CICLO
Jerry Lewis – A Ordem Desordenada


Foi um dos últimos, se não mesmo o último, “cómicos totais” do cinema americano, controlando o seus filmes ao mais ínfimo pormenor, e dominando, com a sua presença, o que se passava diante da câmara. Dele chegou Godard a dizer que era “melhor do que Chaplin e Keaton”; certo é que depois de Chaplin e Keaton só houve Jerry Lewis, como legítimo herdeiro dessa tradição da comédia cinematográfica americana, e como fiel representante de uma linhagem de “cómicos totais”, ou “total film-makers” – como Jerry Lewis, sem falsa modéstia, se chamou a si próprio num livro publicado em 1971 (The Total Film-maker) compilando as aulas de cinema que deu, nesse ano, numa universidade californiana.
Nascido Joseph Levitch em 1926, filho de judeus russos emigrados em Newark, Jerry familiarizou-se cedo com o mundo do espetáculo. Os pais eram artistas de “vaudeville” e desde miúdo os acompanhou em palco, criando os seus próprios números e desenhando os fundamentos da sua futura “persona”. Com vinte e poucos anos, no final dos anos quarenta, a parelha de “stand up comedy” que formou com Dean Martin – baseada no contraste de personalidades, a “loucura” de Jerry contra a “coolness” de Martin – abriu-lhe as portas da fama: do circuito dos bares e dos casinos passaram à rádio, à televisão e, inevitavelmente, ao cinema. Foi quando a parelha se desfez – em 1956, ao cabo de quase uma vintena de filmes – que Jerry começou a apurar os seus traços de autor “completo”, tendo encontrado um braço direito no realizador Frank Tashlin, e passando depois, a partir de 1960 e de THE BELLBOY, à realização em nome próprio, sem interromper, durante ainda alguns anos, a harmoniosa colaboração com Tashlin (tão harmoniosa que, como se escrevia na altura, era difícil perceber “onde acaba” Tashlin e “começa” Jerry Lewis). Um dos seus filmes mais célebres, THE NUTTY PROFESSOR, variação sobre Jekyll & Hyde, praticamente resume um dos aspectos essenciais da sua obra, um infinito trabalho sobre a sua figura, sobre o seu corpo, sobre a sua psicologia, sempre na fronteira com uma “monstruosidade” qualquer. É talvez a grande diferença entre Jerry e os clássicos, esta introdução de uma componente psicológica (psicanalítica, chamaram-lhe alguns) numa prática do humor que continua a ser essencialmente física e baseada na relação entre um corpo e um décor, os adereços e as outras personagens. Muitas vezes absurdo, outras quase surrealista, e sempre prodigiosamente inventivo – como, entre outros, THE LADIES MAN facilmente atesta, trata-se de um dos grandes cineastas do “cenário” e do artifício, como construção e como destruição (porque há amiúde uma violência latente, inclusive autoaniquilatória, não fosse a “persona” de Jerry o típico grão na engrenagem, um agente do caos, o elemento imprevisível que vem introduzir a desordem dentro da ordem e assim subvertê-la).
Nesta retrospetiva começaremos por ver, em junho, o seu período mais célebre, até ao fim dos anos sessenta, pondo lado a lado os filmes que dirigiu e os filmes em que foi dirigido por outros. Em julho veremos os filmes do período final, os mais incompreendidos, tão incompreendidos que depois de SMORGASBORD (em 1983) Jerry não voltou a realizar. Mas continuou, com frequência, a trabalhar como ator, coisa que ainda faz hoje, aos 89 anos – se a alguém faz sentido chamar uma “lenda viva”, é a ele. Deixemo-lo então tomar conta da loja.
 

 
30/06/2015, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Jerry Lewis – A Ordem Desordenada

ONE MORE TIME
O Morto Era Outro
de Jerry Lewis
Estados Unidos, 1970 - 92 min
 
30/06/2015, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Jerry Lewis – A Ordem Desordenada
ONE MORE TIME
O Morto Era Outro
de Jerry Lewis
com Sammy Davis Jr., Peter Lawford, Dudley Sutton, Maggie Wright
Estados Unidos, 1970 - 92 min
legendado eletronicamente em português | M/12
segunda passagem em julho

Sequela de SALT AND PEPPER, realizado dois anos antes por Richard Donner: Chris Pepper and Charlie Salt perdem o seu nightclub o que os leva a pedir ajuda ao aristocrático irmão gémeo de Pepper, que se recusa a fazê-lo e é encontrado morto pouco depois. Pepper assume a sua identidade, fica a saber do seu passado contrabandista e empenha-se, com Salt, em descobrir e fazer prender os criminosos que o assassinaram. ONE MORE TIME é um filme de Jerry Lewis sem Jerry Lewis (pelo menos na imagem). Peter Cushing e Christopher Lee surgem em pequenos papeis como Frankenstein e Dracula.