Retornando à especificidade da
Wide Angle, importa referir que o caráter eclético e sincrético da sua linha editorial se manifesta não só no elenco de colaboradores – que inclui para além das personalidades atrás referidas, discentes e docentes da instituição – como também na alternância entre números que reúnem textos de temática variada e números monotemáticos dedicados à estética, história e prática cinematográfica, procurando permanentemente o equilíbrio entre a historiografia – sendo que o cinema é sempre enquadrado na sua historicidade -, a análise das novas tendências e a relação do cinema com outros textos e práticas culturais. Importa também referir que, em plena febre estruturalista, a
Wide Angle começa a questionar o tipo de abordagem estritamente estruturalista, considerando o colapso da rigidez estrutural na teoria cinematográfica, especialmente na produção académica europeia, e problematizando as áreas lodosas dessa mesma produção textual. Este novo questionamento do estrito modelo estruturalista aponta para a necessidade de reavaliação e reconsideração da problemática da fenomenologia e da sua aplicação ao cinema, uma tendência já observável em artigos produzidos em 1978, tendo a sua origem em questionamentos de Dudley Andrew que, noutro lugar
[1], tinha já colocado a hermenêutica de Paul Ricoeur como ponto de partida. A fenomenologia e a hermenêutica de Paul Ricoeur nas planícies do Ohio? Exatamente, mas apenas como ponto de partida, convém sublinhar. O exame de todos os estilos e períodos históricos empreendido pela revista não se esgota nesse modelo; decorre acima de tudo de uma pragmática formal e de uma autonomização das esferas de valor do objecto-cinema que o reenquadra numa racionalidade que se situa para além dos ferozes debates em curso, sobretudo nesse fim dos anos 70 em que a revista surgiu, debates que encenavam o antagonismo entre o inconsciente, as estruturas económicas, simbólicas, o contextualismo e o relativismo, enfim, os campos de batalha onde a contemporaneidade procurava afirmar a sua legitimidade pós-metafísica. Aliando uma certa convencionalidade dos procedimentos a uma determinada e sólida cultura da racionalidade argumentativa, a
Wide Angle posicionou-se como uma das pedras fundamentais na construção da cultura cinematográfica da segunda metade do século XX, eticamente inatacável e estruturalmente inadiável.
Os volumes da revista publicados entre 1979 e 1999 encontram-se disponíveis para consulta na Biblioteca da Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema.
Arnaldo Mesquita
Tipologia documental: publicação periódica
País: E.U.A.
Datas de publicação: 1979-1999
Cota: PP 528
Nível de descrição: indexação artigo a artigo
[1] ANDREW, Dudley, “The Gravity of Sunrise”. In
Quarterly Review of Film Studies, vol. II, nº 3, 1977. Disponível em linha em
www.tandfonline.com.