CICLO
A Cinemateca com a Festa do Cinema Italiano: A Crítica Política Segundo Elio Petri


Quando Elio Petri faleceu em 1982, aos 53 anos (deixando uma obra composta por onze longas-metragens, duas curtas, um episódio numa longa-metragem coletiva, um filme coletivo assinado sob pseudónimo, a metade de um documentário e uma mini-série televisiva), o conhecido crítico italiano Giovanni Grazzini observou: “Durante pelo menos vinte anos, que cobrem os anos 60 e 70, Elio Petri foi um autor de ponta do cinema italiano, um ponto de referência constante no panorama do cinema ideológico e das polémicas entre política e espetáculo. Mas não lhe devemos apenas filmes importantes, alguns dos quais bastante belos. Petri é um exemplo significativo de como um artista de origens sociais modestas, mas cheio de talento e paixão, enfrentou a crise da esquerda, passando da estrita obediência às regras comunistas ao protesto pela invasão da Hungria, dali aos fermentos de 1968 e às suas desilusões de intelectual libertário. A virtude dolorosa de Petri consistiu em transfigurar com a linguagem cinematográfica a própria busca da verdade e do justo, em dar forma dramática popular à ânsia que o dominava. Nenhum dos filmes de Petri (as longas-metragens e os demais) nasceu no terreno do cinema frívolo. Se ele optou com frequência pelo grotesco e o polémico foi para golpear em cheio o espectador, dizendo-lhe com o máximo empenho, inclusive do ponto de vista formal, a angústia da época. Educado no clima do existencialismo e da incomunicabilidade, Petri sofreu mais do que outros cineastas as tormentas da Revolução e a lividez da derrota. Todos os seus filmes foram habitados por personagens esquizofrénicos. Passando do apólogo ao panfleto, Petri encontrou no realismo fantástico o terreno ideal e no sarcasmo desesperado a sua autêntica veia. Foi um autor que sem nunca ter feito filmes militantes, longe dos jovens que achavam que deviam empunhar a câmara como uma metralhadora, queria sair das polémicas facciosas rumo à encenação de uma realidade que espelha o fracasso da razão e da justiça”.
Nascido em Roma, Petri chegou à realização através de um percurso então clássico: crítica, organização de um cineclube, escrita de argumentos (entre outros, para Giuseppe de Santis), assistente de realização e duas curtas-metragens documentárias, antes de se estrear na realização com L’ASSASSINO, em 1961. Este filme de estreia, de índole criminal (giallo, para usarmos o termo utilizado em Itália), permitiu-lhe, na opinião de Lino Miccichè , “exercer proficuamente o ofício de narrador cinematográfico, entendido na sua aceção técnica”. Os anos 60 que começam marcarão uma das idades de ouro do cinema italiano, em que paralelamente ao triunfo internacional da comédia à italiana, mestres como Visconti, Fellini e Antonioni alçaram-se acima da condição de cineastas e foram assimilados à cultura alta. Paralelemente a Petri, outros nomes cruciais surgiriam no período, como Pasolini, já consagrado como escritor, enquanto Francesco Rosi, ativo há alguns anos, firmava-se como autor e Bernardo Bertolucci realizava a sua primeira longa-metragem aos vinte e dois anos. Neste período, em que Roberto Rossellini abandonava a ficção pelo cinema educativo, discutia-se muito em Itália a função do cinema: entreter e divertir ou levantar questões polémicas? Na opinião de Miccichè, é no segundo filme de Petri, I GIORNI CONTATI, que se manifesta “a coerência entre as intenções narrativas e a realidade formal, a falta de distância entre o tema ideológico-moral da narrativa e a sua estrutura, entre a mensagem que o autor quer passar, entre o conteúdo (talvez progressista) e a forma (estandardizada, ou seja, conservadora). É em torno desta distância que, durante, antes e depois dos anos 60, se estabeleceu de facto a diferença (e a polémica) entre o velho e o novo cinema”. Pelo seu lado, Petri declarou numa entrevista-balanço que “sempre quis estabelecer uma relação popular entre o filme e as pessoas”. Nos anos 60, seguiu uma carreira regular, com filmes variados, interpretados por vedetas como Marcello Mastroianni, Ursula Andress ou Alberto Sordi, mas foi em 1970 que atingiu a verdadeira consagração internacional com INQUÉRITO A UM CIDADÃO ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA, com a sua estrutura não linear e a presença marcante de Gian Maria Volonté que este filme transformaria na maior vedeta do cinema industrial “de esquerda” dos anos 70. Este filme, feito contra a polícia, como especificou o realizador, foi o primeiro da chamada “trilogia política” de Petri, completado por A CLASSE OPERÁRIA VAI PARA O PARAÍSO e LA PROPRIETÀ NON È PIÙ UN FURTO. Petri nunca renunciou às suas ambições artísticas e nunca “cedeu”, como o provam TODO MODO (1976) e a sua adaptação televisiva de As Mãos Sujas, de Jean-Paul Sartre, mas desde a sua morte os seus filmes, à exceção do INQUÉRITO…, têm sido muito pouco vistos, inclusive nesta Cinemateca que em toda a sua longa existência só apresentou três deles (INQUÉRITO…, OS DIAS CONTADOS e A CLASSE OPERÁRIA VAI PARA O PARAÍSO). Num documentário de 2005 sobre o realizador, Bernardo Bertolucci declara que “uma grande nuvem de injustiça encobre Elio Petri”. Isto talvez se deva em parte ao facto que as questões que o seu trabalho levanta estarem um tanto esquecidas: as polémicas ideológicas e éticas dos anos 60 talvez sejam incompreensíveis para aqueles que nasceram trinta anos depois delas. Com este Ciclo – integral no que respeita às longas-metragens que assinou sozinho –, poderemos ver esta obra com clareza, longe do que pode haver de circunstancial.
 
 
05/04/2023, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com a Festa do Cinema Italiano: A Crítica Política Segundo Elio Petri

A Ciascuno il Suo
Crimes à Moda Antiga
de Elio Petri
Itália, 1967 - 93 min
 
06/04/2023, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com a Festa do Cinema Italiano: A Crítica Política Segundo Elio Petri

I Giorni Contati
Os Dias Contados
de Elio Petri
Itália, 1962 - 96 min
10/04/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com a Festa do Cinema Italiano: A Crítica Política Segundo Elio Petri

La Decima Vittima
A Décima Vítima
de Elio Petri
Itália, 1965 - 93 min
11/04/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com a Festa do Cinema Italiano: A Crítica Política Segundo Elio Petri

Il Maestro di Vigevano
de Elio Petri
Itália, 1963 - 109 min
11/04/2023, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo A Cinemateca com a Festa do Cinema Italiano: A Crítica Política Segundo Elio Petri

Un Tranquillo Posto di Campagna
Um Lugar Tranquilo na Província
de Elio Petri
Itália, 1968 - 107 min
05/04/2023, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com a Festa do Cinema Italiano: A Crítica Política Segundo Elio Petri
A Ciascuno il Suo
Crimes à Moda Antiga
de Elio Petri
com Gian Maria Volonté, Irene Papas, Gabriele Ferzetti
Itália, 1967 - 93 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Baseado num romance de Leonardo Sciascia e verdadeiro êxito de bilheteira em Itália à época, A CIASCUNO IL SUO (literalmente: a cada um o que é seu) marca o encontro de Petri com duas personalidades que serão a partir de então dois dos seus mais fiéis colaboradores: Gian Maria Volonté, que ainda não era uma vedeta, e o argumentista Ugo Pirro. Depois de terem recebido diversas ameaças, um médico e um farmacêutico sicilianos são abatidos durante uma caçada. Um habitante da região começa um inquérito pessoal e acaba por se apaixonar pela viúva do médico (magnífica Irene Papas). Giovanni Grazzini considera-o “um dos exemplos mais significativos de um cinema que analisa com consciência cívica o fenómeno da Máfia e dá, ao mesmo tempo, grande relevo dramático à representação dos personagens e do ambiente”. Primeira apresentação na Cinemateca.

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06/04/2023, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com a Festa do Cinema Italiano: A Crítica Política Segundo Elio Petri
I Giorni Contati
Os Dias Contados
de Elio Petri
com Salvo Randone, Franco Sportelli, Regina Bianchi
Itália, 1962 - 96 min
legendado em português | M/12
Alguns críticos são da opinião que foi com esta sua segunda longa-metragem que Elio Petri manifestou plenamente os seus dons de cineasta e há quem o considere como uma das obras-primas do jovem cinema italiano dos anos 60. A trama narrativa é mais abertamente “simbólica” do que a de L’ASSASSINO: um canalizador, quinquagenário e viúvo, presencia a morte de um homem da sua idade num elétrico. O homem adquire subitamente consciência da sua própria mortalidade e passa a trabalhar com maior intensidade e a gozar a vida de todas as maneiras possíveis. Petri declarou à época que o filme “é um protesto contra a obsessão da vida moderna: todos correm e têm pressa de chegar, mas a que coisa? A uma triste velhice cheia de lamentos por aquilo que foi sacrificado e perdido”.

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10/04/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com a Festa do Cinema Italiano: A Crítica Política Segundo Elio Petri
La Decima Vittima
A Décima Vítima
de Elio Petri
com Marcello Mastroianni, Ursula Andress, Elsa Martinelli
Itália, 1965 - 93 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Primeiro filme de ficção de Petri a ter sido filmado a cores, baseado num conto de ficção científica do americano Robert Sheckley, publicado em 1953, LA DECIMA VITTIMA é uma parábola política, situada num futuro indefinido. As guerras entre nações foram abolidas e substituídas pelas caçadas ao ser humano no meio de espetaculares paisagens. Para os caçadores, totalizar dez vítimas é um ponto de honra. Os dois protagonistas, um homem e uma mulher, já liquidaram nove vítimas e passam a caçar-se um ao outro. Petri teve muitos conflitos durante a rodagem com o produtor Carlo Ponti, que interveio contra a vontade do realizador em diversas ocasiões, mas na opinião da maioria dos críticos conseguiu controlar o essencial. Por outro lado, o filme é altamente representativo da estética dos anos 60 no que se refere ao vestuário feminino e alguns adereços. Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.

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11/04/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com a Festa do Cinema Italiano: A Crítica Política Segundo Elio Petri
Il Maestro di Vigevano
de Elio Petri
com Alberto Sordi, Claire Bloom, Vito De Taranto
Itália, 1963 - 109 min
legendado em frabcês e eletronicamente em português | M/12
Ao transcrever para o cinema um romance de Lucio Mastronardi, Petri procura, mais uma vez, um conto exemplar, uma história que não se esgote em si mesma e tenha algum valor simbólico ou moral, que faça refletir o espectador. Trata-se do percurso de um professor de uma escola primária de província (Alberto Sordi, que mostra que é capaz de não ser histriónico), que gosta do seu ofício, mas não se satisfaz com o seu magro salário. Decide então afastar-se do ensino e abrir uma pequena fábrica de sapatos. O negócio é bem sucedido no começo, mas o homem acaba por revelar não ser bom comerciante e o desastre ameaça. Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.

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11/04/2023, 19h30 | Sala Luís de Pina
A Cinemateca com a Festa do Cinema Italiano: A Crítica Política Segundo Elio Petri
Un Tranquillo Posto di Campagna
Um Lugar Tranquilo na Província
de Elio Petri
com Francesco Nero, Vanessa Redgrave, Georges Geret
Itália, 1968 - 107 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Um dos filmes mais ambiciosos de Petri, que Lino Miccichè considera “uma tentativa extrema do realizador de superar a contradição arte/indústria na prática cinematográfica, fazendo-a por assim dizer o próprio tema da história narrada”. Esta é a história de um pintor pop que decide retirar-se no campo. A casa onde vive, que fora habitada por uma ninfomaníaca executada durante a guerra estimula a imaginação doentia do homem, que acabará por ser internado numa clínica de luxo. Ali recomeçará a pintar miniaturas, que a sua ex-noiva venderá por bom preço. A crítica à posição do artista no mundo contemporâneo é transparente e o domínio do realizador sobre o filme é total.

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