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Assunto: In Memoriam
Data: 27/04/2021
Marc Ferro (1924-2021)
Marc Ferro (1924-2021)
O historiador francês Marc Ferro foi um pioneiro e um actor fundamental na articulação da problemática da inter-relação entre História e Cinema, mostrando decisivamente o modo como a arte cinematográfica se constituiu como uma nova fonte documental de investigação e reflexão que propicia à ciência histórica um campo de pesquisa que vai muito para além das fontes tradicionais. É conhecida a sua ligação com a revista Annales – da qual foi co-editor – e o rigor e profundidade que caracterizam a sua investigação sobre temas de história contemporânea e que caracterizam de igual modo a sua abordagem da referida articulação entre História e Cinema, uma articulação que sempre tematizou a partir de duas vias distintas e complementares: a leitura histórica do cinema e a leitura cinematográfica da História. A esse propósito, e como demonstração prática das suas teses, destaca-se o artigo Le Film, une contre-analyse de la société? (publicado em 1973), no qual advoga a importância de uma História não escrita, na qual o filme-documento não serve apenas como ilustração ou desmentido de outras fontes (sobretudo da tradição escrita), mas é encarado a partir de um postulado fundamental: tudo aquilo que não ocorreu, ou não ocorreu do modo como é narrado (e, porque não, mesmo aquilo que ocorreu), as crenças, as intenções expressas, enfim, o imaginário como experiência colectiva fazem tanto parte da História quanto a própria História. A partir desse texto inaugural, que constitui, a todos os títulos um marco fundamental, um dos chamados “saltos epistemológicos”, com profundas implicações cognitivas, Ferro desenvolveu uma metodologia que privilegiou não só as obras cinematográficas em si mesmas, como também os discursos que sobre essas obras foram sendo produzidos, o contexto social, económico e político em que foram concebidas e, vertente de sobremaneira importante, o valor do cinema como representação e modo de interpretar realidades históricas na sua especificidade.
Este empreendimento téorico-crítico, desenvolvido ao longo de décadas de investigação e materializado em centenas de artigos publicados em revistas de especialidade (para além dos Annales), com destaque natural para Les Cahiers de La Cinémathèque, onde a problemática foi intensa e continuamente debatida e para um número especial de Cinéma Action (número 65, quarto trimestre de 1992), dedicado a pensar as implicações e dimensões da relação entre Cinema e História a partir das perspectivas desenvolvidas pelo historiador, teve o seu corolário no programa televisivo Histoire Parallèle, emitido pela cadeia televisiva La Sept a partir de 1989, no qual Ferro, examinando jornais de actualidades franceses e alemães datados de 50 anos antes, analisava em paralelo a produção historiográfica e cinematográfica, dando ensejo a uma legitimação definitiva do estudo do cinema pelos historiadores ao estabelecer concreta e demonstrativamente o valor inequívoco do documento-filme (neste caso concreto, o seu valor como registo “técnico”) no âmbito da pesquisa historiográfica.