CICLO
Robert Bresson, Uma Aventura Interior


Esta não é a primeira retrospetiva integral de Robert Bresson (1901-1999) na Cinemateca, nem será certamente a última, mas é mais uma oportunidade para mostrar a totalidade da sublime filmografia de um dos maiores cineastas de sempre que, inexplicavelmente, nos últimos anos de vida, não conseguiu reunir os meios para continuar a filmar. O Ciclo, em que apenas se projetam duas vezes os títulos que não pertencem à coleção da Cinemateca, começa precisamente pelo último filme de Bresson, o décimo quarto que realizou, L'ARGENT (1983), em que Bresson manifesta o mais profundo desprezo pelo materialismo da sociedade contemporânea, para recuar até à sua primeira obra, curta-metragem de inspiração burlesca realizada em 1934, que caricaturava a Europa de então, mas que se afastava ainda das qualidades principais que viriam a caracterizar o seu cinema. Com formação em filosofia e em línguas clássicas, a descoberta do cinema por Bresson é também posterior à prática da pintura, remontando ao final dos anos vinte. LES ANGES DU PÉCHÉ, a sua primeira longa-metragem, foi concluída em 1944, já depois de Bresson ter estado mais de um ano preso num campo alemão. LES DAMES DU BOIS DE BOULOGNE (1945), o trabalho seguinte, ainda envolveria atores profissionais, por contraposição aos famosos "modelos" a que Bresson iria recorrer daí em diante, numa procura de uma maior complexidade e de um movimento de interiorização. Nos anos seguintes, Besson realizou várias das suas obras-primas, como JOURNAL D’UN CURÉ DE CAMPAGNE (1951), UN CONDAMNÉ À MORT S’EST ECHAPPÉ (1956), PICKPOCKET (1959). O primeiro foi o filme que o consagrou junto da crítica e é uma obra essencial na procura de um "realismo interior" e na colocação em prática da sua estética jansenista em que o progressivo despojamento surge associado a uma gravidade formal. UN CONDAMNÉ À MORT S’EST ECHAPPÉ prossegue a depuração de JOURNAL, bem como a sua abordagem minimalista que assenta na rarefação, na fragmentação e na recombinação de elementos através da montagem, procedimentos que atingiriam o seu máximo expoente em PICKPOCKET (1959), o belíssimo filme centrado nos gestos de um carteirista, que o cineasta regista e recompõe com o seu cinematógrafo, a câmara-bisturi com que disseca a realidade no sentido de uma progressiva abstração. Uma obra portentosa onde não há lugar a juízos morais, mas a acontecimentos e sensações que resultam da aproximação de diferentes sons e imagens, num processo em que, como diria o próprio Bresson, "surgem não apenas relações novas, mas uma nova forma de rearticular e ajustar". Um mesmo conjunto de procedimentos "analíticos" transparece em LE PROCÈS DE JEANNE D’ARC (1962), que centrando-se nas atas do referido processo, sucede à grandiosa "paixão" de Dreyer, outro grande mestre (a par de Bresson e de Ozu) do que que Paul Schrader caraterizou como um "estilo transcendental no cinema" e Susan Sontag classificaria como um "estilo espiritual". No sublime AU HASARD BALTHAZAR… (1966), a questão da "Graça", tema central em toda a obra de Bresson, bem como a sua exploração do carácter trágico da vida e da força do acaso, ganham contornos efabulatórios, uma vez que a "peregrinação exemplar" é protagonizada por um burro, submetido a um destino repleto de maldade humana. Destino igualmente triste terá Mouchette, num filme que em Portugal ficou conhecido por AMOR E MORTE (1967), ou as protagonistas de UNE FEMME DOUCE (1969) e QUATRE NUITS D’UN RÊVEUR (1971), duas das mais belas adaptações de Dostoievski ao cinema e os primeiros trabalhos de Bresson a cores. Todos eles, filmes belíssimos, ao mesmo tempo que profundamente desesperados. LANCELOT DU LAC (1974) recupera a dimensão histórica de LE PROCÈS DE JEANNE D’ARC, evitando todo o pitoresco medieval habitualmente associado às histórias dos Cavaleiros da Távola Redonda, em prol da construção de um universo em que permanece a fragmentação e a desarticulação dos corpos dos filmes anteriores. Dois anos depois Bresson realizaria LE DIABLE PROBABLEMENT, a sua penúltima obra, que é talvez o mais negro e explícito de todos os seus filmes na sua visão pessimista sobre a evolução da sociedade. Uma das mais incompreendidas obras de Bresson que assenta na força das elipses, onde tudo se passa nos intervalos entre as palavras e as coisas. Como registava nas suas Notas sobre o Cinematógrafo, um dos livros mais fascinantes alguma vez escritos sobre cinema, "É necessário que uma imagem se transforme em contacto com outras imagens, como uma cor em contacto com outras cores. Um azul não é o mesmo azul ao lado de um verde, de um amarelo ou de um vermelho. Não há arte sem transformação". Ou ou mais à frente, "Criar não é deformar ou inventar pessoas e coisas. É encontrar entre as pessoas e as coisas que existem, e enquanto existem, relações novas."

 
19/02/2015, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Robert Bresson, Uma Aventura Interior

MOUCHETTE
Amor e Morte
de Robert Bresson
França, 1967 - 78 min
 
21/02/2015, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Robert Bresson, Uma Aventura Interior

LE PROCÈS DE JEANNE D’ARC
de Robert Bresson
França, 1962 - 64 min
23/02/2015, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Robert Bresson, Uma Aventura Interior

UNE FEMME DOUCE
Uma Mulher Meiga
de Robert Bresson
França, 1969 - 88 min
24/02/2015, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Robert Bresson, Uma Aventura Interior

UNE FEMME DOUCE
Uma Mulher Meiga
de Robert Bresson
França, 1969 - 88 min
24/02/2015, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Robert Bresson, Uma Aventura Interior

QUATRE NUITS D’UN RÊVEUR
Quatro Noites de um Sonhador
de Robert Bresson
França, 1971 - 90 min
19/02/2015, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Robert Bresson, Uma Aventura Interior

Em colaboração com a Filmoteca Española
MOUCHETTE
Amor e Morte
de Robert Bresson
com Nadine Nortier, Jean-Claude Guilbert, Marie Cardinal
França, 1967 - 78 min
legendado em português | M/12

Depois de JOURNAL D’UN CURÉ DE CAMPAGNE, MOUCHETTE marca um novo encontro entre Robert Bresson e Georges Bernanos: Nouvelle Histoire de Mouchette é o ponto de partida do argumento à volta da personagem de Mouchette. “A Mouchette de Bresson é muito mais dele do que de Bernanos e apresenta óbvios parentescos com a Marie de AU HASARD BALTHAZAR… (para não falar do burro) e até com a futura ‘femme douce’” (João Bénard da Costa). Um filme desesperado e belíssimo.

21/02/2015, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Robert Bresson, Uma Aventura Interior

Em colaboração com a Filmoteca Española
LE PROCÈS DE JEANNE D’ARC
de Robert Bresson
com Florence Carrez, Jean-Claude Fourneau, Roger Honorat
França, 1962 - 64 min
legendado eletronicamente em português | M/12

A história de Joana d’Arc revista através dos seus elementos “burocráticos” (e por isso o filme se chama o “processo” e não, como em Dreyer, a “paixão”), tendo-se Bresson servido dos registos escritos do julgamento para escrever o seu argumento. É um dos melhores filmes do cineasta, mas também um dos menos vistos – provavelmente porque a frieza analítica de Bresson elide todo o romantismo que caracteriza a maior parte das abordagens cinematográficas da figura de Joana d’Arc. “Vejo-a como um ser superior. Mais do que os milagres, Joana convence-nos da existência desse mundo em que penetrava com prodigiosa facilidade” (Robert Bresson).

23/02/2015, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Robert Bresson, Uma Aventura Interior

Em colaboração com a Filmoteca Española
UNE FEMME DOUCE
Uma Mulher Meiga
de Robert Bresson
com Dominique Sanda, Guy Francis, Jane Lorre
França, 1969 - 88 min
legendado eletronicamente em português | M/12

Primeira das duas adaptações que Bresson fez de Dostoievski e o seu primeiro filme a cores. UNE FEMME DOUCE é a história de um casal e dos mal entendidos que levam a uma tragédia. A rotina, o cansaço, a fatal banalidade do dia a dia, levam a mulher a tentar matar o marido, para depois se tornar uma apagada e submissa “mulher objeto”, acabando por se suicidar. Primeiro filme de Dominique Sanda, um dos raros “modelos” de Bresson a transformar-se numa vedeta de cinema. “O filme é quase uma exposição da estética de Bresson, um pouco o equivalente fílmico do seu livro Notes sur le Cinématographe. Se juntarmos esse carácter à necrofilia da obra teremos algumas razões para medir a sua ambiguidade” (João Bénard da Costa).

24/02/2015, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Robert Bresson, Uma Aventura Interior

Em colaboração com a Filmoteca Española
UNE FEMME DOUCE
Uma Mulher Meiga
de Robert Bresson
com Dominique Sanda, Guy Francis, Jane Lorre
França, 1969 - 88 min
legendado eletronicamente em português | M/12

Primeira das duas adaptações que Bresson fez de Dostoievski e o seu primeiro filme a cores. UNE FEMME DOUCE é a história de um casal e dos mal entendidos que levam a uma tragédia. A rotina, o cansaço, a fatal banalidade do dia a dia, levam a mulher a tentar matar o marido, para depois se tornar uma apagada e submissa “mulher objeto”, acabando por se suicidar. Primeiro filme de Dominique Sanda, um dos raros “modelos” de Bresson a transformar-se numa vedeta de cinema. “O filme é quase uma exposição da estética de Bresson, um pouco o equivalente fílmico do seu livro Notes sur le Cinématographe. Se juntarmos esse carácter à necrofilia da obra teremos algumas razões para medir a sua ambiguidade” (João Bénard da Costa).

24/02/2015, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Robert Bresson, Uma Aventura Interior

Em colaboração com a Filmoteca Española
QUATRE NUITS D’UN RÊVEUR
Quatro Noites de um Sonhador
de Robert Bresson
com Isabelle Weingarten, Guillaume des Forêts, Maurice Monnoyer
França, 1971 - 90 min
legendado eletronicamente em português | M/12

O “sonhador” é Jacques, um jovem pintor sem grandes ambições que “por acaso” se depara com Marthe no preciso momento em que esta se prepara para se suicidar, na Pont-Neuf, em Paris. Gradualmente ele descobre que, naquela noite, Marthe esperava alguém que nunca veio. Jacques, nas duas noites seguintes, apaixona-se por Marthe. Na quarta noite, o rapaz por quem ela tinha esperado acaba por aparecer. Argumento que nasce de Noites Brancas de Dostoievski e pelo qual Bresson entra na noite de Paris, observa os amantes numa vida ‘moderna’ e as suas vidas que fluem num mesmo mover das águas noturnas do rio Sena. "Um pleno momento de felicidade, […] será isto pouco para a vida de um homem?".