CICLO
A Cinemateca com a Festa do Cinema Francês | Jean-Pierre Melville, O Samurai


Jean-Pierre Melville (1917-1973) é uma das figuras mais peculiares do cinema francês, um cineasta isolado e solitário, como tantas personagens dos seus filmes, essencialmente habitadas por criaturas do sexo masculino, que costumam ser estoicas, lacónicas, precisas e decididas. Durante muito tempo, a atitude da crítica francesa em relação a Melville foi ambivalente, quase hesitante. E de facto, como observou Claude Chabrol, num artigo de 1956 sobre BOB LE FLAMBEUR, significativamente publicado sob pseudónimo e intitulado “Saudar Melville?”, o realizador era “um franco-atirador”, uma personalidade isolada, com qualidades de “autor”, mas praticando em alto nível um género de cinema popular, o filme policial. Por outro lado, a sua longa-metragem de estreia, LE SILENCE DE LA MER, foi considerado como um dos filmes que anunciavam a Nouvelle Vague e, de modo geral, o cinema moderno. Na sua relação ambígua com os membros do grupo da Nouvelle Vague, Melville faz inclusive uma célebre e breve aparição em À BOUT DE SOUFFLE, no papel de um escritor famoso e cabotino. Na crítica, houve quem se atirasse à sua obra com acrimónia. Para Michel Delahaye, LE DEUXIÈME SOUFFLE é “um LA GRANDE VADROUILLE desonesto e falhado” e Serge Daney observou a propósito de LE SAMOURAÏ que em vez de desperdiçar o seu talento “com pseudo-filmes” Melville devia fazer publicidade para “um estilo de gabardinas”. Além disso, nos ultrapolitizados anos sessenta, o facto de Melville ser um admirador declarado do General de Gaulle punha-o à direita do tabuleiro político, num meio em que o discurso de esquerda predominava. O facto é que Melville, que muito cedo foi denominado “o mais americano dos cineastas franceses” e cultivava uma imagem exterior “americana”, sempre de chapéu texano e ao volante de grandes carros rabo-de-peixe, tinha realmente algo de franco-atirador e não era redutível a nenhum tipo de cinema ou a nenhum grupo de cineastas, o que dificultava a sua classificação pela crítica.
Nascido Jean-Pierre Grumbach, cinéfilo e realizador desde a infância (tinha ele seis anos quando os pais lhe ofereceram uma câmara e um projetor Pathé-Baby), o cineasta escolheu o pseudónimo de Melville para prestar homenagem ao autor de Moby Dick. Ligado ao movimento de Resistência gaullista durante a guerra, tendo inclusive passado um período em Londres, Melville estreou-se na realização em 1946 com a curta-metragem 24 HEURES DE LA VIE D’UN CLOWN (era um apaixonado pelo circo), filme que considerava falhado. Realizados entre 1947 e 1953, as suas três primeiras longas-metragens chamam a atenção para o seu nome, mas nelas ainda não está verdadeiramente definida a identidade do seu cinema: LE SILENCE DE LA MER, LES ENFANTS TERRIBLES e QUAND TU LIRAS CETTE LETTRE. Em 1955, Melville realiza o seu primeiro filme ambientado no meio criminal, o seu primeiro polar e o primeiro filme típico do seu cinema: BOB LE FLAMBEUR, feito num momento em que o cinema policial francês estava em ascensão, com os filmes com Eddie Constantine e a segunda fase da carreira de Jean Gabin, que arrancou precisamente com um filme criminal, TOUCHEZ PAS AU GRISBI. A seguir a BOB LE FLAMBEUR, Melville realiza uma série de filmes criminais, polars, que ilustram um género, porém nunca de forma rotineira, embora respeitem as suas regras e as suas mitologias: DEUX HOMMES DANS MANHATTAN, LE DOULOS, LE DEUXIÈME SOUFFLE e a trilogia com Alain Delon: LE SAMOURAÏ, LE CERCLE ROUGE (dois filmes que costumam ser considerados os pontos culminantes da sua obra) e UN FLIC. Mesmo o seu filme sobre a Resistência, L’ARMÉE DES OMBRES, é filmado como um polar. Estes filmes tiveram êxito de público e suscitaram o respeito da crítica. Recusando o cinema “para estetas, críticos e intelectuais snobs”, Melville buscou um cinema de alta qualidade artesanal, não se contentando porém em confecionar objetos “bem feitos”, como tantos artesãos do cinema policial francês. Tinha a ambição da grande mise en scène e a capacidade de atingi-la. Jean-Pierre Melville era um puro produto do cinema clássico (“quando vejo westerns feitos há dez anos, acho-os maravilhosos e não percebo porque se deveriam fazer filmes diferentes daqueles”) que trabalhou essencialmente na era do cinema moderno, mas para quem o cinema clássico permitia “todas as audácias que se quiser”. Talvez seja a esta confluência entre clássico e moderno, a que vem juntar-se o seu talento, que se deva a beleza do seu cinema. Jean-Pierre Melville é uma personalidade importante e original, de quem, nos últimos dez anos, a Cinemateca mostrou a totalidade dos filmes, à exceção da curta-metragem inagural e de QUAND TU LIRAS CETTE LETTRE. Os espectadores têm agora, finalmente, a possibilidade de percorrer a totalidade desta obra.
 
 
11/10/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com a Festa do Cinema Francês | Jean-Pierre Melville, O Samurai

Le Doulos
O Denunciante
de Jean-Pierre Melville
França, Itália, 1962 - 110 min
 
11/10/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com a Festa do Cinema Francês | Jean-Pierre Melville, O Samurai

L’Aîné des Ferchaux
Um Homem de Confiança
de Jean-Pierre Melville
França, 1962 - 102 min
11/10/2017, 22h00 | Sala Luís de Pina
Ciclo A Cinemateca com a Festa do Cinema Francês | Jean-Pierre Melville, O Samurai

Bob le Flambeur
de Jean-Pierre Melville
França, 1955 - 100 min
12/10/2017, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com a Festa do Cinema Francês | Jean-Pierre Melville, O Samurai

Le Deuxième Souffle
O Segundo Fôlego
de Jean-Pierre Melville
França, 1966 - 150 min
12/10/2017, 18h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo A Cinemateca com a Festa do Cinema Francês | Jean-Pierre Melville, O Samurai

Deux Hommes dans Manhattan
de Jean-Pierre Melville
França, 1958 - 82 min
11/10/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com a Festa do Cinema Francês | Jean-Pierre Melville, O Samurai

Em colaboração com o Institut Français du Portugal
Le Doulos
O Denunciante
de Jean-Pierre Melville
com Jean-Paul Belmondo, Serge Reggiani, Jean Desailly, Michel Piccoli
França, Itália, 1962 - 110 min
legendado em português | M/12
Considerado como o filme da sua maturidade artística, é um dos mais significativos títulos de Jean-Pierre Melville, em que se manifestam, de forma clara, as características das personagens do realizador – os códigos de honra entre bandidos que se movem no meio criminal, as relações ambíguas com a polícia, que neste filme se concentram numa das personagens mais sugestivas de Melville: a do “denunciante”, interpretada por Jean-Paul Belmondo. As suas ambiguidades são as do filme, que o trailer original apresenta como “uma tragédia de mentiras, o mistério em estado puro”. A apresentar em cópia digital.
 
11/10/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com a Festa do Cinema Francês | Jean-Pierre Melville, O Samurai

Em colaboração com o Institut Français du Portugal
L’Aîné des Ferchaux
Um Homem de Confiança
de Jean-Pierre Melville
com Charles Vanel, Jean-Paul Belmondo, Michèle Mercier, Stefania Sandrelli
França, 1962 - 102 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Adaptação do romance de Georges Simenon (1945) e primeiro filme a cores de Melville, L’AÎNÉ DES FERCHAUX foi o terceiro e último filme de Belmondo e Melville que terminaram a sua colaboração de forma turbulenta e abrupta no curso da rodagem. Belmondo encarna a figura do jovem que renuncia à carreira de pugilista para se tornar secretário, motorista e guarda-costas do velho banqueiro Ferchaux que tem de fugir de França para escapar à justiça, seguindo ambos para Nova Iorque e Nova Orleães. “Exemplo das forças em luta que assombram o mundo melvilliano. Um exemplo tomado a um filme mal-amado e de transição, ele próprio o conto do trajeto moral de uma personagem hesitante” (Bernard Benoliel).
 
11/10/2017, 22h00 | Sala Luís de Pina
A Cinemateca com a Festa do Cinema Francês | Jean-Pierre Melville, O Samurai

Em colaboração com o Institut Français du Portugal
Bob le Flambeur
de Jean-Pierre Melville
com Roger Duchesne, Daniel Cauchy, Isabelle Corey
França, 1955 - 100 min
legendado em português | M/12
É um dos filmes culto de Melville, e foi a entrada no território policial que a sua obra viria a desbravar. Seguindo um bandido na reforma que aceita participar num último grande golpe – o assalto à caixa do casino de Deauville –, Melville encontra aqui uma das suas grandes paixões: o filme de “gangsters” à americana. A transposição desse universo para o cenário francês é perfeita, numa obra que Godard citou em À BOUT DE SOUFFLE. As obras-primas do período final de Melville (LE SAMOURAÏ e LE CERCLE ROUGE) são mais abstratas, mas no seu fascínio direto pelo cinema americano BOB LE FLAMBEUR (“Bob, o Estroina”) não é menos perfeito. A apresentar em cópia digital.
 
12/10/2017, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com a Festa do Cinema Francês | Jean-Pierre Melville, O Samurai

Em colaboração com o Institut Français du Portugal
Le Deuxième Souffle
O Segundo Fôlego
de Jean-Pierre Melville
com Lino Ventura, Paul Meurisse, Raymond Pellegrin
França, 1966 - 150 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Uma das obras-primas de Jean-Pierre Melville e um raro filme criminal de registo contemplativo. Filmado num belíssimo preto e branco, um fabuloso retrato do meio criminoso, através da história de um evadido, Gu (Lino Ventura) que se envolve num assalto para obter o dinheiro que lhe permita fugir do país. A polícia fá-lo passar por informador e Gu vai dar caça ao inspetor para o forçar a dizer a verdade e limpar a sua honra. É o primeiro título da tetralogia policial de que participam LE SAMOURAÏ, LE CERCLE ROUGE e UN FLIC, e um Melville a que é ainda devido o reconhecimento que as suas singulares qualidades merecem.
 
12/10/2017, 18h30 | Sala Luís de Pina
A Cinemateca com a Festa do Cinema Francês | Jean-Pierre Melville, O Samurai

Em colaboração com o Institut Français du Portugal
Deux Hommes dans Manhattan
de Jean-Pierre Melville
com Jean-Pierre Melville, Pierre Grasset, Ginger Hall
França, 1958 - 82 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Jean-Pierre Melville, “o mais americano dos cineastas franceses”, que no anterior BOB LE FLAMBEUR filmara Pigalle à luz do policial americano, ambientou toda a ação desta sua quinta longa-metragem em Nova Iorque. Mostra a metrópole americana como uma cidade sombria, quase exclusivamente noturna, numa homenagem à estética do filme negro americano, e particularmente THE ASPHALT JUNGLE, de John Huston, que era um dos seus filmes preferidos. Mas os dois protagonistas são franceses, um jornalista e um fotógrafo, que fazem um inquérito sobre o desaparecimento de um diplomata francês. O desenlace é um belo anticlímax.