CICLO
American Way of Life: Vidas em Crise


Muitos destes filmes já foram “mainstream”: ou seja, numa época de tremenda crise no país que era o líder do “mundo livre”, a braços com uma guerra traumatizante do outro lado do mundo (o Vietname) e um presidente que, na Casa Branca, recorria à ilegalidade para estender o seu controlo e poder sobre todas as instituições à sua volta (“when the president does it, that means that it is not illegal”, defender-se-ia assim, Richard Nixon, do “impeachment” que caiu sobre ele antes de se demitir), o cinema norte-americano da década de setenta refletia, no ecrã, todas as ansiedades e inseguranças que viviam na respiração do país e no ambiente de paranoia que contaminava as suas relações sociais e amorosas, uma mistura explosiva que, nas salas de cinema, colocava em causa o lugar dos espectadores dentro de um mundo que era vendido, fora delas, como estável, tolerante e livre.
São filmes de risco, portanto, aqueles que foram saindo da indústria norte-americana nestes anos, muito graças a uma nova geração (descrita como Nova Hollywood) que substituia uma outra envelhecida que já tinha levantado o seu dedo sobre o pulso deste mundo. Dizemos “deste” mundo porque aquele em que vivemos, ainda sobre enorme influência política e cultural norte-americana, em tudo nos lembra aquele que existia há mais de 40 anos, com uma ansiedade talvez reforçada devido ao nosso constante consumo e recurso a plataformas de informação e de imagens que resultam, essencialmente, em lugares de conflito e de saturação, mais do que debate e tolerância. O cinema norte-americano, por outro lado, num momento em que continua a ser a força dominante do circuito mundial de distribuição, já não reflete a mesma independência nos seus trabalhos, preferindo obras que tentam agradar ao espectador (ou a todos os espectadores) em vez de questioná-lo ou beber das suas inseguranças e violência para espelhar aquilo que somos, aquilo que fazemos, e de quem nos rodeamos. Obras íntimas e políticas (sem medo de juntar esses dois mundos e refletir, nas suas personagens, os defeitos e as incorrigíveis decisões que todos repetimos) parecem ter desaparecido de um cinema que procura, agora, ser unânime no seu âmbito, transferindo a sua dose de risco para caracterizações estéreis ou uma experimentação visual e técnica que, até agora, mais nos fala sobre os artifícios das suas formas do que dos artifícios que criámos, nas nossas vidas, para vivermos com os outros, com aquilo que somos, ou com aquilo que rejeitamos querer saber sobre nós.
Estes 22 filmes (oito deles são primeiras exibições na Cinemateca) são, por isso, reflexos de vidas adultas que, espelhadas no cinema, mexiam com aquilo que tomávamos por verdadeiro na vida que vivíamos fora das salas. Dentro delas, os espectadores enchiam as suas cadeiras e viam imagens que os colocavam em causa, rejeitando fórmulas de espanto e de conforto para se focarem no cerne das nossas relações sociais, políticas ou sexuais: os nossos desejos, a nossa corrupção, a nossa inocência, a nossa violência. O Ciclo “American Way of Life: Vidas em Crise” é, por isso, uma seleção de filmes e de personagens (e de atores sem medo) que vivem, como nós, em permanente crise, sem saber para onde se virarem num mundo que lhes pede para seguirem continuamente em frente (um pouco como o mundo nos pede, hoje, para seguirmos continuamente o “feed” de uma rede social e obedecer à sua construção). Estes filmes, vários deles irrepetíveis na indústria de hoje (demasiado chocantes, demasiado bizarros, demasiado reais para as consciências limpas que julgamos ser), são, por isso, mais do que um Ciclo sobre uma época: são uma resposta à ausência que o cinema “mainstream” nos apresenta nas suas salas, hoje, já mais vazias, e que preenche esse espaço, por isso, com olhares que não resolvem as nossas crises mas que trabalham sobre elas e que as tornam na matéria primordial do cinema. Filmes que vibram, assim, pela expressão máxima das nossas vidas no ecrã que melhor refletia o mundo em que (ainda) vivemos. 
 
 
19/02/2018, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo American Way of Life: Vidas em Crise

Serpico
de Sidney Lumet
Estados Unidos, 1973 - 130 min
 
19/02/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo American Way of Life: Vidas em Crise

Inserts
de John Byrum
Estados Unidos, 1975 - 117 min
20/02/2018, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo American Way of Life: Vidas em Crise

Alice Doesn’t Live Here Anymore
Alice Já Não Mora Aqui
de Martin Scorsese
Estados Unidos, 1975 - 110 min
20/02/2018, 18h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo American Way of Life: Vidas em Crise

The Candidate
O Candidato
de Michael Ritchie
Estados Unidos, 1972 - 110 min
20/02/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo American Way of Life: Vidas em Crise

Three Days of the Condor
de Sidney Pollack
Estados Unidos, 1975 - 117 min
19/02/2018, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
American Way of Life: Vidas em Crise
Serpico
de Sidney Lumet
com Al Pacino, John Randolph, Jack Kehoe, Biff McGuire, Barbara Eda-Young, Cornelia Sharpe, Tony Roberts
Estados Unidos, 1973 - 130 min
legendado eletronicamente em português | M/16
Um dos melhores filmes do cinema americano da década de setenta e uma das interpretações mais emblemáticas da carreira de Al Pacino. SERPICO traz o conhecido caso do polícia Frank Serpico, responsável por ter denunciado uma enorme rede de corrupção na polícia nova-iorquina que a tornava cúmplice, e facilitadora, dos pequenos e grandes crimes que minavam diariamente uma cidade territorial e violenta. Sidney Lumet empresta o seu olhar shakesperiano e íntimo ao argumento de Waldo Salt e Norman Wexler, fazendo caber o mundo inteiro — o do poder e das relações humanas — dentro de uma das melhores obras da sua carreira. Primeira exibição na Cinemateca. A apresentar em cópia digital
 
19/02/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
American Way of Life: Vidas em Crise
Inserts
de John Byrum
com Richard Dreyfuss, Jessica Harper, Bob Hoskins, Veronica Cartwright, Stephen Davies
Estados Unidos, 1975 - 117 min
legendado eletronicamente em português | M/18
Devido a um atraso na chegada da cópia de ET DIEU CRÉA LA FEMME a Lisboa, fomos forçados a proceder à sua substituição por INSERTS de John Bryum
No mesmo ano de JAWS de Steven Spielberg, Richard Dreyfuss interpretava, em INSERTS, o papel de um antigo realizador-estrela do cinema mudo agora remetido, na década de trinta, para o cinema pornográfico. INSERTS, inteiramente filmado no cenário de uma casa durante a rodagem de um dos seus filmes, foi distribuído pela United Artists com a classificação “X”, antes de ser reclassificado NC-17 (ou “maiores de 18”). Um filme irreproduzível, hoje, e que poderia também falar sobre a reencontrada liberdade artística, durante a década de setenta, mais tarde perdida no cinema norte-americano.
 
20/02/2018, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
American Way of Life: Vidas em Crise
Alice Doesn’t Live Here Anymore
Alice Já Não Mora Aqui
de Martin Scorsese
com Ellen Burstyn, Kris Kristofferson, Harvey Keitel, Jodie Foster
Estados Unidos, 1975 - 110 min
legendado eletronicamente em português | M/12
A quarta longa-metragem de Martin Scorsese (depois de MEAN STREETS) encerra o que pode ser considerado o “primeiro período” do seu trabalho. ALICE DOESN’T LIVE HERE ANYMORE, um dos melhores exemplos da Nova Hollywood e uma bonita crónica sobre as personagens frustradas do “sonho americano”, é a história de uma mulher que, ao enviuvar do marido, resolve retomar a sua antiga carreira de cantora enquanto luta contra as dificuldades em sustentar-se a si e ao seu filho. Um filme centrado em Ellen Burstyn (que recebeu o Óscar de Melhor Atriz por este filme) e inspirado na liberdade e improvisação de John Cassavetes, um dos mentores de Scorsese.
 
20/02/2018, 18h30 | Sala Luís de Pina
American Way of Life: Vidas em Crise
The Candidate
O Candidato
de Michael Ritchie
com Robert Redford, Peter Boyle, Melvyn Douglas, Don Porter, Allen Garfield, Karen Carlson
Estados Unidos, 1972 - 110 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Escrito por um assessor de Eugene McCarthy, candidato às eleições primárias do Partido Democrata em 1968 (um certo Bernie Sanders “avant la lettre”), THE CANDIDATE é um olhar pungente sobre a política e as eleições nos EUA através da história fictícia da eleição de Bill McKay (Robert Redford), um candidato jovem, belo, e ativista ambiental que vende os seus princípios e palavras para almejar um lugar no Senado norte-americano, perdendo, aos poucos, as razões para ter entrado nessa corrida. What do we do now?”, perguntava Redford ao falar por uma geração que chegava agora ao poder. Primeira exibição na Cinemateca.
 
20/02/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
American Way of Life: Vidas em Crise
Three Days of the Condor
de Sidney Pollack
com Robert Redford, Faye Dunaway, Cliff Robertson, Max von Sydow
Estados Unidos, 1975 - 117 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Uma das muitas colaborações entre Sidney Pollack e Robert Redford, THREE DAYS OF THE CONDOR é um filme representativo da paranoia da sociedade norte-americana, da sua política, e da sua vida íntima na Guerra Fria e ressaca da guerra do Vietname. Redford, funcionário e pesquisador da CIA, ausenta-se por momentos do seu escritório e encontra, pouco depois, todos os seus colegas assassinados. Inicia-se então uma perseguição à sua vida e uma investigação, de sua parte, sobre os motivos e a origem dessa conspiração, revelando o lado negro da política e dos interesses do seu país. Um dos “thrillers” políticos mais emblemáticos do cinema norte-americano, onde se destaca também a presença de Faye Dunaway. A apresentar em cópia digital.