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Assunto: In Memoriam
Data: 09/06/2025
Recordando P. Adams Sitney
Recordando P. Adams Sitney
Nos últimos anos, P. Adams Sitney (1944-2025) esteve várias vezes na Cinemateca e, a cada regresso, partilhou com todos os que o puderam ouvir o seu entusiasmo pelo cinema, que demonstrou nas sessões e livros que apresentou, nas conferências ou aulas que deu. Partilhou muitas histórias pessoais e a vastidão do pensamento que desenvolveu enquanto historiador, crítico, professor e investigador, que ultrapassa em muito a sua íntima relação com o cinema de vanguarda, pela qual ficou mais conhecido, dado que é hoje considerado o mais importante historiador do cinema de vanguarda norte-americano.
Cofundador (com Jonas Mekas, Peter Kubelka e Jerome Hill) dos Anthology Film Archives, ao longo dos anos P. Adams Sitney escreveu extensamente sobre as vanguardas e o dito cinema experimental, mas também sobre cinema moderno europeu e a sua “poesia”, sendo autor de obras célebres como Visionary Film: The American Avant Garde, cuja primeira edição data de 1974, Modernist Montage (1992); Vital Crises in Italian Cinema (1995);  The Cinema of Poetry (2014) e Eyes Upside Down: Visionary Filmmakers and the Heritage of Emerson (2008) – do qual incluímos um capítulo no recente “Caderno da Cinemateca”, dedicado a Ernie Gehr. Foi Sitney que fez a ponte com Gehr, a cuja obra dedicámos um Programa e a referida monografia.
Em junho de 2023 Sitney apresentou na Cinemateca um conjunto de sessões-conferência com filmes por si escolhidos, organizadas segundo uma proposta temática a que deu o título algo provocador “Sexo e Espiritualidade na História do Cinema”, e em que reuniu filmes de Maya Deren, Stan Brakhage, Man Ray, Hollis Frampton ou Kenneth Anger, mas também Ordet, de Carl Th. Dreyer ou Zerkalo/O Espelho, de Andrei Tarkovski. De fora, com pena sua, ficou Persona, de Ingmar Bergman, devido a uma indisponibilidade de cópia. Como ele dizia (e fez): “Uma combinação eclética de estratégias interpretativas retóricas e psicanalíticas explorará a história do cinema de vanguarda e as narrativas modernistas.”  Em 2018 havia apresentado duas brilhantes conferências sobre Stan Brakhage, uma das quais centrada no livro Metaphors on Vision, de que foi o editor, no âmbito de uma retrospetiva dedicada ao cineasta norte-americano. A forte amizade com Peter Kubelka, trouxe-o antes a Lisboa para assistir ao programa “A Natureza do Cinema”, que Kubelka em 2011 apresentou ao longo de um dia.
Ao longo dos últimos anos, conversas geraram conversas, textos outros textos, num diálogo prolongado à distância entre Lisboa e Rhode Island. As nossas últimas conversas versaram sobre um artigo que P. Adams escreveu logo que deixou Lisboa depois das “Histórias do Cinema”, revelando uma imensa generosidade, a rapidez de um pensamento sempre em movimento, e o carácter cristalino do seu discurso e da sua escrita. Como me escreveu: “As soon as I returned, I wrote up what I learned about Persona and Zerkalo from my final session. I had not expected to get an article from the trip...”
Eis um excerto desse artigo sobre Zerkalo/O Espelho: “I came out of retirement in July 2023 to accept an offer from the Cinemateca Portuguese to give lectures. I was uncertain whether I wanted to show Bergman’s Persona or Tarkovsky’s Zerkalo as an example of a primal scene drama. Fortunately, Persona was not available, making the choice simple. I write “fortunately” because when I opted to show excerpts from Persona during the final lecture, on Zerkalo, I realized an even more intimate connection between the two films than I had previously realized. I hasten to add that I believe the relationship was unconscious on Tarkovsky’s part. The zooms lens and zooming does a good deal of the work traditionally assigned to cutting and typical of Tarkovsky’s other films and Bergman’s films of the 70s and 80s. (…)”
 
Joana Ascensão
9 de junho de 2025