Depois dos ardinas, o primeiro grupo de compradores que pouco dinheiro tinha para despender, “Y” alarga o negócio a um outro mercado, o dos estudantes liceais, mais abastados e por isso capazes de disponibilizar os montantes a que entretanto cada “ponto” já chegava.
O negócio foi descoberto devido à ambição excessiva de “Z” e ao enorme sucesso do filme
Os Mistérios da Selva. Este filme em 15 episódios estreou no Condes em setembro de 1922 e foi posteriormente exibido no cinema em que “Z” trabalhava, de onde seguiu para o Chiado Terrasse. E, de acordo com a prática dessa época, as personagens principais eram apresentadas no início do filme, a seguir ao título principal; ao nome de cada personagem seguia-se o seu retrato. Mas o que se verificou foi que, quando o filme foi exibido na última sala (Chiado Terrasse), a cópia já não apresentava quaisquer retratos! Aproveitando-se de um tão bom quinhão, “Z” tinha cortado todos os retratos, deixando apenas os títulos que, quais testemunhas silenciosas, denunciavam a empresa. O público, enraivecido, pateou e assobiou. O exibidor informou-se sobre o ocorrido e relatou-o à companhia distribuidora, que por sua vez denunciou o facto à polícia. O processo judicial que se seguiria põe fim ao negócio.
Algumas destas coleções de fotogramas de filmes, guardados em cadernos de folhas quadriculadas e capa preta, chegaram-nos através de diferentes legados; é o caso de Manuel Félix Ribeiro, fundador da Cinemateca, que exibe a sua própria coleção ao realizador Leonel Brito no filme
Félix Ribeiro, Dr. Celulóide, de 1980. Nos restantes casos (duas outras coleções, significativamente mais pequenas), não é possível estabelecer se quem as legou foram os seus colecionadores em primeira-mão. Mas este episódio demonstra exemplarmente o fascínio pelo cinema e a busca pela materialização deste desejo, assim transfigurando os objetos coletados num
continuum da experiência cinematográfica na vida quotidiana.
Teresa Barreto Borges
Texto originalmente publicado em
Journal of Film Preservation, 83, novembro de 2010.
Tipologia documental: álbum (iconografia)
Cotas: AB1-19, AB1-20, AB1-21