A CANÇÃO DE LISBOA é a primeira, a mais famosa e sem dúvida a melhor das chamadas “comédias à portuguesa” e provavelmente o mais popular filme português de sempre. Evocação de ambientes lisboetas “típicos”, de modo semelhante ao que René Clair fazia com Paris, com vários atores lendários do cinema português e uma brilhante faceta musical para a qual contribuiu a partitura original composta por Jaime Silva Filho e René Bohet. Cottinelli Telmo, que era arquiteto, mistura com muita inteligência cenários naturais e cenários de estúdio, que reproduzem certos bairros de Lisboa. Com Manoel de Oliveira num papel secundário.
“Assim, por detrás da alegria, da irreverência e da boa disposição, a comédia à portuguesa veicula uma ideologia assente no mais absoluto conformismo. Esse conformismo é, no entanto, aceite ou mesmo desejado pelos seus espectadores, pois assegura-lhes a continuidade de uma ordem social em que eles se vêem e revêem plenamente. Apesar de fruírem a aparente subversão da ordem, o percurso das personagens, ou seja, a sua “reintegração”, apenas vem reforçar as suas crenças sobre a legitimidade dessa mesma ordem social. Como explica Umberto Eco, a transgressão da regra que não é tornada explícita, ou seja, que é implicitamente aceite por aqueles que fruem a sua transgressão, pressupõe, para ser cómica, um fundo de observância indiscutível. O cómico contribui assim para a preservação da ordem estabelecida. Os espectadores da comédia à portuguesa não precisam, pois, de ser “convertidos”, pela simples razão de que eles já acreditam nessa ordem e nunca deixaram de acreditar nela.” (Paulo Granja in
O Cinema sob o olhar de Salazar, coord. L. Reis Torgal, 2000).
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