CICLO
República Federal da Alemanha 1949-63: Amados e Rejeitados


Composto por trinta e um programas, este Ciclo surge de uma proposta do crítico e programador Olaf Möller (conhecido dos espectadores da Cinemateca desde as “Histórias do Cinema” dedicadas a Wilhelm Pabst, em julho de 2015), que retoma parte do programa apresentado no Festival de Locarno, no passado mês de agosto. Nele abordamos aquele que é sem dúvida o período mais obscuro e menos visto de toda a História do cinema alemão, mais exatamente da República Federal da Alemanha: o momento que vai da fundação da RFA em 1949, depois da divisão do país, até ao ano que se seguiu ao Manifesto de Oberhausen (1962), cidade onde tem lugar o mais importante festival de curtas-metragens do mundo, manifesto que marca a entrada oficial e contestatária de uma nova geração de realizadores, que viria a fazer o “novo cinema alemão” dos anos setenta. No período mudo, particularmente nos anos vinte, o cinema alemão foi dos mais ricos e criativos do mundo, com obras altamente ambiciosas e realizadores e técnicos à altura destas ambições. Com a rutura brutal suscitada pelo nazismo, tudo o que havia de moderno neste cinema foi abolido, mas ninguém podia negar a terrível competência dos nazis na utilização do cinema como arma de propaganda (a tal ponto que o cinema de ficção, “escapista”, do período nazi, foi quase esquecido). E se em diversos países os anos sessenta foram marcados pela irrupção de “novas vagas”, formadas por gerações de novos cineastas que alteraram a maneira de filmar, na Alemanha Ocidental este fenómeno só ocorreria nos anos setenta, com uma geração de cineastas nascida à volta do ano simbólico de 1945. Um destes cineastas, Wim Wenders, é de opinião que este silêncio, esta “falta de confiança” no cinema, tinha razões claras: “Nunca, em nenhum outro país, a imagem e a palavra tinham sido usadas com tão poucos escrúpulos, nunca a imagem e a palavra tinham sido rebaixadas a este ponto como veículos da mentira”. Wenders referia-se à sua geração, que chegou à idade adulta em meados dos anos sessenta, mas o que se passou na República Federal da Alemanha nos anos cinquenta, quando esta geração estava na infância, a Europa se reconstruía e as diversas cinematografias se reorganizavam? Na Alemanha Ocidental continuaram a realizar-se filmes com competência profissional (a produção da “outra Alemanha” era, por certo, totalmente diversa), embora sem procurar atingir os píncaros do cinema alemão dos anos vinte. Foram abordados diversos géneros (melodramas, filmes criminais, filmes sobre jovens, filmes “de época”), os Heimat Film (a palavra Heimat cobre uma vasta noção de lar: país, pátria, casa), muito cultivados pelo cinema nazi, continuaram a ser feitos; alguns cineastas do passado regressaram temporariamente à Alemanha; novos nomes se impuseram. Mas embora alguns destes filmes fossem exportados (por exemplo, treze dos filmes propostos tiveram distribuição comercial portuguesa à época), nunca alcançaram grande impacto além-fronteiras, e para a maioria dos espectadores é como se entre 1945 e 1970 a Alemanha não tivesse tido cinema. Este Ciclo permite-nos constatar que não foi exatamente o que se passou. O subtítulo do Ciclo diz tudo: estes filmes foram amados por um certo número de espectadores e rejeitados por muitos outros, em parte por serem de produção alemã e as sequelas do regime nacional-socialista e da guerra ainda serem palpáveis nos anos cinquenta. À exceção do díptico indiano de Fritz Lang, mesmo os filmes mais conhecidos entre os agora programados são raros, mas a raridade está longe de ser a sua única qualidade. Podemos literalmente descobrir uma vasta cinematografia, todo um continente desconhecido, cuja variedade surpreenderá os espectadores: melodramas, filmes “de época”, filmes criminais, de guerra, uma comédia. Com as exceções de O TÚMULO ÍNDIO, Ludwig ii – glanz und end eines königs e MACHORKA-MUFF, todos os filmes são inéditos na Cinemateca. Jean Douchet vem à Cinemateca para uma conferência sobre o díptico O TÚMULO ÍNDIO, de Fritz Lang, no dia 7, antecedendo a sua projeção. Olaf Möller acompanha o Ciclo em Lisboa a partir de dia 15, apresentando as sessões assinaladas nas respetivas notas.
 
25/11/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo República Federal da Alemanha 1949-63: Amados e Rejeitados

Mädchen in Uniform
Raparigas de Uniforme
de Géza Radványi
República Federal da Alemanha, 1958 - 95 min
 
26/11/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo República Federal da Alemanha 1949-63: Amados e Rejeitados

Jungens in den Flegeljahren | Endstation Liebe
duração total da projeção: 91 min | M/12
28/11/2016, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo República Federal da Alemanha 1949-63: Amados e Rejeitados

Rosen Blühen auf dem Heidegrab
“As Rosas Florescem no Túmulo do Prado”
de Hans Heinz König
República Federal da Alemanha, 1952 - 90 min
28/11/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo República Federal da Alemanha 1949-63: Amados e Rejeitados

Traum in Tusche | Augen der Liebe
duração total da projeção: 87 min | M/12
29/11/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo República Federal da Alemanha 1949-63: Amados e Rejeitados

Kirmes
“A Quermesse”
de Wolfgang Staudte
República Federal da Alemanha, 1960 - 102 min
25/11/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
República Federal da Alemanha 1949-63: Amados e Rejeitados
Mädchen in Uniform
Raparigas de Uniforme
de Géza Radványi
com Romy Schneider, Lilli Palmer, Therese Giehse
República Federal da Alemanha, 1958 - 95 min
legendado eletronicamente em português | M/12
O húngaro Geza Radvány (que costumava assinar “von” Radvany) teve uma carreira internacional, que o levou do seu país natal a França, Alemanha e Itália. O filme que fixou a sua reputação foi VALAHOL EUROPA’BAN / “ALGURES NA EUROPA”, realizado na Hungria em 1947, sobre um bando de crianças abandonadas. MÄDCHEN IN UNIFORM é a segunda adaptação ao cinema alemão (a primeira é um célebre filme de 1931, realizado por Leontine Sagan) de uma peça de êxito, na qual uma jovem recém-chegada a um severo colégio interno acaba por se apaixonar perdidamente pela sua professora. As presenças de Romy Schneider e Lilli Palmer nos dois papéis principais são trunfos do filme. A apresentar em cópia digital.
26/11/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
República Federal da Alemanha 1949-63: Amados e Rejeitados
Jungens in den Flegeljahren | Endstation Liebe
duração total da projeção: 91 min | M/12
JUNGENS IN DEN FLEGELJAHREN
“Jovens nos Anos de Delinquência”
de Rudolf Werner Kipp
ENDSTATION LIEBE
E o Amor Chegou…
de Georg Tressler
com Horst Bucholz, Barbara Frey, Edith Elmay
República Federal da Alemanha, 1956, 1958 – 25 e 85 min / legendados eletronicamente em português

O vienense Georg Tressler (1917-2007) começou a sua carreira em 1947 e realizou mais de noventa filmes e telefilmes. ENDSTATION LIEBE tem no papel principal Horst Bucholz, um dos jovens galãs do cinema alemão do pós-guerra, que faria carreira internacional (foi um dos “Sete Magníficos” no filme homónimo de John Sturges e está em ONE, TWO, THREE, de Billy Wilder). ENDSTATION LIEBE conta a história de um grupo de jovens operários em que um é desafiado a conquistar uma rapariga. Este consegue, mas quando a rapariga descobre que foi objeto de uma aposta, rompe com o rapaz. No entanto, como se trata essencialmente de uma comédia, tudo acaba bem. À época, Francis Bolen observou em Bianco e Nero que “o tema não é novo, mas é tratado com frescor e alguma fineza psicológica. Tressler multiplica as intervenções interessantes, que dão ao filme uma excelente veia cómica”. A abrir a sessão, uma curta-metragem que se situa entre a ficção e o filme educativo sobre a adolescência.
28/11/2016, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
República Federal da Alemanha 1949-63: Amados e Rejeitados
Rosen Blühen auf dem Heidegrab
“As Rosas Florescem no Túmulo do Prado”
de Hans Heinz König
com Ruth Niehaus, Herman Schomberg, Armin Dahl
República Federal da Alemanha, 1952 - 90 min
legendado eletronicamente em português | M/12
O argumento deste filme de Hans Heinz König (1912-2003) tem semelhanças com o de DAS MÄDCHEN VOM MOORHOF (1937) de Douglas Sirk e insere-se na descendência do Heimat Film. Numa aldeia próxima de um pântano existe a lenda de que uma jovem ali se afogara, depois de ter sido violada por um soldado durante a Guerra de Trinta anos, no século XVII. No presente, uma jovem apaixonada por um rapaz é assediada e ameaçada por um camponês rico com quem os pais querem casá-la, como se a história se repetisse.
28/11/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
República Federal da Alemanha 1949-63: Amados e Rejeitados
Traum in Tusche | Augen der Liebe
duração total da projeção: 87 min | M/12
Sessão apresentada por Olaf Möller
TRAUM IN TUSCHE
“Sonho em Tinta-da-China”
de Rolf Engler
República Federal da Alemanha, 1952 – 10 min / legendado eletronicamente em português
AUGEN DER LIEBE
“Os Olhos do Amor”
de Alfred Braun
com Käthe Gold, René Deltgen, Paul Wegener
República Federal da Alemanha, 1944-51 – 77 min / legendado eletronicamente em português

Alfred Braun (1888-1978) estreou-se como ator no período mudo, mas fez-se notar sobretudo como argumentista de filmes de Veit Harlan, poderosos filmes “escapistas” em Agfacolor do período nazi: DIE GOLDENE STADT, IMMENSEE e OPFERGANG. A seguir à guerra, estreou-se na realização e esteve ativo até 1963. Segundo algumas fontes, Veit Harlan teria realizado ou correalizado algumas sequências deste filme iniciado em 1944 e só concluído em 1951. Trata-se de um melodrama em que um escultor perde a vista e é amparado pela enfermeira do hospital onde é submetido a uma operação sem êxito. Mesmo cego, o homem quer esculpir o rosto da sua mulher, que nunca viu. No papel do médico, Paul Wegener, autor de um dos grandes clássicos do cinema mudo, DER GOLEM. A abrir a sessão, uma curta-metragem experimental de animação sobre os horrores da guerra.
29/11/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
República Federal da Alemanha 1949-63: Amados e Rejeitados
Kirmes
“A Quermesse”
de Wolfgang Staudte
com Götz George, Juliette Mayniel, Hans Mahnke
República Federal da Alemanha, 1960 - 102 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Wolfgang Staudte (1906-84) começou como ator (tem inclusive um breve papel em O ANJO AZUL) e realizador nos anos trinta. Em 1946, realizou aquele que é considerado o primeiro filme alemão importante feito depois da derrota do nazismo, DIE MÖRDER SIND UNTER UNS / “OS ASSASSINOS ESTÃO ENTRE NÓS”. Fixou-se em Berlim Oriental, onde obteve uma posição importante, mas a partir de 1955 trabalhou na República Federal da Alemanha. KIRMES (cujo título comercial francês é, significativamente, “Não quero ser um nazi”) conta a história de um soldado alemão que, no período final da guerra, quando a derrota da Alemanha era evidente, deserta e refugia-se na sua aldeia natal. Mas os nazis vão ao seu encalço e ninguém o ajuda.