CICLO
Ingrid Bergman – O Permanente Susto de Si Própria


Quem assim falou dela, numa entrada de dicionário (Actor/Actor, catálogo de um Ciclo de 1987 na Gulbenkian), foi João Bénard da Costa. Ingrid Bergman talvez tenha sido menos “a jovem tímida, púdica, meiga e suavíssima que Hollywood fixou nos anos quarenta em dezenas de filmes clássicos” porque – escreveu – “se repararmos bem nalguns dos seus melhores papeis, verificamos (sobretudo quando foi confiada às mãos de Hitchcock ou Cukor) que a insegurança e o masoquismo são os seus valores fundamentais, com o permanente susto de si própria (atraindo 'alheias crueldades') e que tal característica vem sempre acompanhada do nervosismo dos egocêntricos, por vezes também (NOTORIOUS, UNDER CAPRICORN) nos limites da histeria. Ela foi, de Hollywood a Rossellini, de Renoir (ELENA) a Bergman, a permanente estrangeira, detonadora das ‘forças do mal’”. Seguríssima e luminosíssima na sua entrega aos filmes que quis fazer, Ingrid Bergman teve muitas vidas muito intensamente vividas, da Suécia onde nasceu e se fez atriz (os anos trinta, marcados pela colaboração com Gustaf Molander) a Hollywood onde se consagrou como grande estrela (os quarenta dos Hitchcock, o realizador que lhe deu o conselho para a vida certa vez em que não sabia onde encontrar as emoções de uma personagem, “Ingrid, fake it!”; do Cukor – GASLIGHT – e dos muitos outros filmes, de que CASABLANCA ficou como o mais mítico dos casos imponderáveis), de Hollywood à Itália de Rossellini (a década de cinquenta dos seis sucessivos filmes que fizeram juntos numa época que foi também de desbravamento do “cinema moderno"), de onde voltou para a Europa e para Hollywood, seguindo em balanço entre continentes mas também entre o cinema e o teatro, de finais dos anos cinquenta ao fim dos setenta e da SONATA DE OUTONO de Ingmar Bergman, o seu último papel em cinema, quatro anos anterior ao derradeiro A WOMAN CALLED GOLDA (1982, filmado para televisão), onde foi Golda Meir.
O Ciclo é convocado pelo centenário do nascimento, que se assinala em agosto de 2015, propondo um panorama do trabalho no cinema de Ingrid Bergman nas suas várias fases, como as notas seguintes detalham, dezanove dos seus mais de quarenta filmes. Exceção feita a INTERMEZZO (1936), o filme que a levou para Hollywood (onde em 1939 começou por um remake, o INTERMEZZO de 39), os filmes de Molander programados são primeiras apresentações na Cinemateca, tal como ANASTASIA (do triunfante regresso a Hollywood, forçada a engolir “a traição italiana” de Ingrid). O primeiro a ver é CASABLANCA, de que Ingrid Bergman nunca gostou muito ("Fiz tantos outros filmes tão mais importantes, mas o único de que as pessoas querem sempre falar é aquele que fiz com Bogart.”), mas cujo efeito foi aprendendo a reconhecer (“Sinto sobre CASABLANCA que tem uma vida própria. Há nele qualquer coisa de místico.”), o do seu encontro com Humphrey Bogart no Marrocos de estúdio da história que lhes deixou “para sempre Paris”, e a todos essa miragem, As Time Goes By. Mesmo que não chegue aos píncaros do estremecimento aterrorizado de Ingrid em GASLIGHT, da ambiguidade e do beijo com Cary Grant em NOTORIOUS, do hipnotismo de SPELLBOUND ou do susto tresloucado de UNDER CAPRICORN, da estranheza e da ascensão vulcânica de STROMBOLI e do fundo indizível de VIAGGIO IN ITALIA ou da dor de LA PAURA, da implacabilidade da SONATA.
 

 
30/07/2015, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Ingrid Bergman – O Permanente Susto de Si Própria

EN ENDA NATT
Sedução
de Gustaf Molander
Suécia, 1939 - 90 min
 
30/07/2015, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Ingrid Bergman – O Permanente Susto de Si Própria

STROMBOLI TERRA DI DIO
Stromboli
de Roberto Rossellini
Itália, Estados Unidos, 1949 - 102 min
30/07/2015, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Ingrid Bergman – O Permanente Susto de Si Própria

INTERMEZZO: A LOVE STORY
Intermezzo
de Gregory Ratoff
Estados Unidos, 1939 - 68 min
31/07/2015, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Ingrid Bergman – O Permanente Susto de Si Própria

SPELLBOUND
A Casa Encantada
de Alfred Hitchcock
Estados Unidos, 1945 - 111 min
31/07/2015, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Ingrid Bergman – O Permanente Susto de Si Própria

DR. JEKYLL AND MR. HYDE
O Médico e o Monstro
de Victor Fleming
Estados Unidos, 1941 - 117 min
30/07/2015, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ingrid Bergman – O Permanente Susto de Si Própria
EN ENDA NATT
Sedução
de Gustaf Molander
com Ingrid Bergman, Edvin Adolphson, Aino Taube, Olof Sandborg
Suécia, 1939 - 90 min
legendado eletronicamente em português | M/12

Foi com SEDUÇÃO que Ingrid Bergman se despediu da Suécia nos anos trinta. O argumento não a tinha interessado e foi este o filme que fez em moeda de troca da possibilidade do papel protagonista de “UM ROSTO DE MULHER”. “SEDUÇÃO foi um curioso filme que se atreveu a negar as expectativas dos espectadores. Como Eva Beckman, candidata a doutora em filosofia, pianista talentosa, desportista e cuidadora de um aristocrata rico, Ingrid nunca foi vestida de modo tão extravagante nem radiantemente fotografada […] E a escolha de Adolphson [no protagonista masculino] foi fascinante, pois ele era ainda um espantosamente belo ídolo de matinés” (Donald Spoto). Primeira exibição na Cinemateca.

30/07/2015, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ingrid Bergman – O Permanente Susto de Si Própria
STROMBOLI TERRA DI DIO
Stromboli
de Roberto Rossellini
com Ingrid Bergman, Mario Vitale
Itália, Estados Unidos, 1949 - 102 min
legendado em português | M/12

O primeiro filme de Rossellini com Ingrid Bergman (que “partiu de UNDER CAPRICORN para STROMBOLI”) marcou uma viragem importante no percurso do realizador e no da atriz. À época, Eric Rohmer comentou assim o filme: “STROMBOLI, grande filme cristão, é a história de uma pecadora tocada pela graça”. Por muitas razões, uma das mais extraordinárias experiências em toda a história do cinema. “Este filme, duma beleza alucinante, é um filme sobre o cosmos. […] STROMBOLI é o poema da criação” (JBC). A apresentar na versão inglesa, em cópia digital.

30/07/2015, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ingrid Bergman – O Permanente Susto de Si Própria
INTERMEZZO: A LOVE STORY
Intermezzo
de Gregory Ratoff
com Leslie Howard, Ingrid Bergman, Edna Best, John Halliday
Estados Unidos, 1939 - 68 min
legendado em português | M/12

O filme da estreia de Ingrid Bergman em Hollywood é o remake do filme sueco de 1936 que a pôs no caminho do estrelato. “De repente, ele [David O. Selznick] ficou muito quieto. Olhou profundamente para mim e disse: ‘Tive uma ideia, tão simples que nunca antes em Hollywood alguém a tentou aplicar. Não vamos tocar nada em si. Nada vai ser alterado. Vai continuar a ser você mesma. Você vai ser a primeira atriz ‘natural’”, contou Bergman. A fotogenia da atriz alia-se a uma brilhante fotografia (de Gregg Toland) numa bela história de amor. Leslie Howard, no papel de um violinista célebre, tem com Bergman o “intermezzo” conjugal que dá o título ao filme.

31/07/2015, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ingrid Bergman – O Permanente Susto de Si Própria
SPELLBOUND
A Casa Encantada
de Alfred Hitchcock
com Gregory Peck, Ingrid Bergman, Leo G. Carroll, John Emery, Michael Chekhov, Rhonda Fleming
Estados Unidos, 1945 - 111 min
legendado em português | M/12

SPELLBOUND marca o encontro de Hitchcock com Gregory Peck e Ingrid Bergman. O filme foi “acusado” de excesso de psicanálise, e foi um dos mais discutidos Hitchcock, que no entanto há quem defenda como aquele em que o realizador deu mais chaves sobre si próprio. Bergman é uma psicanalista. Peck é um seu paciente, que se fez passar pelo médico que é acusado de ter morto. E à volta disto, uma bela história de amor que corre paralela a uma incursão pelos labirínticos meandros da psicanálise, com uma sequência de antologia: o sonho de Gregory Peck, encenado por Salvador Dali.

31/07/2015, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ingrid Bergman – O Permanente Susto de Si Própria
DR. JEKYLL AND MR. HYDE
O Médico e o Monstro
de Victor Fleming
com Spencer Tracy, Ingrid Bergman, Lana Turner, Donald Crisp, Ian Hunter
Estados Unidos, 1941 - 117 min
legendado eletronicamente em português | M/12

Realizada dez anos depois do belíssimo filme de Mamoulian, esta é possivelmente a mais famosa das versões cinematográficas do romance de Robert Louis Stevenson, ainda que não seja a melhor. DR. JEKYLL AND MR. HYDE de Fleming teve, contudo, um impacto considerável devido aos notáveis efeitos especiais e às interpretações de Spencer Tracy e Ingrid Bergman. Esta última trocou, à última hora, o seu papel com o de Lana Turner, a quem deixou a personagem “boazinha”. O dela é o de Ivy Pearson, a personagem de Miriam Hopkins no precedente Mamoulian. “A sublime Ingrid Bergman tem aqui a primeira das suas grandes composições dessa personagem ambígua misto de prostituta e santa, masoquista na forma como se entrega ao sofrimento, que antecipa as de GASLIGHT, NOTORIOUS, UNDER CAPRICORN, e que Rossellini ‘canoniza’ em STROMBOLI” (Manuel Cintra Ferreira).