Nos anos 50, a França conheceu, no terreno das ideias, um dos períodos mais ricos e fecundos da história intelectual do país, caracterizado por um fervilhar ininterrupto de contribuições, debates e polémicas que atravessam os mais diversos âmbitos culturais, o cinema incluído. Figuras como Jean-Paul Sartre, André Malraux ou Maurice Merleau-Ponty exerceram uma enorme influência junto da crítica cinematográfica francesa, especialmente sobre André Bazin, um dos fundadores da revista “Cahiers du Cinéma” e sobre alguns dos seus redactores, como Eric Rohmer e Jacques Rivette.
A teoria da história de arte desenvolvida por Malraux na obra “O Museu Imaginário” tornar-se-ia um dos pilares da concepção da história e evolução do cinema comum a grande parte da crítica cinematográfica francesa desses anos. Malraux concebia a arte como manifestação transcendental do sujeito; o estilo seria o instrumento para alcançar essa transcendência
[1]. É fácil perceber como daqui se chega ao culto do génio e do estilo do artista que, mais tarde, será um dos fundamentos da famosa “política de autor” defendida pelos “Cahiers du Cinéma”. De Malraux importa também reter a sua noção de evolução da arte. O autor de “A Condição Humana” não a ligava aos processos históricos mas aos desígnio da transformação do homem; fala da arte “criadora do homem”, da arte “anti-destino” e vê nela o substituto contemporâneo da religião. Ligada, portanto, a um desígnio inerente ao homem, a evolução da arte é mais uma questão de psicologia (“A Psicologia da Arte”) e não tanto de história. Esta ideia constitui-se, também ela, como um dos fundamentos de uma determinada concepção do desenvolvimento da arte cinematográfica, em torno da qual se vai centrar grande parte do debate crítico dos anos 40 e 50.
Esta longa digressão, que retomaremos mais adiante, serve para caracterizar negativamente a “Positif”, ou seja para dizer aquilo que ela não foi, aquilo que ela rejeitou, antes de se tornar a instituição/Positif. Assim, ousamos dizer que a história da “Positif” é a história de uma longa dissidência em relação às correntes dominantes na época em que foi fundada e que os “maîtres à penser” impunham universalmente. Sublinhamos: no princípio dos anos 50 o panorama crítico francês é atravessado por diversas correntes filosóficas, estéticas e ideológicas, que vão do existencialismo ao marxismo, passando pela herança do surrealismo. Pois bem, desde o seu primeiro número a “Positif” posicionou-se no cruzamento destas correntes de pensamento sem se comprometer com as suas “verdades eternas”: com o existencialismo (sobretudo na medida em que este se posiciona como uma interpretação da fenomenologia husserliana); com o marxismo através do seu posicionamento político declarada e reiteradamente à esquerda; com o surrealismo no que concerne à formação e persistência de um discurso, ou de formação discursivas (confronte-se, a este respeito, os artigos e livros escritos por Ado Kyrou) que, por si mesmas, constituem todo um programa estético e, sobretudo, toda uma concepção de autor cinematográfico totalmente oposta à que foi defendida por André Bazin e os seus seguidores.
[1] Para um maior esclarecimento desta temática ver Textos & Imagens nº 36 sobre “Esquisse d’une psychologie du cinéma”.