Quase meio século depois de ali ter sido premiado o seu filme inaugural (Os Verdes Anos, 1963, que no ano seguinte recebeu o prémio Vela d’Argento para a melhor primeira obra), e treze anos depois de A Raiz do Coração ali também ter sido premiado, Paulo Rocha (1935-2012) volta a ter foco especial no próximo festival de Locarno. Aí, no dia 14 de Agosto, em sessão especial fora de competição terá estreia mundial o seu último filme Se Eu Fosse Ladrão… Roubava, e, nos dias seguintes (na secção “Histoire(s) du cinéma”), serão exibidos Os Verdes Anos e Mudar de Vida, unindo os princípios e o final da obra de um grande autor europeu que protagonizou a renovação radical do cinema português na década de sessenta.
Se Eu Fosse Ladrão… Roubava, último filme realizado por Paulo Rocha, ainda inédito, foi concluído em 2011, incluindo montagem final e mistura, tendo desde então decorrido apenas operações técnicas relacionadas com a execução dos materiais finais de exibição. Já em 2012, data em que ficou encerrado o processo de produção, era vontade explícita do autor corresponder ao desafio de Locarno para ali fazer a ante-estreia – em articulação com a reexibição dos filmes iniciais -, não tendo isso sido concretizado pelas dificuldades entretanto surgidas no contexto do seu estado físico.
O guião do filme sofreu várias alterações ao longo do seu percurso, a maior parte delas devido a questões de financiamento, mas a obra foi fechada por Paulo Rocha, que dirigiu pessoalmente todas as operações de montagem. Seguindo uma estrutura original e complexa, Se Eu Fosse Ladrão… combina uma ficção inspirada por memórias de família (a história de infância e juventude de seu pai e da sua partida para o Brasil, na juventude), com imagens de quase todos os seus filmes anteriores. Acabando por ser claramente testamental, o filme não é contudo autobiográfico, extravasando a dimensão pessoal e memorialista para se transformar em algo com uma dimensão e um impacto muito mais amplos.
Tal como habitualmente na sua obra, o filme foi não só realizado como produzido por Paulo Rocha, através da última das suas empresas produtoras, Gafanha Filmes, e recebeu apoio financeiro do Instituto de Cinema e Audiovisual ICA, da Fundação Calouste Gulbenkian e da RTP. Também como habitualmente, Paulo Rocha rodeou-se de uma equipa de colaboradores próximos que, na sua maior parte, vinham dos filmes precedentes e que nessa qualidade tiveram participação muito relevante no seu trabalho: Regina Guimarães (responsável pelo guião da nova ficção e dos diálogos), Acácio de Almeida (direcção de fotografia), Edgar Feldman (montagem), Olivier Blanc e Nuno Carvalho (captação de som e mistura). Por outro lado, a obra é ainda um regresso aos actores maiores de toda a sua carreira, Isabel Ruth e Luís Miguel Cintra, ao lado dos quais surgem novas e habituais participações - Chandra Malatitsch (encarnando a figura do pai), Márcia Breia, Joana Bárcia, Carla Chambel, Raquel Dias, entre outros.
Nesta 66ª edição do Festival de Locarno, serão também exibidos Os Verdes Anos e Mudar de Vida, o primeiro em cópia de 35mm e o segundo numa nova versão digital restaurada, fundamentalmente realizada também ainda em vida do autor, por sua vontade e iniciativa.
Num contexto de revisitação do conjunto da sua obra e aproveitando as novas possibilidades facultadas pela tecnologia digital, Paulo Rocha promoveu o restauro dos dois filmes iniciais no standard 2K, numa iniciativa que, por sua vez, foi pensada como arranque de um trabalho maior a desenvolver para o conjunto da sua obra. Do plano global, apenas foi entretanto concluída a nova versão restaurada de Mudar de Vida, cuja direcção técnica foi confiada pelo autor ao realizador Pedro Costa (num conjunto de operações que incluíram ainda a participação de Nuno Carvalho como responsável pelo restauro de som).