CICLO
Anos 30, O Cinema Antes da Regra


Atualmente, os anos trinta talvez sejam o período da história do cinema mais negligenciado pelos programadores, críticos e espectadores. Se o cinema mudo conheceu uma nova vida com os filmes concerto e se muitos nomes do cinema americano dos anos quarenta e cinquenta continuam célebres, o cinema realizado nos anos trinta tende a ser esquecido, relegado a uma espécie de Antiguidade do cinema. E no entanto, nos países mais diversos (União Soviética, Estados Unidos, França, Checoslováquia), foi feito cinema da mais alta qualidade naquele decénio e sobretudo foi feito um cinema muito livre e imaginativo, já que depois da completa revolução que foi a chegada do som as regras e convenções não se estabeleceram de imediato. Alguns continuaram a filmar “em mudo” durante algum tempo (casos de Chaplin e Eisenstein), outros tentaram um cinema semissonoro (como René Clair), outros abordaram frontalmente a questão do som, como Mamoulian e Jean Renoir. As novas regras e convenções narrativas não se estabeleceram de imediato e se alguns faziam assumidamente “teatro enlatado” outros buscavam um cinema que não dependesse só da palavra e preservasse o poder de sugestão da imagem. E foi só em 1934 que Hollywood estabeleceu novas e severas regras de censura, o famigerado e ultrapuritano “Código Hays”, que determinava o que podia e não podia ser mostrado: como tudo o que dizia respeito ao sexo era proibido, o cinema descobriu maneiras indiretas de tudo dizer, sem nada parecer dizer. Este Ciclo, intitulado pelas razões acima expostas “Anos 30, O Cinema Antes da Regra”, propõe um passeio por alguns exemplos da grande liberdade e da grande inventividade do cinema realizado nos anos trinta: ao lado de clássicos como FREAKS, KING KONG e FRANKENSTEIN, que na verdade são filmes insólitos no contexto americano, poderemos ver filmes de cineastas realmente radicais (um duplo programa Jean Vigo/Aleksandr Medvedkine), um exemplo do cinema mudo tardio (“NASCI, MAS…”, de Ozu), um dos melhores exemplos do cinema semissonoro de René Clair (SOUS LES TOITS DE PARIS), belíssimos exemplos vindos de um cinema não convencional, da Hungria e da Checoslováquia, a primeira versão de BERLIN ALEXANDERPLATZ, feito no breve momento decorrido entre a chegada do som ao cinema e a dos nazis ao poder, um exemplar do cinema yiddisch (DER DYBBUK), um díptico sobre o dinheiro formado por dois insólitos filmes de Fritz Lang e Marcel Ophuls (YOU AND ME e KOMOEDIE OM GELD), um poderoso exemplo do “realismo socialista” (CHTCHORS, de Dovjenko) e nada menos do que três filmes de Jean Renoir. Os anos trinta marcam provavelmente o apogeu da obra do realizador francês, que neste período escapou a todas as convenções do cinema do seu país e fez uma impressionante série de grandes filmes. O maior deles, A REGRA DO JOGO, é o filme mais livre que se possa imaginar, o que explica em parte porque levou tanto tempo a ser reconhecido como a obra extraordinária que é. Antes da regra ser estabelecida e antes da REGRA de Jean Renoir, o cinema percorreu caminhos extraordinários. Propomos aqui alguns exemplos.

 
18/05/2015, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Anos 30, O Cinema Antes da Regra

YOU AND ME
de Fritz Lang
Estados Unidos, 1938 - 90 min
 
18/05/2015, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Anos 30, O Cinema Antes da Regra

CHTCHORS
de Aleksandr Dovjenko (e Yulia Solntseva)
URSS, 1939 - 115 min
18/05/2015, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Anos 30, O Cinema Antes da Regra

DER DYBBUK
“O Fantasma”
de Michal Waszinski
Polónia, 1937 - 110 min
19/05/2015, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Anos 30, O Cinema Antes da Regra

ZÉRO DE CONDUITE | SCHASTYE
duração total da sessão: 111 min | M/12
20/05/2015, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Anos 30, O Cinema Antes da Regra

BERLIN ALEXANDERPLATZ
de Phil Jutzi
Alemanha, 1931 - 90 min
18/05/2015, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Anos 30, O Cinema Antes da Regra
YOU AND ME
de Fritz Lang
com George Raft, Sylvia Sydney, Robert Cummings
Estados Unidos, 1938 - 90 min
legendado eletronicamente em português | M/12

“Não és tu e não sou eu, és tu e eu”, diz a personagem de Sylvia Sidney. Raramente visto, YOU AND ME, o terceiro filme americano de Fritz Lang, merece ser (re)descoberto. Lotte Eisner comparava-o a uma Lehrstuck (peça didática) de Brecht. A ação passa-se num grande armazém, onde o dono emprega pessoas condenadas pela justiça, que se encontram em liberdade condicional, para as ajudar no “bom caminho”. Furioso por ter sido enganado pela namorada, que ocultara o facto de também estar em liberdade condicional, um deles planeia assaltar a loja. O filme é extremamente original e não se enquadra em nenhum género estabelecido. Há inclusive uma cena em que as personagens rememoram os tempos da prisão com um número musical. Música de Kurt Weil.

18/05/2015, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Anos 30, O Cinema Antes da Regra
CHTCHORS
de Aleksandr Dovjenko (e Yulia Solntseva)
com Yevgeny Samoilov, Ivan Skuratov
URSS, 1939 - 115 min
legendado eletronicamente em português | M/12

Como todos os cineastas vindos dos anos gloriosos do cinema mudo soviético, Aleksandr Dovjenko não teve remédio senão colaborar com o regime durante os gelos e degelos estalinistas. Como aconteceu a todos os outros, isto valeu-lhe profundos dissabores. Pessoalmente “sugerido” a Dovjenko pelo próprio Estaline, que queria um “TCHAPAIEV ucraniano” (numa alusão a um filme de Sergei e Giorgi Vassiliev, expoente do “realismo socialista”, sobre um herói da guerra civil), CHTCHORS segue a história de Nikolai Chchors, herói da Primeira Guerra Mundial, líder da resistência aos "russos brancos" e símbolo do bolchevismo ucraniano. Em suma, um fortíssimo objeto de propaganda, sedução e “mobilização”, que neste caso resultou no que muitos consideram ser a obra-prima do “realismo socialista”.

18/05/2015, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Anos 30, O Cinema Antes da Regra
DER DYBBUK
“O Fantasma”
de Michal Waszinski
com Lili Liliana, Leon Liebgold
Polónia, 1937 - 110 min
legendado eletronicamente em português| M/12

Baseado numa peça que adapta um velho mito judeu da Europa Central, que também inspirou uma peça de música de câmara a Aaron Copland, DER DYBBUK é um exemplo de uma cultura yiddish desaparecida, que se torna mais comovente quando se pensa nos horrores que se abateriam sobre o mundo judeu europeu. Trata-se de história de duas crianças cujos pais prometem em casamento. O rapaz morre, mas não se resigna e continua a voltar à vida terrena, até que vem encarnar-se na alma da mulher no dia em que ela vai casar-se com outro homem.

19/05/2015, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Anos 30, O Cinema Antes da Regra
ZÉRO DE CONDUITE | SCHASTYE
duração total da sessão: 111 min | M/12

ZÉRO DE CONDUITE
Zero em Comportamento
de Jean Vigo
com Jean Dasté, Louis Lefebvre, Gilbert Pruchon
França, 1933 – 45 min / legendado em português
SCHASTYE
“A Felicidade”
de Aleksandr Medvedkin
com Petr Zinoiev, Elena Egorova
URSS, 1934 – 66 min /  intertítulos em francês e traduzidos eletronicamente em português

O duplo programa reúne dois cineastas da mesma geração que foram das figuras mais originais da história do cinema. Jean Vigo foi “o Rimbaud do cinema, com uma obra demasiado breve, inteiramente feita de cólera e amor, de lirismo e verdade”, para citarmos a célebre fórmula de Georges Sadoul. Obra-prima violenta, ZÉRO DE CONDUITE é situado num internato e culmina na revolta das crianças contra a autoridade. Esteve proibido em França durante doze anos. Aleksandr Medvedkine (1900-89) só foi plenamente reconhecido nos anos setenta. SCHASTYE, um prodígio de imaginação e o mais conhecido dos seus filmes, é a história de um camponês que julga ter alcançado a felicidade quando encontra um saco cheio de dinheiro, acabando por verificar que só a conquista no trabalho coletivo, dentro do kolkhoze a que pertence. Ao ver o filme, Sergei Eisenstein observou: “Hoje, vi como ri o bolchevique. Não temos apenas uma obra magnífica. Temos um autor extraordinário. Temos uma personalidade autêntica, original, madura”.
 

20/05/2015, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Anos 30, O Cinema Antes da Regra
BERLIN ALEXANDERPLATZ
de Phil Jutzi
com Heinrich George, Maria Bard, Margarethe Schlegel, Bernhard Minetti
Alemanha, 1931 - 90 min
legendado eletronicamente em português | M/12

Um dos tesouros mais bem guardados do cinema dos anos da República de Weimar, BERLIN ALEXANDERPLATZ foi a primeira adaptação do romance homónimo (a outra, muito mais célebre, foi a de Fassbinder nos anos setenta) e contou com a colaboração, na escrita do argumento, do próprio autor, Alfred Döblin. Realizado apenas dois anos depois da publicação do romance, o filme de Jutzi está profundamente imerso no caos e nas contradições sociais descritas por Döblin. Heinrich George compõe um assombroso Franz Biberkopf. Phil Jutzi, que nos anos vinte se especializara em filmes de propaganda comunista, aderiu pouco depois deste filme ao nacional-socialismo, passando o resto da década de trinta a dirigir propaganda nazi.