CICLO
História(s) do Cinema Argentino


Depois de visitar a Argentina em 1962, o historiador do cinema Georges Sadoul escreveu que “as promessas e as esperanças são muitas num país onde o amor pelo cinema é grande”. Mas pelo facto de a Argentina ser um país essencialmente branco e, por conseguinte, pouco “exótico” aos olhos de um europeu ou de um americano, a sua rica cinematografia permanece ainda hoje pouco conhecida internacionalmente, apesar das exceções que constituíram os filmes de Leopoldo Torre-Nilsson na passagem dos anos cinquenta para os sessenta, o mítico filme militante LA HORA DE LOS HORNOS (Fernando Solanas e Octavio Getino, 1968) e o eco de alguns títulos posteriores ao termo do sanguinário regime militar (1976-83). Até finais da década de sessenta, Buenos Aires era uma das cidades mais cinéfilas do mundo, com mais salas de cinema do que a maioria das capitais europeias, onde, além da produção local, era apresentada grande parte da produção americana e europeia. Nos anos trinta e quarenta, houve uma produção de tipo industrial, de excelente nível técnico, com filmes baseados no modelo americano, que incluíram diversas adaptações de clássicos da literatura europeia (Balzac, Oscar Wilde, Tolstoi, Zweig) e da literatura americana contemporânea (William Irish), muitas vezes com “mulheres de vestido comprido e homens de fraque”, além de comédias e adaptações da literatura local, nomeadamente filmes com gaúchos. Depois da queda do regime de Perón em 1955, floresceram os filmes de autor, com uma linguagem mais moderna, seguidos por uma nova vaga, na primeira metade dos anos sessenta e por obras de cunho não narrativo. Este Ciclo, programado por Edgardo Cozarinsky a partir de textos póstumos do crítico Alberto Tabbia, propõe “uma outra história do cinema argentino”, o que pode parecer paradoxal num contexto em que a história “oficial” desta cinematografia é pouco conhecida. Mas os oito filmes selecionados, realizados entre 1935 e 1976, abrangem todos os grandes períodos acima referidos, oferecendo, por conseguinte, uma visão panorâmica desta importante cinematografia, apesar da ausência de alguns clássicos consagrados ou contestados. Como explica Edgardo Cozarinsky, “o folclore está ausente desta escolha, assim como a todo-poderosa política. Qualquer tentativa de História de uma arte supõe menos um recorte do que um enfoque particular. A presente seleção quer lançar uma luz oblíqua sobre obras pouco conhecidas fora da Argentina. Filmes talvez marginais, mas nos quais passa a atmosfera de uma época ou os segredos de um temperamento individual”. Filmes que por certo surpreenderão aqueles que os venham a descobrir. Todos os filmes, em cópias novas 35 mm, são apresentados pela primeira vez na Cinemateca. Edgardo Cozarinsky, em Lisboa como “realizador convidado” da Cinemateca este mês (ver entrada respetiva), acompanha os dias iniciais do programa.
 
 
19/07/2016, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo História(s) do Cinema Argentino

Historia de una Noche
de Luis Saslavsky
Argentina, 1941 - 85 min
 
20/07/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo História(s) do Cinema Argentino

El Secuestrador
de Leopoldo Torre-Nilsson
Argentina, 1958 - 75 min
21/07/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo História(s) do Cinema Argentino

Players vs. Ángeles Caidos
de Alberto Fischerman
Argentina, 1968 - 84 min
22/07/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo História(s) do Cinema Argentino

Escala en La Ciudad
de Alberto Zavalía
Argentina, 1935 - 70 min
25/07/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo História(s) do Cinema Argentino

Soñar, Soñar
de Leonardo Favio
Argentina, 1976 - 85 min
19/07/2016, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
História(s) do Cinema Argentino

Em colaboração com c Festival Il Cinema Ritrovato (Bolonha)
Historia de una Noche
de Luis Saslavsky
com Sabrina Olmos, Santiago Arrieta, Sebastián Chiola
Argentina, 1941 - 85 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Luis Saslavsky (1903-95) foi um dos realizadores argentinos de maior prestígio da sua geração e os seus primeiros filmes deram-lhe o estatuto de um cineasta culto e de bom gosto, mestre de uma narração fluida (Borges publicou um artigo elogioso sobre LA FUGA, de 1937). O ponto de partida de HISTORIA DE UNA NOCHE foi a peça Morgen ist Feiertag, estreada em Viena, em 1935, de Leo Perutz, escritor admirado por Adorno e Musil, que ficou esquecido por muito tempo, antes da redescoberta recente da sua obra. Edgardo Cozarinsky considera que “Saslasvky foi sem dúvida atraído pela personagem de um homem cínico, com um passado duvidoso, que volta a uma cidade de província, depois de uma longa ausência. O filme é uma subtil mistura de comédia sentimental e observação de costumes, com toques de humor e um ligeiro perfume de romantismo cético”. Saslavsky faria uma nova versão de HISTORIA DE UNA NOCHE em Espanha, em 1963, com Jorge Mistral, o Heathcliff de Luis Buñuel em CUMBRES BORRASCOSAS.
 
20/07/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
História(s) do Cinema Argentino

Em colaboração com c Festival Il Cinema Ritrovato (Bolonha)
El Secuestrador
de Leopoldo Torre-Nilsson
com Leonardo Favio, Maria Vaner, Lautaro Murúa
Argentina, 1958 - 75 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Ainda hoje, Leopoldo Torre-Nilsson (1924-78) é o nome mais conhecido do cinema argentino no estrangeiro. Em 1957, com o sucesso de crítica internacional de LA CASA DEL ÁNGEL, começaria a fase mais conhecida da sua carreira. EL SECUESTRADOR, no entanto, tem diferenças importantes com os seus filmes deste período, por não se situar nos meios da alta burguesia e sim num bairro de lata, o que influencia o estilo visual da obra. O filme é baseado num conto de Beatriz Guido, em que uma criança pensa que o filho do dono da funerária que organizou o enterro do seu irmão é responsável pela morte deste. “Com uma grande liberdade que só voltaria a encontrar esporadicamente, Torre-Nilsson não lançou um olhar realista sobre os marginais dos bairros de lata dos subúrbios de Buenos Aires. Violentamente criticado à época pelos seus excessos, EL SECUESTRADOR é um momento único na obra dos seus autores. Dialoga como nenhum outro filme da sua época com o cinema independente dos anos dois mil” (Edgardo Cozarinsky).
21/07/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
História(s) do Cinema Argentino

Em colaboração com c Festival Il Cinema Ritrovato (Bolonha)
Players vs. Ángeles Caidos
de Alberto Fischerman
com Luis Barón, Leonor Galindo, Gioia Fiorentas
Argentina, 1968 - 84 min
legendado eletronicamente em português | M/12
A segunda metade dos anos sessenta, quando ainda havia prosperidade económica e a situação política era tolerável, foi um período de grande efervescência e criatividade artística em Buenos Aires, sobretudo nas artes plásticas, no teatro e no cinema. Mas, observa Edgardo Cozarinsky, mesmo levando em conta este contexto, o primeiro filme de Fischerman (1937-95), realizador que também é conhecido pelo belo LOS DIAS DE JUNIO (1985), “trouxe uma nota discordante: improvisações, bocados de comédia musical pobre, ecos literários… O filme parecia próximo das ruturas europeias da época, algures entre Skolimowski e Carmelo Bene, que o cineasta não conhecia”. O ponto de partida é A Tempestade, de Shakespeare, transposta para um estúdio de cinema abandonado, “onde os ‘bons’ brincam como crianças, enquanto os ‘maus’ esperam o momento de reconquistar o território”. O crítico Alberto Tabbia considera PLAYERS VS. ÁNGELES CAIDOS como “o filme mais livre, inovador e insolente de todo o cinema argentino”.
 
22/07/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
História(s) do Cinema Argentino

Em colaboração com c Festival Il Cinema Ritrovato (Bolonha)
Escala en La Ciudad
de Alberto Zavalía
com Eduardo Berri, Matilde Bhor, Héctor Cataruzza
Argentina, 1935 - 70 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Nos primeiros anos do cinema sonoro, a produção argentina concentrou-se em filmes à volta de tangos e em comédias populares. Em ESCALA EN LA CIUDAD, Alberto Zavalía (1911-88) foi um dos primeiros a procurar um tom diferente. Edgardo Cozarinsky considera o filme “audacioso, na sua atmosfera de cinefilia cosmopolita. Pairam sobre ele as sombras de DOCKS OF NEW YORK, de Sternberg, e de HER MAN, de Tay Garnett, que suscitam uma certa poesia dos portos, com um marinheiro sentimental que vem em busca de uma prostituta de que não se esqueceu”. A fotografia é de John Alton, nascido no império austro-húngaro e que fotografou dezoito filmes argentinos entre 1933 e 1939, antes de partir para Hollywood, onde faria uma grande carreira, sendo responsável pela fotografia, entre muitos outros, de dois dos mais celebrados filmes de Vincente Minnelli, FATHER OF THE BRIDE e TEA AND SYMPATHY.
25/07/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
História(s) do Cinema Argentino

Em colaboração com c Festival Il Cinema Ritrovato (Bolonha)
Soñar, Soñar
de Leonardo Favio
com Gian Franco Pagliaro, Carlos Monzón, Nora Cullen
Argentina, 1976 - 85 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Leonardo Favio (1938-2012) começou como ator, nomeadamente em filmes de Torre-Nilsson, entre os quais EL SECUESTRADOR, incluído neste Ciclo. Nos anos sessenta, passou à realização com o belíssimo CRONICA DE UN NIÑO SOLO. Na primeira metade dos anos setenta, obteve enorme êxito de público com filmes em que se misturam elementos históricos e folclóricos. Em SOÑAR, SOÑAR, Favio teve a coragem de romper com estes elementos. O filme é um “road movie” sobre dois fracassados, um provinciano ingénuo (o campeão de boxe Carlos Monzón) e um pequeno escroque (o cantautor napolitano Gian Franco Pagliaro) que o arrasta para pequenas falcatruas. “É a história sorridente e triste de uma manipulação e de um amor que se desconhece e que só pode ser vivido num meio onde a ideia da homossexualidade é banida” (Cozarinsky). Distribuído quatro meses depois do sangrento golpe militar de 1976, o filme passou despercebido antes de se tornar, vinte anos depois, um objeto de culto.