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Assunto: Homenagem a Pierre Rissient
Data: 04/06/2018
Pierre Rissient (1936-2018)
Pierre Rissient (1936-2018)
Pierre Rissient faleceu no dia 6 de Maio, aos oitenta e um anos, às vésperas da abertura do Festival de Cannes, que ele frequentava desde os anos 50, o que lhe valera a alcunha de “Mr. Cannes” na imprensa cinematográfica americana. Desconhecido do público, mesmo no seu país natal, Rissient era um homem dos bastidores, uma das grandes figuras míticas da cinefilia internacional. Formado pela fervorosa cinefilia parisiense dos anos 50, Rissient pertenceu ao grupo dos “mac-mahoniens”, que frequentavam o ainda hoje existente cinema Mac-Mahon e, na revisão “autorista” do cinema feita naquele decénio, defendiam os seus quatro cineastas preferidos, a que chamavam a “quadra de ases”: Raoul Walsh, Joseph Losey, Fritz Lang e Otto Preminger. Na Cinemateca Francesa, então na sua idade de ouro, além de ver filmes de todos os formatos e feitios, Rissient pôde conhecer e conversar longamente com alguns dos seus ídolos, como John Ford e Fritz Lang. Vi-o certa vez contar histórias de “Fritz” e “John” diante do diretor de uma cinemateca europeia, que, talvez tomando-o por um mitómano, perguntou-lhe se ele também tinha conhecido Stroheim. Recebeu a seguinte resposta: “Não, o Eric não”… Cinéfilo à antiga, mesmo entre os cinéfilos à antiga, aqueles que foram formados pela cinefilia e não pelos estudos académicos, Rissient fez do cinema a sua vida e discutia com a mais absoluta paixão filmes presentes e passados, célebres e obscuros. Como outros cinéfilos à antiga, transformou a sua cinefilia numa profissão: depois de ter sido assistente de Jean-Luc Godard em O ACOSSADO, tornou-se sucessivamente attaché de presse, publicitário, produtor, distribuidor, programador de festivais e caçador de talentos para uma grande empresa internacional de produção e distribuição de filmes. 
Também fez incursões pela realização, com ALIBIS (1977) e CINQ ET LA PEAU (1982). Este último, distribuído em dvd poucos dias depois do falecimento do seu autor, foi rodado em Manila e, na sequência desta rodagem, Rissient teve um papel crucial para fazer conhecer o nome de Lino Brocka no circuito internacional. No pólo oposto, Clint Eastwood, que chamava a Rissient “Mr. Everywhere”, declarou que o francês tivera um papel fundamental em convencê-lo a deixar de ser um mero “duro” do ecrã e passar à realização. Para termos uma ideia da aura que cercava este homem no reduzido círculo da cinefilia internacional, basta lembrar que ele foi objeto de dois documentários: MAN OF CINEMA (Todd MacCarthy, 2007) e GENTLEMAN RISSIENT (Benoît Jacquot, Pascal Merigeau e Guy Seligman, 2015). Nos últimos dez anos, víamo-nos regularmente no Festival Cinema Ritrovato, em Bolonha, e ao almoço, em presença de outros ex-“macmahoniens”, falava-se com paixão sincera e inteligente de cinema, do passado e do presente, eram contados antigos episódios dos bastidores e montadas pequenas conspirações. Havia entre ele e os outros convivas da sua geração a cumplicidade daqueles que tinham combatido do mesmo lado em guerras passadas. Como tantos programadores de cinema, Rissient tinha o gosto pelos pequenos complots, pelos segredos de morte sobre assuntos que interessam a meia-dúzia de pessoas, era movido por simpatias e antipatias que nem sempre eram incondicionais, mas que sempre eram suscitadas pelo cinema. Nada resume melhor a paixão deste homem pelo cinema do que a última imagem que tenho dele: numa cadeira de rodas, devido a sérios problemas de circulação, que era empurrada por um crítico e produtor francês da sua geração, numa rua central de Bolonha, durante o Festival Cinema Ritrovato, em Julho de 2017. Os dois estavam a caminho de uma projeção ao ar livre na Piazza Grande.
 
Antonio Rodrigues

Notas

imagem da entrada: Pierre Rissient com Bernard Martinand, Annecy, c. 1965 | em cima: Amiens, 2010