CICLO
Fantasmas ao Nosso Encontro


A palavra – fantasma – vem do grego phántasma, pelo latim phantasma, para referir espectro ou alma do outro mundo; quimera; visão que amedronta. Além de definir alguém macilento e abatido, de se associar ao sonho e à imaginação exaltada, adjetivar aquilo que não pertence ao mundo real, aplicável, por exemplo, a navios. Já fantasmagoria “é a arte de fazer aparecer fantasmas ou figuras luminosas no escuro”, associando-se a origem do termo à tecnologia dos espetáculos de lanterna mágica de finais do século XVIII, início do século XIX. Foi antes que os fantasmas viessem ao nosso encontro numa projeção de cinema em sala escura – na expressão do mais citado dos intertítulos (apócrifos) de Murnau, NOSFERATU (1922), “Quando chegou ao outro lado da ponte, os fantasmas vieram ao seu encontro.” Na linhagem dos espetáculos ilusionistas de espectros, da câmara escura e da projeção de luz através de vidros e de lentes, o cinema convoca-os sempre. Figurando-os, representando-os, sugerindo-os.
Este programa de 37 títulos, 37 filmes que atravessam a História do cinema dos primórdios à contemporaneidade – o filme cronologicamente mais recuado é um Méliès, LE MANOIR DU DIABLE, de 1897; o mais recente, um Kiyoshi Kurosawa de 2015, RUMO À OUTRA MARGEM –, propõe o encontro com três estirpes de fantasmas: a da sua conotação romântica, devedora da tradição literária (a de THE GHOST AND MRS. MUIR); a da relação com o terror fantástico (a de THE FOG); a que mostra assombrações mentais, subjetivas, obsessivas (a de SECRET BEYOND THE DOOR, a de VERTIGO). O programa, de que são exemplo os casos citados, mas que integra variações múltiplas, faz-se de convívio, também de géneros, de registos, de correntes, de transbordamentos. Não se circunscreve pois ao drama e ao melodrama, ao fantástico e ao terror, e implica a comédia (THE GHOST GOES WEST, BLITHE SPIRIT, SYLVIE ET LE FÂNTOME). Revisita o terror italiano (LA MASCHERA DEL DEMONIO); a tradição britânica do terror gótico (DEAD OF NIGHT) e a sua face americana por Corman (THE TOMB OF LIGEIA) ou pelo mais secreto Herk Harvey (CARNIVAL OF SOULS); e a “tradição fantasmática” do cinema japonês: além do mencionado Kurosawa contemporâneo, está programado o clássico de Mizoguchi OS CONTOS DA LUA VAGA, e um título famoso do cinema japonês, “A HISTÓRIA DO FANTASMA DE YOTSUYA”, de Nobuo Nakagawa (1959), também ele um clássico, inédito na Cinemateca.
Cinematograficamente fantasmáticos são também a recorrência onírica e o motivo pictórico (THE PAINTED LADY, PORTRAIT OF JENNIE), a inspiração literária em Poe (que Griffith adapta logo em 1914, THE AVENGING CONSCIENCE) e em Wilde (THE PICTURE OF DORIAN GRAY, o célebre Lewin, também célebre por PANDORA AND THE FLYING DUTCHMAN). O lirismo espectral, marca do cinema de Garrel, passa por ELLE A PASSÉ TANT D’HEURES SOUS LES SUNLIGHTS; a reflexividade especular que interroga o próprio cinema está em Duras, SON NOM DE VENISE DANS CALCUTTA DÉSERT, mas também, num dos títulos Biograph a apresentar, THE GHOST TRAIN (1903). O programa, que as notas seguintes apresentam em pormenor, decorre também ao ar livre, como parte da temporada “Cinema na Esplanada” na Cinemateca. Três das sessões “na sala” têm acompanhamento ao piano: a que reúne os dois títulos de Griffith dos anos dez a apresentar em cópias do MoMA (THE PAINTED LADY e THE AVENGING CONSCIENCE), a de KÖRKARLEN, de Sjöström, e a de PHANTOM, de Murnau, dois títulos fundamentais dos anos vinte.
 
 
28/07/2017, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Fantasmas ao Nosso Encontro

The Haunting
A Casa Maldita
de Robert Wise
Reino Unido, 1963 - 114 min
 
28/07/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Fantasmas ao Nosso Encontro

The Painted Lady | The Avenging Conscience
duração total da projeção: 93 min | M/12
31/07/2017, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Fantasmas ao Nosso Encontro

Uncle Josh in a Spooky Hotel | The Ghost Train | The Ghost Goes West
duração total da projeção: 70 min | M/12
28/07/2017, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Fantasmas ao Nosso Encontro
The Haunting
A Casa Maldita
de Robert Wise
com Julie Harris, Claire Bloom, Richard Johnson, Russ Tamblyn
Reino Unido, 1963 - 114 min
legendado em espanhol | M/12
Robert Wise (nome indissociável dos grandes êxitos que foram WEST SIDE STORY ou THE SOUND OF MUSIC, ou da sobriedade de THE SET-UP) volta ao início fantástico da sua filmografia na realização (CURSE OF THE CAT PEOPLE, 1944; THE BODY SNATCHER, 1945) para assinar um filme que o tempo tornaria um título de culto do género, adaptando The Haunting of Hill House, de Shirley Jackson (1959). A história da casa assombrada é relatada no conciso pré-genérico de THE HAUNTING em que uma noite de fenómenos inexplicáveis dá lugar a uma “investigação paranormal” a que se vai associando a hipótese de recalcamento sexual da personagem interpretada por Julie Harris. A sugestão é a marca do filme, que teve uma única passagem na Cinemateca, em 1998.
 
28/07/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Fantasmas ao Nosso Encontro
The Painted Lady | The Avenging Conscience
duração total da projeção: 93 min | M/12
Com acompanhamento ao piano por Filipe Raposo
THE PAINTED LADY
de D.W. Griffith
com Blanche Sweet, Madge Kirby, Joseph Graybill, Kate Bruce, Charles Hill Mailes
Estados Unidos, 1912 – 17 min / mudo, intertítulos em inglês legendados eletronicamente em português
THE AVENGING CONSCIENCE
Consciência Vingadora
de D.W. Griffith
com Henry B. Walthall, Blanche Sweet, Josephine Crowell, Spottiswoode Aitken
Estados Unidos, 1914 – 76 min / mudo, intertítulos em inglês legendados eletronicamente em português

THE PAINTED LADY é um título da extensa, e importante, filmografia de Griffith na Biograph Company. Um melodrama pungente, famoso pelo limite a que conduz a narrativa, nas margens da loucura e do onirismo. A partir de dois contos de Edgar Allan Poe (The Telltall Heart e Annabel Lee), THE AVENGING CONSCIENCE OR THOU SALT NOT KILL (produzido pela Relliance Majestic antes de THE BIRTH OF A NATION – rodado do mesmo ano – e depois de Griffith ter abandonado a Biograph Company) é uma incursão de Griffith nos meandros do fantástico. Eileen Bowser defendeu-o como um título precursor do expressionismo alemão, nomeadamente do GABINETE DO DR. CALIGARI. Seja como for, fazendo conviver a realidade, o sonho e o pesadelo, THE AVENGING CONSCIENCE é um filme surpreendente.
 
31/07/2017, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Fantasmas ao Nosso Encontro
Uncle Josh in a Spooky Hotel | The Ghost Train | The Ghost Goes West
duração total da projeção: 70 min | M/12
UNCLE JOSH IN A SPOOKY HOTEL
de Thomas Edison
com Charles Manley
Estados Unidos, 1900 – 1 min / mudo, sem diálogos
THE GHOST TRAIN
produção Biograph
Estados Unidos,1903 – 1 min / mudo, sem diálogos
THE GHOST GOES WEST
de René Clair
com Robert Donat, Jean Parker, Eugene Pallette
Reino Unido, 1935 – 68 min / legendado eletronicamente em português

Produzido por Alexander Korda e inspirado no conto Sir Tristram Goes West, de Eric Keown, THE GHOST GOES WEST foi o primeiro filme de René Clair realizado em Inglaterra. Uma “extravagante comédia romântica ambientada nos dois lados do Atlântico” que envolve a história de um fantasma do século XVIII condenado a assombrar o seu velho castelo por causa de um insulto à sua família, e combina o romantismo com uma sátira ao século XX americano. O protagonista é Robert Donat, que acabara de firmar uma reputação hitchcockiana em THE 39 STEPS. A sessão abre com dois títulos do início de 1900, de Thomas Edison (UNCLE JOSH IN A SPOOKY HOTEL, em que Uncle Josh, uma das primeiras personagens recorrentes da História do Cinema, visita um hotel assombrado) e da Biography Company (THE GHOST TRAIN, um título pioneiro no “uso fantasmagórico” da película negativa). Primeiras exibições na Cinemateca.