CICLO
José Fonseca e Costa


O ano de 2012 já tinha trazido o desaparecimento de duas figuras centrais do cinema português: Fernando Lopes e Paulo Rocha, dois realizadores que marcaram o nascimento do Cinema Novo português e o seu posterior desenvolvimento em carreiras ricas ao longo de várias décadas. Seria ainda o ano de 2015 a trazer, também, o desaparecimento de outro autor central da nossa cinematografia, também companheiro dessa mesma geração (desde as tertúlias, nas Avenidas Novas, sobre os filmes que se descobriam das diversas novas vagas europeias, até aos inícios na realização de filmes): José Fonseca e Costa. Depois da estreia do seu último filme AXILAS em maio deste ano, a Cinemateca apresenta, assim, uma retrospetiva integral do seu trabalho (e um catálogo), tanto da obra realizada em cinema como séries de televisão e trabalhos promocionais realizados ao longo das últimas cinco décadas, ficando apenas de fora participações como ator ou em publicidade.
O realizador português, nascido no Huambo, em Angola, em 1933, lançou-se no cinema com O RECADO, história de ficção centrada nos modos burgueses de uma certa juventude militante que se opunha ao regime do Estado Novo e que se perdia, sem rasto, na tortura e nos segredos da ditadura. A ele, seguiu-se OS DEMÓNIOS DE ALCÁCER-KIBIR, fábula musical e ambulante criada a partir da História de Portugal e, sobretudo, um belo exemplo de filme militante realizado, neste caso, contra a colonização portuguesa. Também à semelhança da geração do Cinema Novo, o trabalho de José Fonseca e Costa dividir-se-ia entre filmes institucionais ou publicitários a par dos seus trabalhos de ficção. Mas se o realizador partilhava um espaço de produção, com essa mesma geração, na criação de um novo cinema português, inspirados pelas novas vagas do cinema europeu (Fonseca e Costa como herdeiro, em Portugal, do cinema de Antonioni), a partir de KILAS, estreado em 1980, o realizador começa a construir uma obra com o objetivo explícito de criar uma comunicação direta, e ampla, com o público português. Por outras palavras, a concretização de um plano tantas vezes falhado ou por cumprir, no nosso país, que refletisse a defesa do valor industrial e popular do seu cinema. José Fonseca e Costa terá sido, por isso, o realizador português, nos últimos 50 anos, que mais declaradamente terá trabalhado para produzir um “cinema popular”, tendo inclusivamente criado, na década de oitenta (com a sequência KILAS, SEM SOMBRA DE PECADO, BALADA DA PRAIA DOS CÃES e A MULHER DO PRÓXIMO), um relação invejável entre a regularidade do seu trabalho, dentro de uma indústria que ele próprio tentou impulsionar (pela colaboração constante com figuras relevantes do nosso meio cultural), e uma adesão constante dos circuitos de distribuição comercial (por vezes mesmo de culto, como no caso de KILAS, filme com que abrimos o Ciclo).
José Fonseca e Costa nunca deixou de ser, no entanto, e mesmo nos seus filmes de maior sucesso, um autor dotado de um universo pessoal. Visto hoje, não deixa de ser curioso assistir à sua ligação ao cinema de Antonioni, nos seus inícios, e a transição para esse “cinema do meio”, à imagem do que Truffaut fazia em França e outros realizadores replicavam na Europa: a defesa de um cinema da indústria, para um grande público, através de uma linguagem pessoal. Talvez valorizemos ainda mais, por isso, a descobertas dessas características: a constante presença de figuras femininas poderosas, tanto sublimes e misteriosas, mais capazes e dignas do que qualquer outra personagem masculina do seu cinema, a crítica inteligente aos modos de vida hipócritas, mas verdadeiros, da alta-burguesia portuguesa, e a presença, tanto explícita como subliminar, dos silêncios de uma sociedade comprometida com a mentira da ditadura e a podridão dos seus costumes. Nesse sentido, Fonseca e Costa foi um exemplo raro de um cineasta que conseguiu criar uma forte adesão popular, no reconhecimento da capacidade de entretenimento no momento de contar uma história, e de um interesse permanente sobre o “estado de coisas” português e o que a nossa História nos ensinava. Filmes populares e políticos, filmes onde se falava para um grande público, onde não faltaram adaptações literárias ou a participação de figuras celebradas da nossa cultura, sem perder as características de um universo pessoal. Esta é, também, uma retrospetiva que revela as facetas e os interesses multifacetados do autor: entre o cinema, a televisão ou as encomendas institucionais, poucos são os momentos onde não se revelam as entrelinhas do seu fascínio e da crítica ao mundo em que vivemos.
 
16/12/2016, 18h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo José Fonseca e Costa

A Metafísica dos Chocolates | Voar | Philirama – As Indústrias Philips em Portugal
duração total da projeção: 55 min | M/12
 
17/12/2016, 18h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo José Fonseca e Costa

A Cidade | Golf in the Algarve | Mónica ou Um Diário Algarvio | The Pearl of the Atlantic – Madeira | The Columbus Route
duração total da projeção: 107 min | M/12
17/12/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo José Fonseca e Costa

Balada da Praia dos Cães
de José Fonseca e Costa
Portugal, Espanha, 1986 - 90 min | M/12
19/12/2016, 18h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo José Fonseca e Costa

Auto-Retrato, Ivone Silva: “A Faz Tudo” | Não me Escapas, Menino… | Dona Tartufa | O Extraterrestre
duração total da projeção: 93 min | M/12
19/12/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo José Fonseca e Costa

A Mulher do Próximo
de José Fonseca e Costa
Portugal, 1988 - 83 min | M/12
16/12/2016, 18h30 | Sala Luís de Pina
José Fonseca e Costa
A Metafísica dos Chocolates | Voar | Philirama – As Indústrias Philips em Portugal
duração total da projeção: 55 min | M/12
A METAFÍSICA DOS CHOCOLATES
Portugal, 1967 – 18 min
VOAR
Portugal, 1970 – 20 min
PHILIRAMA – AS INDÚSTRIAS PHILIPS EM PORTUGAL
Portugal, 1981 – 17 min
de José Fonseca e Costa

Esta é uma das duas sessões de curtas-metragens realizadas por José Fonseca e Costa, em paralelo aos seus trabalhos de ficção, e que, à semelhança dos restantes cineastas da geração do Cinema Novo, resultavam de encomendas para filmes de ordem institucional ou promocional. Estes três filmes do realizador juntam-se pela sua vertente industrial: A METAFÍSICA DOS CHOCOLATES é um encontro entre o trabalho da fábrica de chocolates Regina e a poesia de Fernando Pessoa; VOAR é um retrato do funcionamento quotidiano da TAP; PHILIRAMA – AS INDÚSTRIAS PHILIPS EM PORTUGAL concentra-se, tal como o título indica, na presença da conhecida marca de equipamentos técnicos no nosso país. Os últimos dois títulos são primeiras exibições na Cinemateca.
17/12/2016, 18h30 | Sala Luís de Pina
José Fonseca e Costa
A Cidade | Golf in the Algarve | Mónica ou Um Diário Algarvio | The Pearl of the Atlantic – Madeira | The Columbus Route
duração total da projeção: 107 min | M/12
A CIDADE
Portugal, 1968 – 20 min
GOLF IN THE ALGARVE
Portugal, 1972 – 20 min
MÓNICA OU UM DIÁRIO ALGARVIO
Portugal, 1972 – 15 min
THE PEARL OF THE ATLANTIC – MADEIRA
Portugal, 1968 – 29 min
THE COLUMBUS ROUTE
Portugal, 1969 – 23 min
de José Fonseca e Costa

A segunda sessão de curtas-metragens de José Fonseca e Costa reúne os seus filmes promocionais de objeto turístico e paisagístico. A CIDADE é um retrato de Évora conduzido pela música de Carlos Paredes. GOLF IN ALGARVE e MÓNICA OU UM DIÁRIO ALGARVIO centram-se na região algarvia (este último com argumento de António Quadros). THE PEARL OF THE ATLANTIC oferece, nos mesmos moldes, uma perspetiva sobre a ilha da Madeira ao público estrangeiro. THE COLUMBUS ROUTE é um retrato de Cristóvão Colombo através da evocação da sua primeira viagem. GOLF IN ALGARVE e THE PEARL OF THE ATLANTIC são primeiras exibições na Cinemateca. 
17/12/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
José Fonseca e Costa
Balada da Praia dos Cães
de José Fonseca e Costa
com Raul Solnado, Assumpta Serna, Patrick Bauchau, Sergi Matteu, Carmen Dolores, Henrique Viana
Portugal, Espanha, 1986 - 90 min | M/12
Depois do filme militante (OS DEMÓNIOS DE ALCÁCER-KIBIR), o filme “pulp” (KILAS), e o filme histórico (SEM SOMBRA DE PECADO), Fonseca e Costa mergulha, de novo, no ambiente opressivo da sociedade portuguesa (aqui, na década de sessenta) para, a partir da conhecida obra de José Cardoso Pires, oferecer um dos filmes policiais mais bem-sucedidos do cinema nacional. Raul Solnado, no papel de inspetor da PIDE, encarna um dos papéis mais emblemáticos da sua carreira, enquanto Assumpta Serna, no papel de uma fugitiva política, concentra o olhar fascinado da câmara de Fonseca e Costa e o tradicional fulgor das suas personagens femininas. Um filme de conspirações, desejos e silêncios numa sociedade, em ditadura, que convive com a mentira como quem respira.
19/12/2016, 18h30 | Sala Luís de Pina
José Fonseca e Costa
Auto-Retrato, Ivone Silva: “A Faz Tudo” | Não me Escapas, Menino… | Dona Tartufa | O Extraterrestre
duração total da projeção: 93 min | M/12
AUTO-RETRATO, IVONE SILVA: “A FAZ TUDO”
Portugal, 1978 – 31 min
NÃO ME ESCAPAS, MENINO…
Portugal, 1978 – 23 min
DONA TARTUFA
Portugal, 1978 – 17 min
O EXTRATERRESTRE
Portugal, 1978 – 22 min
de José Fonseca e Costa

José Fonseca e Costa presta homenagem à atriz Ivone Silva com a produção de vários episódios de uma série evocativa do teatro de revista portuguesa, onde muitos dos seus papéis acabam por ser interpretados pela própria atriz. Aqui: parteira, senhoria, crente em óvnis, entre outras figuras reais e satíricas. Originalmente pensada como uma série de doze episódios transmitidos pela Rádio Televisão Portuguesa, IVONE SILVA, A FAZ TUDO acabaria por ser interrompida depois do sétimo da série. Os últimos três episódios são exibidos numa segunda sessão. Primeiras exibições na Cinemateca.
19/12/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
José Fonseca e Costa
A Mulher do Próximo
de José Fonseca e Costa
com Carmen Dolores, Virgílio Teixeira, Mário Viegas, Fernanda Torres, Vítor Norte
Portugal, 1988 - 83 min | M/12
Talvez seja A MULHER DO PRÓXIMO o filme que melhor reúne os ingredientes do cinema de Fonseca e Costa: um olhar acutilante sobre a burguesia portuguesa, o respeito pela memória do cinema popular (através da presença de Carmen Dolores e Virgílio Teixeira, figuras clássicas do cinema português), a colaboração de figuras relevantes da cultura portuguesa (Miguel Esteves Cardoso como coargumentista), um elenco internacional (a brasileira Fernanda Torres), personagens femininas fortes perante uma fraqueza masculina, e a participação “sui generis” de Mário Viegas, na figura de burguês ocioso, numa família dividida por amores antigos e paixões secretas.