CICLO
Cinema Português: Novos Olhares - I


E se falarmos mais de nós quando as coisas estão ainda de algum modo a começar? Quando é que há razões para falar de um começo? Não apenas o caso individual, não o primeiro contacto com filmes de novas gerações vistos cada um por si, mas, justamente, a perceção de um conjunto, independentemente de, à partida, esse conjunto ter ou não – ou parecer ter ou não – algo que o transforme num todo coerente? Há dezoito anos – em março de 1999 –, a Cinemateca organizou um ciclo dedicado ao “Novo documentário em Portugal”, optando por uma seleção de títulos escolhidos com pouquíssimo recuo (quase todos eram dos dois ou três anos anteriores) e respondendo a uma perceção de mudança nessa área. Verificamos hoje que na década de noventa e nos últimos anos do século assistiu-se de facto ao arranque de muitos percursos de autor hoje consolidados, tanto nesse “novo documentário” como em alguma da mais reconhecida ficção. Mas a verdade, também, é que desde aí a renovação geracional não parou, uma vez que, de um modo que tem sido afinal constante na generalidade do cinema português no último meio século (coisa a lembrar, coisa a sublinhar) continuaram a surgir em grande ritmo novas vocações que, em muitíssimos casos, exigem atenção. É então a consciência disso que nos traz aqui. Não a ideia de uma qualquer rutura explícita, ou explicitada, da cadeia anterior (e daí a inevitável arbitrariedade de uma delimitação), mas o reconhecimento da emergência constante de nomes, e de facto de olhares, que formam já hoje um novo aglomerado intenso e variado – um aglomerado no qual, independentemente do juízo que só o tempo poderá fazer, persiste um trabalho de cinema, ou persiste o cinema, a um nível que, no contexto português, é ao mesmo tempo explicável e misterioso, porventura facilmente explicável e imensamente misterioso.
Para onde estão a ir os novos realizadores portugueses? Mais uma vez, o ciclo é ele mesmo uma forma de perguntar. Desta vez a ideia não é referir um momento ou um momentum, porquanto o universo que motivou este programa já não é confinável a poucos anos ou sequer a uma década. Também não está em causa uma área de produção ou uma categoria específica, quanto mais não seja porque o diálogo entre elas e a indissociabilidade delas não param de intensificar-se. Finalmente, e em relação a isso como acontecera antes (já tinha sido assim com o ciclo documental) não se trata de constatar a existência de um hipotético movimento com uma qualquer unidade programática, seja ela estética, social ou política, tanto mais que, de resto, se há uma óbvia característica geral neste conjunto e neste tempo, essa característica é a atomização das experiências, e antes de mais das experiências de produção (há grandes afinidades de grupo, mas os grupos são inúmeros, formando um puzzle extenso e pulverizado). O ponto de partida é assim vasto, e o que nos interessa é a variedade, deixando mais uma vez que sejam as obras, quando assim aproximadas, a suscitar as suas possíveis relações.
Não partindo senão deste impulso, e sem surpresa face ao que acima ficou dito, depressa deparámos com um universo muito amplo e dificilmente demarcável. Tentando então corresponder o mais possível ao móbil inicial – a ideia de interrogar as novas gerações reveladas na última década e meia, ou seja, depois daquela outra que se foi revelando ao longo dos anos noventa, incluindo na ponta final deles – e sabendo que a inserção geracional e o tempo da revelação não são necessariamente coincidentes, acabámos por estabelecer critérios objetivos ditados por exigências práticas, cruzando duas balizas: como critérios principais, o ciclo incidirá sobre os autores que, tendo nascido no período histórico pós-1974, vieram a apresentar as suas primeiras obras nas salas de cinema, em circuito cultural ou comercial (e excetuando experiências embrionárias, o mais vasto campo do audiovisual ou os filmes de escola) já depois da viragem do século. Por outro lado, cumulativamente com estes, adotámos ainda um outro critério, favorecedor de nova circunscrição: no corpo essencial da mostra, concentrámo-nos nos autores cuja obra conhecida já não é limitada a um único filme – o que não quer dizer que haja qualquer relação entre isso e o número de filmes do mesmo autor que aqui foram incluídos. Quanto a este último parâmetro (os critérios de programação propriamente ditos, a quantidade e escolha dos títulos apresentados para cada um), limitámo-nos a impor uma única regra, segundo a qual (e devido à vontade pontual de colocar a ênfase no conjunto) nenhuma obra individual será aqui representada em mais do que uma sessão. Fora isso, atribuímo-nos a corrente liberdade e responsabilidade de programar, eliminando qualquer outra hierarquia que não seja a ditada pelos próprios filmes e a leitura do trabalho do autor.   
Este será então o âmbito do ciclo apresentado ao longo de várias etapas, nos meses de março, abril e maio.  
Por último, há que deixar uma nota de não-esquecimento: se a componente do cinema de animação ficou de fora deste programa não foi por qualquer omissão ou secundarização. Como tanto temos agora sublinhado – em especial ao longo da rubrica “Imagem por Imagem”, inaugurada em janeiro de 2016 – a importância da animação portuguesa contemporânea no panorama da animação mundial é inquestionável e, apetece sempre dizer, surpreendente para a dimensão e as condições de produção nessa área no nosso país. Se optámos por separá-la do presente ciclo foi então apenas, justamente, porque ela tem sido aqui muito trabalhada, e porque a rubrica que lhe dedicamos está em pleno desenvolvimento no próprio momento em que o ciclo decorre.
 
 
09/03/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Cinema Português: Novos Olhares - I

A Nossa Forma de Vida
de Pedro Filipe Marques
Portugal, 2011 - 91 min | M/12
 
10/03/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Cinema Português: Novos Olhares - I

Cama de Gato | Fora da Vida | Rhoma Acans | Balada de um Batráquio
duração total da projecção: 117 min | M/12
13/03/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Cinema Português: Novos Olhares - I

Tales on Blindness
de Cláudia Alves
Portugal, Índia, 2014 - 120 min | M/12
15/03/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Cinema Português: Novos Olhares - I

José e Pilar
de Miguel Gonçalves Mendes
Espanha, Suécia, Finlândia, Portugal, Brasil, 2010 - 133 min | M/6
16/03/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Cinema Português: Novos Olhares - I

O Nome e o N.I.M. | Cinerama
duração total da projecção: 101 min | M/12
09/03/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Cinema Português: Novos Olhares - I
A Nossa Forma de Vida
de Pedro Filipe Marques
Portugal, 2011 - 91 min | M/12

Oito andares acima do rio Douro, a vida conjugal de Armando e Maria, avós do realizador Pedro Filipe Marques, oferece, em A NOSSA FORMA DE VIDA, um olhar profundo, íntimo e cómico sobre sessenta anos de amor, nas paredes de uma casa, e o movimento exterior do mundo que vem pela invocação das memórias, no passado, e do consumo de meios de comunicação, no presente, onde se cria um comentário sobre a vida de um país que atravessava, nesse ano, uma das maiores crises da sua existência. A NOSSA FORMA DE VIDA não é apenas um testemunho sobre uma vida construída em conjunto: é uma reflexão sobre a vida que ainda resta viver num amor forte e longo, e,  também, sobre um país que procura uma nova oportunidade para existir. Melhor Primeira Obra do Doclisboa 2011 e Grande Prémio do Festival Caminhos do Cinema Português de 2012. Primeira exibição na Cinemateca.

10/03/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Cinema Português: Novos Olhares - I
Cama de Gato | Fora da Vida | Rhoma Acans | Balada de um Batráquio
duração total da projecção: 117 min | M/12
Com a presença de Filipa Reis, João Miller Guerra, Leonor Teles

CAMA DE GATO

de Filipa Reis, João Miller Guerra

com Ivana Afonso, Antonio Anjos, Vera Baião

Portugal, 2012 – 57 min

FORA DA VIDA

de Filipa Reis, João Miller Guerra

com Isabel Cardoso, Miguel Moreira, Mário Monteiro, Monique Montenegro, Ana Lisboa, Salvador Santos

Portugal, 2015 – 35 min

RHOMA ACANS

de Leonor Teles

Portugal, 2012 – 14 min

BALADA DE UM BATRÁQUIO

de Leonor Teles

Portugal, 2016 – 11 min

 

CAMA DE GATO e FORA DA VIDA trazem-nos o olhar de Filipa Reis e João Miller Guerra sobre o micro-cosmos do bairro da Bela Vista, em Setúbal, das suas jovens personagens e das suas famílias: no primeiro, uma mãe adolescente que se depara com as dificuldades de criar e sustentar o seu filho; no segundo, filme vencedor para a melhor curta-metragem portuguesa do IndieLisboa 2015, um retrato que acompanha os passos de várias pessoas pelos caminhos que o levam para fora dele, traçando, pelas sugestões da ficção, um mapa para as suas vidas. RHOMA ACANS e BALADA DE UM BATRÁQUIO juntam, por sua vez, o trabalho da jovem realizadora Leonor Teles sobre as suas origens de etnia cigana e a discriminação à sua volta (BALADA DE UM BATRÁQUIO recebeu o Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2016). Primeiras exibições na Cinemateca.

13/03/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Cinema Português: Novos Olhares - I
Tales on Blindness
de Cláudia Alves
Portugal, Índia, 2014 - 120 min | M/12
Com a presença de Cláudia Alves

O título do filme de Cláudia Alves remete para uma lenda indiana: seis homens cegos que tocam em diferentes partes de um elefante e que tentam adivinhar aquilo que têm à sua frente. Todos eles acabam por dar uma resposta diferente, todos eles estando certos e, ao mesmo tempo, errados. É sob essa metáfora que a realizadora se lança numa viagem à Índia, acompanhada por uma amiga brasileira e outra indiana, para construir um olhar sobre o país, em seis capítulos, que busca os traços de um passado colonial português, tanto em traços reais como nos mitos que se cruzam com o seu caminho. Primeira exibição na Cinemateca.

15/03/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Cinema Português: Novos Olhares - I
José e Pilar
de Miguel Gonçalves Mendes
com José Saramago, Pilar del Río
Espanha, Suécia, Finlândia, Portugal, Brasil, 2010 - 133 min | M/6
Com a presença de Miguel Gonçalves Mendes e Pilar del Rio

Um documentário sobre José Saramago, escritor maior da literatura portuguesa e Prémio Nobel em 1998, nos últimos anos da sua vida, onde o seguimos, e à sua mulher Pilar del Río, durante aparições públicas em viagens de promoção por altura de A Viagem do Elefante, um dos últimos trabalhos do escritor. Mas mais do que isso, JOSÉ E PILAR deixa-se conduzir pelo pensamento do escritor, desde a sua casa em Lanzarote e nos passos que toma pelo mundo, para nos mostrar o seu pensamento na escrita, na voz, e no sentimento ainda maior de um amor mútuo, entre duas pessoas, que irá sobreviver à morte. JOSÉ E PILAR é também, por isso, um filme sobre o amor e o que sai dele quando se conta a sua história.

16/03/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Cinema Português: Novos Olhares - I
O Nome e o N.I.M. | Cinerama
duração total da projecção: 101 min | M/12
Com a presença de Inês Oliveira

O NOME E O N.I.M.

de Inês Oliveira

com Miguel Cunha, Mário Rui Freitas, Pedro Lacerda

Portugal, 2003 – 25 min

CINERAMA

de Inês Oliveira

com Sofia Marques, Diogo Dória, Ricardo Aibéo

Portugal, 2009 – 76 min

 

O NOME E O N.I.M. fala-nos de uma sociedade militarizada onde os cidadãos são identificados, depois do serviço militar obrigatório, pelo seu Número de Identificação Militar (N.I.M.). No seu trabalho seguinte (CINERAMA; primeira exibição na Cinemateca), e primeira longa-metragem, Inês Oliveira procura também traços de uma humanidade e de afetos dentro das relações sociais, usando a história de uma morte para unir três personagens, à sua volta, e oferecer uma experimentação narrativa sobre as formas de representação que criamos, artística e espiritualmente, no nosso mundo.