Poucas terão sido as entrevistas ou escritos em que, detalhando-se um pouco sobre a riqueza das coleções da Cinemateca (para além dos habituais dados quantitativos), Manuel Félix Ribeiro (seu fundador e primeiro diretor) não referisse a existência de um exemplar da edição de 1926 da obra de Terry Ramsaye,
A Million and One Nights, com – parece-nos – algum indisfarçado orgulho. Também Teresa Fernandes (então responsável pelo Centro de Documentação e Informação), no texto que assinou para o livro sobre os 25 Anos de Cinemateca, em 1983, inclui esta “primeira história do cinema americano” na dúzia de “raridades” destacadas de entre os 16.000 livros que à época existiam em acervo. E é precisamente pelo atributo de “raridade”, igualmente caro a bibliotecários e bibliófilos, que, nesta espécie de “biografias” de documentos que temos vindo a realizar, abordaremos este livro; sobre o seu conteúdo e impacto na historiografia do cinema, outros, mais avisados, o poderão desenvolver, pois que no plano destes destaques nada indica que um determinado título tenha apenas uma “entrada”…
Nascido em 1885, Terry Ramsaye trabalhou em diversos órgãos da imprensa da própria indústria cinematográfica de Hollywood, desempenhando também funções de publicitário para a Mutual Film Corporation. Entre 1920 e 1925, escreveu
A Million and One Nights, expandindo a série de artigos que escrevera sob encomenda para a revista
Photoplay, contando “a história romântica das imagens em movimento” (episódios, filmes, figuras e factos pretensamente mundiais mas de facto centrados nos Estados Unidos da América) seguindo precisamente o modelo narrativo da recolha anónima de contos populares persas e indianos encadeados entre si que o título cita.
Se aplicarmos a este livro os seis critérios de raridade propostos pelo antiquário Jeremy M. Norman em 1982, veremos que não terá sido do primeiro, relativo à escassez de exemplares, que recebeu tal qualificativo: é que (e embora não saibamos qual a tiragem que a obra em dois volumes de Ramsaye teve) sabemos que o exemplar conservado na Cinemateca não é um dos 327 exemplares dessa primeira edição limitada de 1926, numerados e assinados tanto pelo autor como por Thomas Edison, e que podem alcançar, no mercado livreiro atual, somas superiores a 2.000 euros. O exemplar da Cinemateca, igualmente em dois volumes publicados nesse mesmo ano, pertence à denominada “edição popular” - que nem por isso é mais pobre, pois partilha com a edição limitada das mesmas opções quanto ao tipo e gramagem do papel, à encadernação e às ilustrações (quadros, gráficos e 102 fotografias). O que nos leva diretamente para o terceiro critério de Norman (já regressaremos ao segundo), relativo às características deste livro enquanto objeto físico: “a encadernação é protegida por uma sobrecapa de papel e, como que em graciosa homenagem ao ecrã de prata
[1], o papel apresenta uma ligeira cor prateada” (Edmund Pearson, recensão do livro publicada em 1927).
[1] “silver screen”, no original.