Qualquer coisa tem de ceder
Há duas infelicidades na vida: uma é não conseguir o que se deseja;
a outra é conseguir o que se pretende.
Este comentário é da mão de um produtor de Hollywood,
big boss dos estúdios da Twentieth Century Fox, na altura em que se discutia a vedeta do filme que dá o título a esta dissertação. O filme, como é sabido, ficou interrompido, e mais tarde foi lançado numa versão muito diferente do projeto inicial, tendo ficado na história como o último trabalho de Marilyn Monroe.
Calculo que vos passe pela mente um comentário: “mais uma história da gloriosa e infeliz vedeta de quem já tudo se sabe…”. Não é esta a minha intenção.
A fonte escolhida é um livro disponível na coleção do Centro de Documentação da Cinemateca, da autoria do escritor americano Norman Mailer (31/01/1923 – 10/11/2007), lançado em 1973, altura em que o mercado começava a estar saturado de biografias da atriz, quase sempre especulativas e carregadas de teorias da conspiração sobre a sua morte. Nada disto é o tema da obra. O que a distingue é uma espécie de parábola dos tempos em que esteve ativa na profissão, como forma de retrato dos Estados Unidos (como nação e árbitro de conflitos entre blocos divergentes) que viram o fim do “sonho americano” para dar lugar a um inferno de interesses económicos e militares que desembocariam numa palavra: Vietname.
Norman Mailer foi uma personalidade atenta à sua época, tendo desenvolvido profissões como jornalista, escritor (duas vezes premiado com o Pulitzer), biógrafo (a ele se devem retratos de Muhamed Ali, Lee Harvey Oswald, Pablo Picasso, entre outros), e também como um dos fundadores da revista “Village People”. Na década de sessenta, juntamente com Tom Wolfe e Truman Capote redimensionou a imprensa num grupo apelidado de “New Journalism”.
A obra que dedicou a Marilyn Monroe poderia ter-se chamado “as aventuras de Norma Jean”, pois é o fundo da mulher e não a sua aparência (por muito atrativa que esta seja, e foi!) que lhe interessa. A sua exploração comercial foi a máscara perfeita para uma crise institucional que enfraquecia a poderosa nação após o desastre da Baía dos Porcos, o insucesso da luta pelos direitos civis e as reviravoltas dos acordos com a Máfia. O presidente mais carismático dos Estados Unidos lutava com uma dolorosa doença na medula que, segundo ele, aliviava com a prática sexual. Miss Monroe foi um dos “tratamentos”, depois de ter sido passada ao irmão, o Procurador-Geral Bobby Kennedy, pelas constantes chamadas para a Casa Branca pretendendo cobrar a promessa de que o presidente se divorciaria para casar com ela.