CICLO
Terras sem Pão


Este Ciclo, em torno do filme de Luis Buñuel LAS HURDES, TIERRA SIN PAN, surge associado a uma exposição de desenhos de Maria Capelo intitulada À Volta das Covas de um Rochedo (patente na Cinemateca de 9 de junho a finais de julho) – uma obstinada repetição do gesto numa perseguição constante da mesma imagem: um fotograma das montanhas escarpadas do filme de Buñuel; precisamente o local de acesso àquele território perdido do mundo.
Em LAS HURDES, rodado em 1932, Buñuel mostrava uma face obscura da realidade crua da vida rural, numa pequena povoação de Espanha, completamente ignorada ou esquecida, encurralada entre montanhas brutais e onde a miséria e a escassez de recursos impõem aos seus habitantes uma luta obstinada pela sobrevivência. LAS HURDES, pelo olhar de Buñuel, surge como arquétipo de conjunção, de fusão de elementos realistas (a superfície das coisas) e surrealistas (o subsolo). A pobreza endémica, a inevitável degradação física, a trágica grandeza daquele povo que apesar da total inclemência da terra e das gentes segue fiel a doutrinas familiares, religiosas e cívicas, constituindo por isso elementos de sobra para um espírito, como o de Buñuel, tateando através da névoa do inconsciente. Este filme de Buñuel acabou por ser cabeça de um movimento cinematográfico, que se ia preparando para quando chegasse a hora, pois o filme permaneceu enclausurado em consequência do franquismo. E terá, certamente, sido o seu desconhecimento a razão para que não existissem, logo depois, outras obras cinematográficas relacionadas com ele.
Neste Ciclo de “terras sem pão”, apresentamos um conjunto de filmes escolhidos com uma certa liberdade, que faz sentido ver neste contexto. A título de curiosidade, um documentário de 1922: LAS HURDES PAYS DE LEYENDA, de Armando Pou, que retrata a visita do Rei Alfonso XIII à região, após notícias chocantes sobre a miséria que ali se vivia. Exibe-se ainda outro título documental de 1999 – BUÑUEL’S PRISIONERS, de Ramón Gieling, onde a atual população das Hurdes contesta a veracidade dos factos filmados por Buñuel, ao mesmo tempo que se revela na sua obstinação – “Se nos querem tirar deste inferno, tem de ser à bruta, pois, de livre vontade, não sairemos!”, diz-nos uma das mulheres no seu depoimento. O filme de Franco Maresco – BELLUSCONE, UNA STORIA SICILIANA – dá-nos uma visão nos dias de hoje, no tom sórdido e burlesco que reconhecemos na obra de Cipri e Maresco, de um mundo ironicamente perdido e inefável. VIDAS SECAS (1963), de Nelson Pereira dos Santos, e MARANHÃO 66, de Glauber Rocha, são dois filmes feitos na região do nordeste do Brasil. E dos retratos de povos corroídos pela terra e pela vida passamos a dois filmes habitados pela mais tenebrosa das maldições: a lepra. São eles L’ORDRE, de Jean-Daniel Pollet (1973), e “A CASA É NEGRA”, de Forough Farrokhzad (1963), “ilhas” de exílio e isolamento, preparando a morte. Por fim, LOS OLVIDADOS, (título que muito bem encabeçaria este Ciclo) é o filme de Buñuel, passado no México (1950), que quanto mais é revisto mais revela a sua perfeição, de um pessimismo absoluto, onde o ser-se jovem e belo tem o preço do crime e da morte, até que um velho cego nos grita: “Espero que matem cada um deles antes de nascerem!”
 

 
16/06/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Terras sem Pão

Los Olvidados
de Luis Buñuel
México, 1950 - 80 min
 
16/06/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Terras sem Pão
Los Olvidados
de Luis Buñuel
com Alfonso Mejía, Roberto Cobo, Miguel Incán, Stela Inda
México, 1950 - 80 min
legendado eletronicamente em português | M/12

LOS OLVIDADOS é uma das obras-primas absolutas de Luis Buñuel e foi o filme que fez “renascer” a sua carreira, depois de um longo período de obscuridade. Ambientado na cidade do México, segue crianças e adolescentes pobres, num mundo terrivelmente cruel em que nem os bons nem os maus conseguem salvar-se (foi considerado “insuportavelmente pessimista” por muitos comunistas à época e proibido no Portugal de Salazar), LOS OLVIDADOS alterna o realismo mais duro com breves momentos de evasão onírica. Um filme intensíssimo.