phyllis Benton foi o primeiro papel de relevo da atriz. Bennett contava 20 anos e levava dois de experiência no palco da Broadway. Primeira apresentação na Cinemateca. 

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