“
A maintes égards, le Musée Imaginaire est pour nous la résurrection de l’Invisible”
André Malraux designou este texto como “Esquisse”, com uma modéstia que não foi exatamente um dos traços distintivos da sua personalidade. Publicou-o na NRF (Nouvelle Revue Française) em 1940, uma chancela da editora Gallimard onde pontificavam os “mandarins da Margem Esquerda”. A expressão é de Simone de Beauvoir – pessoa que sabia do que falava – e procurava designar os intelectuais mais influentes na sociedade francesa e, por extensão, no Mundo. Era essa a disposição das coisas na época. Se a modéstia a que aludimos não convém nem se adequa a essa personagem “maior que a vida” que foi André Malraux, muito menos a designação de “esquisse” – com tudo o que comporta de inacabado e imperfeito – convém a este texto que, no nosso entendimento, se insere de pleno direito naquela que foi uma das mais profundas, sistemáticas e consequentes reflexões estéticas do século XX, materializada no conceito de Museu Imaginário, ou a exploração da arte no tempo e no espaço, sem restrições e fazendo face ao seu mistério essencial. A partir de alguns princípios fundamentais, Malraux concebeu sobretudo uma representação mental, apoiada numa relação estreita entre imaginação e memória que consagrou a transcendência da morte através da arte. Este pensamento excede os limites estritos da história da arte, fazendo literalmente explodir a noção de tempo face ao desenvolvimento das civilizações que produziram as obras de arte e excedendo igualmente a sua forma de expressão. Como Ministro da Cultura, Malraux pensou o Museu Imaginário como forma privilegiada de democratização do saber, ou seja como desígnio fundamental de um projeto ético e político que o insere numa longa tradição de grandes homens da cultura que pensaram exatamente o mesmo, sem que pudessem dispor do poder e dos recursos que estiveram ao alcance de Malraux.
Voltando ao texto sobre cinema que aqui nos ocupa, cabe agora perguntar como se insere na massiva reflexão estética que Malraux produziu, de uma amplitude tal que ocupou a maior parte da sua atividade literária e também da sua ação como Ministro. Assinalamos em primeiro lugar o seu papel de precursor, relembrando sucintamente as etapas desse itinerário: 1940 “Esquisse d’une Psychologie du Cinéma” (reeditado em 1946); 1947 “Psychologie de l’Art: Le Musée Imaginaire”; 1948 “La Création Artistique”; 1948 “La Monnaie de L’Absolu”; 1951 “Les Voix du Silence” (versão revista e conjunta de “Psychologie de l’Art : Le Musée Imaginaire”, “La Création Artistique” e “La Monnaie de l’Absolu”; 1952 “Musée Imaginaire de la Sculpture Mondiale: La Statuaire”; 1954 Musée Imaginaire de la Sculpture Mondiale: Des Bas-Reliefs Aux Grottes Sacrées”; 1954 Musée Imaginaire de la Sculpture Mondiale: Le Monde Chrétien”; 1957 “La Métamorphose des Dieux : Le Surnaturel”; 1974 “La Métamorphose des Dieux : L’Irréel”; 1976 “La Métamorphose des Dieux : L’Intemporel”. A estas obras centrais na definição do conceito de Museu Imaginário, e no seu estabelecimento como projeto estético e pedagógico, juntam-se: 1947 “Dessins de Goya Au Musée du Prado” e 1950 ”Saturne, Le Destin, L’Art et Goya”
[1].
Portanto, é pelo cinema que Malraux inicia o seu monumental empreendimento estético. Esta afirmação – verdadeira – terá que ser mediada por uma outra, de Denis Marion
[2], segundo a qual a relação de Malraux com o cinema anterior à realização de “L’Espoir” foi somente a de um espectador, embora atento e clarividente. Interessavam-no sobretudo os expressionistas alemães e, mais tarde, os filmes soviéticos pelas suas qualidades plásticas e efeitos propagandísticos. O próprio Malraux coloca a génese do seu texto claramente no eixo da realização do filme, ao afirmar: “Mais ces réflexions nés de l’expérience que j’avais acquise en tournant les morceaux de “L’Espoir”…”.
[1] Para esta datação e seu encadeamento, seguimos a edição crítica em dois volumes sob a direcção de Henri Godard e Jean-Yves Tadié, respectivamente volumes IV e V das “Oeuvres Complètes” de Malraux na Bibliothèque de la Pléiade. Esses dois volumes, genericamente designados como “Écrits Sur Art”, agrupam todas estas obras. Para a análise textual de “Esquisse d’Une Psychologie du Cinéma”utilizamos a edição de 1946 disponível na Biblioteca da Cinemateca.
[2] Denis Marion, “André Malraux”. Paris, Seghers, 1970.