AS ILHAS ENCANTADAS, com Amália Rodrigues, em nova cópia digital restaurada, selecionada pelo Festival Lumière, em Lyon
A Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema tem o gosto de anunciar que o novo restauro do filme AS ILHAS ENCANTADAS, realizado em 1965 por Carlos Villardebó e produzido por António da Cunha Telles, terá a sua estreia mundial no prestigiado festival Lumière, em Lyon, que decorrerá entre 14 e 22 de Outubro.
A Cinemateca acompanhará a sessão com encontros com distribuidores e imprensa, bem como organizará uma receção para convidados e profissionais.
Esta nova cópia será apresentada, em Portugal, no início de 2024.
A digitalização e o restauro do AS ILHAS ENCANTADAS decorreram no âmbito do projeto FILMar, desenvolvido pela Cinemateca Portuguesa com o apoio do programa EEAGrants 2020-2024, dedicado à preservação, digitalização e difusão do património fílmico relacionado com o mar. A sua apresentação na cidade onde o cinema foi inventado, é a oportunidade para lhe devolver um lugar de destaque na filmografia nacional, bem como na redescoberta das diferentes dimensões de atriz de Amália Rodrigues, e do contributo de um realizador para o mistério à volta da sua personalidade cinematográfica.
Sobre o filme
Este filme luminoso e onírico, estreou a 15 Março 1965, no Teatro Tivoli, e em Paris, no Cinema V.O., a 17 Junho 1966, e é a única longa-metragem de Carlos Villardebó, realizador luso-francês que em 1961 havia ganho a Palma de Ouro do Festival de Cannes com o filme LA PETITE CUILLÈRE.
Interpretado por Amália Rodrigues, num papel distinto do que lhe era reconhecido, e pelo ator francês Pierre Clémenti, então em início de percurso e mais tarde um símbolo da contracultura dos anos 60, o filme adapta AS ILHAS ENCANTADAS (1854, editado em 2000 em português pela Relógio d’Água), de Herman Melville. Na adaptação, colaboraram com o realizador o escritor José Cardoso Pires, a realizadora Jeanne Villardebó e o ensaísta Raymond Bellourd. Como curiosidade, num pequeno papel de um dos marinheiros, encontra-se Belarmino Fragoso, protagonista do filme homónimo de Fernando Lopes (1964).
Rodado no arquipélago da Madeira, e produzido por António da Cunha Telles, AS ILHAS ENCANTADAS é o relato, na terceira pessoa, de uma aventura marítima oitocentista, narrado pelo ator Pierre Vaneck que interpreta o papel de Manuel Abrantes, o imediato do navio explorador, o “Gazela”, nome dado ao navio Sagres, usado durante a rodagem. Durante a exploração de um arquipélago vulcânico pouco conhecido onde abundam tartarugas gigantes são descobertos dois náufragos: a jovem Hunila (Amália Rodrigues), e um marinheiro francês (Pierre Clémenti), cuja impossibilidade de comunicação, por falarem línguas distintas, sublinha a dimensão platónica desta relação. O seu salvamento significou, porém, a interrupção de uma história de amor improvável.
A fotografia do filme, assinada por Jean Rabier, acompanhado por Augusto Cabrita, na segunda equipa, sublinha a agressividade e solidão da ilha, em tudo contrastantes com a presença de Amália Rodrigues, que se afasta da sua persona pública e de cantora, para criar, quase sem palavras, uma personagem assente numa riqueza visual, gestual e física inéditas.
Foi essa nova Amália, surgida a partir das tensões a que o filme não escapou, que encontrou a objetiva de Augusto Cabrita, que acompanhou os bastidores da rodagem, revelando a excecionalidade deste filme. Em Julho 2023, o FILMar organizou uma exposição a partir das imagens de rodagem, assinadas por Augusto Cabrita, em coprodução com o festival Curtas de Vila do Conde. A exposição será apresentada em Lisboa, a partir de Fevereiro 2024.
Receção crítica ao filme
Apesar da crítica ter acolhido com alguma frieza o filme, Amália Rodrigues considerou sempre ser esta a sua melhor interpretação no cinema. Nesse ano receberia o prémio de melhor atriz, atribuído pelo Secretariado Nacional de Informação às suas interpretações em FADO CORRIDO (Augusto Fraga, 1964) e AS ILHAS ENCANTADAS. “Andava toda divertida, a pensar que ia sair dali uma grande fita. Estava cheia de fé no filme, e não me arrependo de o ter feito. Quanto a mim, é a minha melhor interpretação no cinema. Em Portugal, o filme sofreu por minha causa. Por uma espécie de má vontade contra mim. Como era um filme artístico, criticaram logo.”
O modernismo impresso por Villardebó haveria de contrastar com as ruturas que, então, definiam o novo cinema português, muito dele produzido por Cunha Telles. Luís de Pina, num texto da época, recuperado, depois, para uma folha da Cinemateca, escreveria: “o filme aponta firmemente o caminho que todos sonhamos: o encontro da ficção portuguesa com a aventura portuguesa, cuja ausência nos revela, afinal, o insuportável convencionalismo da nossa maneira de ser, essa atitude do espírito que nos tem levado quase sempre a criar a convenção da realidade, em nome dos mais diversos princípios, antes de criar a convenção da arte."
Na altura da estreia, em França, lia-se na revista Cahiers du Cinèma que o filme “revelava um cineasta onde o artesão rivalizava com o poeta”. O crítico Paul-Louis Martin sublinhava que “o sonho de Villardebó é triplo: é um sonho sobre Melville, depois sobre o mar, e por fim, sobre a ambiguidade da ilha. O seu filme fica resoluta e corajosamente de fora, surgindo de uma poesia diurna muito para lá daquele silêncio, um silêncio único que se constitui enquanto ponto de destaque na direção de um horizonte onde os diferentes elementos se fundem no cinzento absoluto da interrogação”.
A Cinemateca no Festival Lumière
Depois de O TÁXI Nº9297 (Reinaldo Ferreira, 1927), apresentado em 2018, AS ARMAS E O POVO (Colectivo de Trabalhadores da Actividade Cinematográfica, 1975) selecionado em 2019, e O MOVIMENTO DAS COISAS (Manuela Serra, 1985), mostrado em 2020, ano em que Portugal foi o país convidado do Mercado do Filme Clássico, esta nova seleção por um dos mais importantes festivais que celebram o trabalho de preservação, restauro e digitalização do cinema de património, reforça o contributo da Cinemateca Portuguesa na construção de uma memória coletiva da qual o cinema é parte integrante.
Organizado há 18 anos, o Festival Lumière celebra o cinema de autor e de património, bem como a memória do cinema. Este ano, a figura homenageada é Wim Wenders, realizador com um percurso que passa por Portugal, nos filmes O ESTADO DAS COISAS (1982), ATÉ AO FIM DO MUNDO (1991), onde Amália Rodrigues surge numa breve cena, e LISBON STORY (1994).
Sobre a digitalização
Digitalização e restauro supervisionados pela Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema no âmbito do projeto FILMar, integrado no mecanismo de apoio financeiro aos EEAGrants 2020-2024. Restauro 4K pelo laboratório Cineric Portugal e restauro de som por BillyBoom Sound Design.
Originalmente, do filme AS ILHAS ENCANTADAS foram produzidas uma versão portuguesa e uma versão francesa, com montagem e duração diferentes. Em 2007, o restauro fotoquímico do filme reconstituiu a versão portuguesa e foi feito a partir dos negativos de som e imagem originais, complementados com um material de imagem de segunda geração.
Esse restauro foi feito pela Cinemateca Portuguesa com a colaboração do Photographia - Museu “Vicentes, no âmbito do Projeto CINEMEDIA – Recuperação e Digitalização do Património Cinematográfico dos Açores, Madeira e Canárias, com o apoio da Direção Regional dos Assuntos Culturais da Secretaria Regional de Turismo e Cultura da Região Autónoma da Madeira.
Agora, a Cinemateca apresenta uma nova cópia do filme, que resulta da digitalização 4K de um internegativo de imagem de 35mm e de um positivo de som, materiais produzidos aquando do restauro do filme feito pela Cinemateca em 2007.
A correção de cor e o restauro digital foram feitos pela Cineric Portugal em 2023, usando a cópia preservada pela Cinemateca em 2007 como referência. O restauro digital do som foi feito pelo Estúdio BillyBoom em 2023.
Sobre o projeto FILMar
O projeto FILMar é desenvolvido pela Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, com o apoio do programa Cultura, operacionalizado pela Direção Geral do Património Cultural, no âmbito do Mecanismo Financeiro Europeu EEAGrants 2020-2024. Dedicando-se a inventariar, preservar, digitalizar e promover o património fílmico relacionado com o mar, é desenvolvido em parceria com o Norsk Film Institutt, na Noruega, um dos três países doadores, juntamente com a Islândia e o Liechtenstein.
Tendo por objetivo digitalizar 10 mil minutos de filmes até Abril 2024, o FILMar tem apresentado, com regularidade, sessões em coprogramação com osprincipais festivais nacionais, bem como em colaboração com projetos de exibição cinematográfica descentralizados. No âmbito do FILMar têm sido digitalizados títulos pouco conhecidos do cinema português, ou de autores cuja expressão não acompanha a sua importância na história da produção de cinema em Portugal. Mais recentemente, foram digitalizados filmes de António Campos, António de Macedo, Augusto Cabrita, Manuel Faria de Almeida e Raquel Soeiro de Brito, bem como de Maurice Mariaud e Solveig Nordlund.