CICLO
Fritz Lang – O Tempo do Cinema


“Fritz Lang vivia para e nos seus filmes. Definiu-se com exatidão como um ‘sonâmbulo”. Simultaneamente parecia-lhe indispensável ligar a aventura do cinema ao seu tempo”. As afirmações, de Bernard Eisenschitz, lêem-se na introdução do seu fundamental último estudo sobre a obra de Lang, Fritz Lang au Travail (2011, ed. Cahiers du Cinema). O tempo de Fritz Lang (1890-1976) e o tempo do cinema de Fritz Lang (1919-1960) correspondem ao de boa parte do século XX, o do cinema. Lang viveu-o na Alemanha e em Hollywood, dois epicentros do cinema e do século XX. Na Alemanha, onde nasceu, onde se iniciou no cinema como argumentista em 1917, onde começou a filmar em 1919 (inaugurando a sua filmografia com HALBBLUT, produzido por Erich Pommer para a Decla, hoje um dos seus filmes perdidos) e de onde saiu em 1933 num passo envolto em relatos míticos, Lang marcou indelevelmente o cinema mundial do período mudo (com obras-primas como DER MÜD TODD, DR. MABUSE DER SPIELER, DIE NIEBELUNGEN ou METROPOLIS), inaugurou o cinema sonoro com o genial M, e regressou no final da década para um não menos genial remate, com o díptico DER TIGER VON ESCHNAPUR / DAS INDISCHE GRABMAL e DIE 1000 AUGEN DES DR. MABUSE. Nos Estados Unidos, onde chegou em 1934 depois de uma passagem por Paris e de um filme francês (LILIOM), prosseguiu o seu fabuloso trabalho, no quadro da Hollywood clássica e de vários dos seus géneros – filmes sociais (desde logo com FURY, YOU ONLY LIVE ONCE, YOU AND ME), westerns (THE RETURN OF FRANK JAMES, WESTERN UNION, RANCHO NOTORIOUS), filmes negros (categoria em que podem “caber” THE WOMAN IN THE WINDOW, CLASH BY NIGHT, THE BLUE GARDENIA, THE BIG HEAT ou WHILE THE CITY SLEEPS), filmes de guerra (MINISTRY OF FEAR, CLOAK AND DAGGER) ou de aventuras (MOONFLEET) – impregnando-os a todos do seu muito próprio universo. A estes como a títulos menos “categorizáveis” como MAN HUNT e HANGMEN ALSO DIE, os dois remakes de Jean Renoir – SCARLETT STREET e HUMAN DESIRE, o drama psicanalítico SECRET BEYOND THE DOOR, o assombrado HOUSE BY THE RIVER. Construindo-se com uma impressionante solidez temática e formal, implacavelmente associada à sua contemporaneidade, a obra de Fritz Lang trabalha as relações entre a vida, a morte e o destino, a obsessão pela fatalidade, as grandes maquinações. É uma obra pontuada por dípticos (uma evidência do seu período alemão), pela qualidade arquitetónica das imagens, o rigor e a força certeira dos planos, um olhar genialmente poderoso e lúcido, animado por um pessimismo fundamental sobre a natureza humana: "há homens maus e homens muito maus; por conveniência de expressão, dizemos dos primeiros que são 'bons'".
Dando a ver, na íntegra, os seus filmes existentes a esta data, a retrospetiva “Fritz Lang – O Tempo do Cinema” decorre entre outubro e dezembro de 2013, reeditando a iniciativa levada a cabo pela Cinemateca em 1981 e 1983, quando a obra de Lang foi apresentada em duas partes, correspondentes aos seus períodos alemão e americano. Arrancando com M, a retrospetiva segue depois a cronologia da obra.

 
24/10/2013, 19h00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Ciclo Fritz Lang – O Tempo do Cinema

Das Wandernde Bild
“A Imagem Errante”
de Fritz Lang
Alemanha, 1920 - 70 min
 
24/10/2013, 22h00 | Sala Luís de Pina
Ciclo Fritz Lang – O Tempo do Cinema

Die Spinnen 2. Abenteur: Das Brillantenschiff
As Aranhas. Segunda Aventura: “O Navio dos Brilhantes”
de Fritz Lang
Alemanha, 1919-20 - 106 min
25/10/2013, 19h00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Ciclo Fritz Lang – O Tempo do Cinema

Kämpfende Herzen / Die Vier um Die Frau
“Corações em Luta” / “Quatro em Redor de Uma Mulher”
de Fritz Lang
Alemanha, 1921 - 78 min
25/10/2013, 22h00 | Sala Luís de Pina
Ciclo Fritz Lang – O Tempo do Cinema

Harakiri
de Fritz Lang
Alemanha, 1919 - 80 min
26/10/2013, 21h30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Ciclo Fritz Lang – O Tempo do Cinema

Dr. Mabuse, Der Spieler 2. Inferno, Ein Spiel Von Menschen Unser Zeit
O Doutor Mabuse (“2ª Parte: Os Homens de uma Época”)
de Fritz Lang
Alemanha, 1922 - 130 min
24/10/2013, 19h00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Fritz Lang – O Tempo do Cinema
Das Wandernde Bild
“A Imagem Errante”
de Fritz Lang
com Mia May, Hans Marr, Harry Frank, Rudolf Klein-Rogge
Alemanha, 1920 - 70 min
mudo, intertítulos em alemão legendados eletronicamente em português

Foi o filme que marcou o princípio da colaboração entre Lang e Thea von Harbou. Considerado perdido durante vários anos, foi recuperado na década de oitenta, ainda que em versão incompleta. A história segue uma jovem viúva de um filósofo famoso que, assediada por um pretendente, procura refúgio nas montanhas onde a espera uma tempestade e um surpreendente desfecho. As cenas nos exteriores naturais são um dos grandes trunfos de “A IMAGEM ERRANTE”, também conhecido como MADONNA IM SCHNEE /”A VIRGEM DA NEVE”, um dos menos vistos filmes de Lang. De notar especialmente “a acumulação heterogénea de elementos de mise en scène respigados aqui e acolá (paisagens e planos em contraluz próximos de Ford, planos descritivos em que a multidão se espalha pela praça da aldeia como em Murnau, interiores que parecem saídos de um melodrama mundano de Evgueni Bauer. (…) Trata-se evidentemente de um engano, pois é pouco provável que os realizadores se tenham influenciado, a não ser pela admiração fraterna (Griffith e a sua ‘escola’ – Stroheim, Walsh, Dwan)” (Pierre Léon).

24/10/2013, 22h00 | Sala Luís de Pina
Fritz Lang – O Tempo do Cinema
Die Spinnen 2. Abenteur: Das Brillantenschiff
As Aranhas. Segunda Aventura: “O Navio dos Brilhantes”
de Fritz Lang
com Carl de Vogt, Ressel Orla, Rudolf Lettinger, Lil Dagover
Alemanha, 1919-20 - 106 min
mudo, intertítulos em alemão, legendados eletronicamente em português

DIR GOLDENE SEE, a primeira parte de AS ARANHAS, é o terceiro filme de Fritz Lang, que, entre essa primeira parte e a segunda, filmou ainda HARAKIRI. AS ARANHAS inauguram no seu cinema a veia do cinema “folhetinesco”, por vezes desdobrados em mais de um episódio, como é aqui o caso. Como em outros filmes de Lang neste período e como nos serials americanos e franceses da década de 1910, a trama narrativa é rocambolesca: um desportista luta contra os malfeitores do “bando das aranhas”, que querem apossar-se de todas as riquezas do mundo, em aventuras que o levam ao Peru, à Ásia, a São Francisco e às Ilhas Falkland. Tudo isto é pretexto para uma mise en scène fenomenal, num filme feito com grandes meios, em que se destaca a conceção do espaço, em que Lang é mestre. “A primeira observação surpreendente para quem vê, pela primeira vez, DIE SPINNEN é a sua semelhança com as penúltimas obras de Fritz Lang, realizadas quase 40 anos depois, quando o autor de M voltou à Alemanha: DER TIGER VON ESCHNAPUR e DAS INDISCHE GRABMAL” (João Bénard da Costa).

25/10/2013, 19h00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Fritz Lang – O Tempo do Cinema
Kämpfende Herzen / Die Vier um Die Frau
“Corações em Luta” / “Quatro em Redor de Uma Mulher”
de Fritz Lang
com Carole Trölle, Herman Boetcher, Ludwig Hartou, Anton Edhofer
Alemanha, 1921 - 78 min
mudo, intertítulos em alemão legendados eletronicamente em português

Como HARAKIRI e “A IMAGEM ERRANTE”, “CORAÇÕES EM LUTA” foi durante muitos anos considerado um missing film de Fritz Lang e, como “A IMAGEM ERRANTE”, recuperado pela Cinemateca Brasileira a partir de uma cópia em nitrato, em 1986. Iniciada nesse filme, a colaboração entre Lang e Thea von Harbou prosseguiu no argumento de “CORAÇÕES EM LUTA”, enredado no tema do adultério, da chantagem e já, também, das sociedades secretas de um mundo subterrâneo. “Em KÄMPFENDE HERZEN, Lang é já Lang, já é um manipulador e já é moderno: faz cinema porque é moderno” (Antonio Rodrigues).

25/10/2013, 22h00 | Sala Luís de Pina
Fritz Lang – O Tempo do Cinema
Harakiri
de Fritz Lang
com Paul Biensfeldt, Lil Dagover, Georg John, Meinhard Maur
Alemanha, 1919 - 80 min
mudo, intertítulos em alemão, legendados eletronicamente em português

Rodado em 1919, entre as duas partes de DIE SPINNEN, HARAKIRI foi durante largos anos um título perdido da filmografia de Lang, até que foi reencontrada uma cópia em Amesterdão, em 1986. Trata-se de uma adaptação de Madame Butterfly, filmada em cenários naturais, ao arrepio do cânone expressionista do cinema alemão da época ou do caligarismo do célebre filme de Robert Wiene, do mesmo ano. “No plano temático, HARA-KIRI está em toda a plenitude integrado no corpo principal da obra de Lang. (…) Primeiro, o tema do amor em luta contra circunstâncias externas que concorrem para o impedir. [Segundo,] o tema da ‘organização’ enquanto entidade malévola” (Luís Miguel Oliveira).

26/10/2013, 21h30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Fritz Lang – O Tempo do Cinema
Dr. Mabuse, Der Spieler 2. Inferno, Ein Spiel Von Menschen Unser Zeit
O Doutor Mabuse (“2ª Parte: Os Homens de uma Época”)
de Fritz Lang
com Rudolf Klein-Rogge, Bernhard Goetzke, Alfred Abel, Aud Egede Nissen
Alemanha, 1922 - 130 min
mudo, intertítulos em alemão traduzidos eletronicamente em português

A tradução literal do título daquele que é sem dúvida o melhor dos serials realizados por Fritz Lang no período mudo é “DR. MABUSE, O JOGADOR”. Dr. Mabuse, um dos primeiros mestres do crime do cinema, surge aqui pela primeira vez. Voltará ao cinema de Lang por mais duas vezes, em 1932, no seu segundo filme sonoro, e na sua despedida ao cinema, em 1960. Através de uma narrativa de tipo serial, com o confronto entre um polícia e um super- criminoso, Fritz Lang traça um poderoso retrato da Alemanha de Weimar: a corrupção, a febre da Bolsa e o crime, a corrida para o abismo de um mundo onde germina a serpente do nazismo. À época, o filme, dividido em catorze episódios, foi exibido em duas partes e assim o será na Cinemateca. “(…) O tema universal que perpassa todo o filme, em que tudo é jogo e, em certo sentido, aparência. A realidade última não se dá a ver, na medida em que é, por definição, o ponto donde se distribui o olhar… Será ainda preciso lembrar que Mabuse caminha para a loucura e sintetiza a sua moral dizendo que ´não há amor, só há desejo, não há felicidade, só vontade de poder’” (José Manuel Costa).