CICLO
Malamor / Tainted Love: Realizadores Convidados: João Pedro Rodrigues E João Rui Guerra Da Mata


No contexto da rubrica regular Realizadores Convidados, a Cinemateca desafiou a dupla João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata a apresentarem uma parte significativa dos seus próprios filmes em diálogo com outros tantos por eles escolhidos. Desde 2015 este mesmo desafio tem sido apresentado a vários outros cineastas, nomeadamente Pedro Costa, Nicola Rey, Mark Rappaport, Abi Feijó, Jean-Claude Rousseau, Edgardo Cozarinsky, Albert Serra, Adolfo Arrieta, Boris Lehman, Regina Guimarães & Saguenail e, mais recentemente, Billy Woodberry.
João Pedro Rodrigues é, certamente, um dos mais assíduos espectadores da Cinemateca. Desde meados dos anos 1980 que frequenta as salas desta instituição com uma regularidade férrea. Sempre que não está a filmar ou a viajar pelo mundo com os seus filmes, está na Cinemateca a seguir, de fio a pavio, ciclos sucessivos, com uma disposição e um interesse sem freios. E vê de tudo, do cinema clássico ao experimental, do mudo às novas vagas, do cinema japonês ao cinema nacional. Era, portanto, necessário dar-lhe a oportunidade de retribuir, em forma de programação, a confiança que demonstrou ao longo dos anos por esta casa. Naturalmente, o convite estendeu-se a João Rui Guerra da Mata, seu colaborador e companheiro, cujos gostos e cinefilia complementam de forma provocadora o olhar de João Pedro Rodrigues.
O resultado desta “carta branca” tem por título Malamor / Tainted Love, em referência simultânea à canção homónima (originalmente cantada por Gloria Jones e popularizada nos anos 1980 pelos ingleses Soft Cell) e ao neologismo que Carlos Drummond de Andrade utilizou no poema “Amar” do livro Claro Enigma (“Que pode uma criatura senão, / entre criaturas, amar? / amar e esquecer, / amar e malamar, / amar, desamar, amar?”). E logo aqui ficam expressas as polaridades com que o programa se define: o erudito e o pop, sob o peso de um romantismo melancólico.
Trata-se de um Ciclo que, organizado em 25 sessões que atravessam dois meses (setembro e outubro), e que decorre entre Lisboa e Madrid (onde a Filmoteca Española irá apresentar uma versão abreviada da mostra), logo a partir do título e da dupla de realizadores, se estrutura numa lógica de conversa: conversa entre João Pedro e entre João Rui, mas também, entre a dupla e a equipa da Cinemateca. Dessa conversação extraiu-se um programa composto por cerca de 60 títulos (entre longas-metragens, curtas) que dá privilégio a filmes nunca exibidos na Cinemateca (ou que por cá já não passavam há mais de duas décadas).
A cinefilia eclética da dupla evidencia-se nas suas escolhas, onde o cinema de autor se encontra com o marginal, onde o underground se cruza com o popular, onde o iconoclasta se envolve no lírico. Alguns dos seus “cineastas de cabeceira” como Jacques Demy, Rainer Werner Fassbinder, John Waters, Pedro Almodóvar ou Tsai Ming-Liang são dados a ver através de filmes menos conhecidos (ou até esquecidos), ao passo que outros, completamente alheados do cânone, se mostram em toda a sua exuberância radical: Guy Gilles, Francis Savel, Eloy de la Iglesia, Gérard Blain, Makoto Shinozaki ou Antoni Padrós. A estes juntam-se também cineastas contemporâneos que afirmam o renovado vigor do cinema, nomeadamente um dos últimos (e inéditos) filmes do romeno Radu Jude, uma peça do artista multidisciplinar Vasco Araújo, o filme de ação mais singular do cinema de Hong Kong (PTU de Johnnie To) ou um episódio televisivo de Luca Guadagnino.
E, claro, o próprio cinema de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata aparece – não de forma integral – como ponto de partida e de chegada desta travessia cinéfila. Há escolhas que surgem qual resposta aos filmes da dupla (o documentário sobre a vida da pega-rabuda, PICA PICA, entabula um diálogo com O ORNITÓLOGO; do mesmo modo que ZOMBIE 2, de Lucio Fulci, obra-prima do cinema gore, se impõe como reflexo putrefacto do “filme de zombies geométrico” que é MANHÃ DE SANTO ANTÓNIO), outros sob a forma de interrogações (JE VOUS SALUE, MARIE, de Jean-Luc Godard, questiona o modo de voltar a olhar para O FANTASMA enquanto “iconoclastia da transcendência”; ao passo que FUNERAL PARADE OF ROSES, de Toshio Matsumoto, oferece uma revisitação dos géneros – fílmicos e não só – como método de desconstrução, iluminando, inversamente, aquilo que Rodrigues fez em MORRER COMO UM HOMEM). Deste modo, os filmes e as escolhas dos cineastas acabam, de forma tangente, por se constituir como elementos biográficos ou, pelo menos, autoconscientes. Os filmes convertem-se em repositórios do tempo, do modo como foram descobertos, com quem foram vistos, a quem foram apresentados, onde foram rodados – e com quem –, das amizades que se formaram depois das sessões, por causa dos filmes ou apesar deles. E é também disso que se faz este Malamor / Tainted Love, retrato de uma relação com o cinema, ou antes, de uma relação através do cinema.
Do documentário de natureza ao cinema de terror, passando pelo melodrama pré-código, o cinema underground, o western sul-americano, o musical, o cinema pornográfico, o filme-ensaio, o thriller de ação, a comédia burlesca e a vídeo-instalação, este é um programa abrangente que percorre quase todos os períodos da história do cinema, revelando um gosto desconcertante pela descoberta.
Malamor / Tainted Love desenvolve-se em colaboração com a BoCA Bienal de Artes Contemporâneas que encomendou um novo filme à dupla, 13 ALFINETES, filme rodado entre Lisboa e Madrid e que será apresentado no encerramento do programa, nos dias 15 de outubro (em Lisboa) e 23 de outubro (em Madrid). Integrada na programação desta mostra inclui-se também a instalação vídeo SEM ANTES NEM DEPOIS que estará patente na Sociedade Nacional de Belas Artes, entre 11 de setembro e 10 de outubro. Instalação essa que é a súmula de todo este espírito dialógico e profundamente cinéfilo, por estabelecer uma conversa entre OS VERDES ANOS, de Paulo Rocha, e ONDE FICA ESTA RUA? OU SEM ANTES NEM DEPOIS, remake conceptual do filme de Rocha, apresentado pela primeira vez lado a lado com o seu modelo. A Cinemateca irá igualmente publicar, durante o Ciclo, mais um número da coleção Cadernos da Cinemateca dedicado ao trabalho da dupla. João Pedro Rodrigues, João Rui Guerra da Mata e convidados acompanharão algumas das sessões deste Ciclo.
 
 
20/10/2025, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Malamor / Tainted Love: Realizadores Convidados: João Pedro Rodrigues E João Rui Guerra Da Mata

Allegoria della Prudenza | Iec Long | Sleep #2
 
22/10/2025, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Malamor / Tainted Love: Realizadores Convidados: João Pedro Rodrigues E João Rui Guerra Da Mata

Bara No Sōretsu
“Funeral Parade of Roses”
de Toshio Matsumoto
Japão, 1969 - 105 min
24/10/2025, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Malamor / Tainted Love: Realizadores Convidados: João Pedro Rodrigues E João Rui Guerra Da Mata

Le Sang des Bêtes | Potemkin Steps | Vestida de Azul
27/10/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Malamor / Tainted Love: Realizadores Convidados: João Pedro Rodrigues E João Rui Guerra Da Mata

Das Kleine Chaos | Der Standtstreicher | Deutschland Im Herbst [1º segmento] | Wie Ein Vogel Auf Dem Draht
28/10/2025, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Malamor / Tainted Love: Realizadores Convidados: João Pedro Rodrigues E João Rui Guerra Da Mata

O Pastor | Pampa Salvaje
20/10/2025, 19h30 | Sala Luís de Pina
Malamor / Tainted Love: Realizadores Convidados: João Pedro Rodrigues E João Rui Guerra Da Mata

em colaboração com a BoCA Bienal de Artes Contemporâneas
Allegoria della Prudenza | Iec Long | Sleep #2
ALLEGORIA DELLA PRUDENZA
de João Pedro Rodrigues
Portugal, Itália, 2013 – 2 min / sem diálogos

IEC LONG
de João Pedro Rodrigues, João Rui Guerra da Mata
Portugal, 2014 – 31 min / legendado em português

SLEEP #2
de Radu Jude
Roménia, 2024 – 61 min / legendado eletronicamente em português, english subtitles

HELLO AGAIN
de The Cars/Andy Warhol
EUA, 1991 – 5 min

Duração total da projeção: 94 min | M/12
Já na reta final do Ciclo, uma sessão sobre a morte e o recomeço – ou antes, sobre locais e formas de assombração. Do chinês “pan-tcheong” ou “pau-tcheong”, a palavra “panchão” consta nos dicionários como um regionalismo macaense também chamado “estalo da China” ou “foguete chinês”. IEC LONG interroga os espectros qua habitam as ruínas da antiga Fábrica de Panchões Iec Long, revelando-nos as histórias de exploração infantil e dos inúmeros acidentes mortais que ali ocorreram. Por sua vez, Radu Jude faz um filme a partir do seu computador, usando uma câmara que exibe – em permanência na Internet – a campa onde Andy Warhol está sepultado. O realizador romeno recolheu centenas de horas de material entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023 (replicando em formato digital o método que Warhol havia empregado, com película de 16mm, em SLEEP, ao longo de uma noite) e concentrou-as num filme de uma hora, que nos diz tanto sobre os vivos que ali peregrinam como sobre o cinema do próprio Warhol. A propósito, a sessão abre com ALLEGORIA DELLA PRUDENZA, uma singular homenagem a Kenji Mizoguchi e a Paulo Rocha, e à profunda ligação do segundo com o Japão e com o cinema japonês. Filmes-haiku que são tributos aos artistas e odes à paisagem. ALLEGORIA DELLA PRUDENZA e SLEEP #2 são apresentados pela primeira vez na Cinemateca (e, em particular, o filme de Radu Jude é apresentado em estreia nacional..

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22/10/2025, 19h30 | Sala Luís de Pina
Malamor / Tainted Love: Realizadores Convidados: João Pedro Rodrigues E João Rui Guerra Da Mata

em colaboração com a BoCA Bienal de Artes Contemporâneas
Bara No Sōretsu
“Funeral Parade of Roses”
de Toshio Matsumoto
com Peter, Osamu Ogasawara, Yoshio Tsuchiya, Emiko Azuma
Japão, 1969 - 105 min
legendado eletronicamente em português, english subtitles | M/16
FUNERAL PARADE OF ROSES permanece, até aos dias de hoje, o filme mais conhecido de Toshio Matsumoto e uma obra fundamental do cinema da Nova Vaga Japonesa. Partindo do mundo noturno das travesti da cidade de Tóquio dos anos 60, onde a droga, o álcool e o sexo se consumiam sem moderação, Matsumoto constrói um filme que interroga e procura destruir todas as categorias. Nesta interpretação do mito de Édipo, o filme explora a questão da culpa, do destino, do livre-arbítrio num contexto desviante do Japão do pós-guerra, repleto de sentimentos de amargura, humilhação e responsabilidade histórica. FUNERAL PARADE OF ROSES é apresentado pela primeira vez na Cinemateca e será projetado em cópia digital recentemente restaurada.

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24/10/2025, 19h30 | Sala Luís de Pina
Malamor / Tainted Love: Realizadores Convidados: João Pedro Rodrigues E João Rui Guerra Da Mata

em colaboração com a BoCA Bienal de Artes Contemporâneas
Le Sang des Bêtes | Potemkin Steps | Vestida de Azul
LE SANG DES BÊTES
de Georges Franju
França, 1949 – 22 min / legendados eletronicamente em português

POTEMKIN STEPS
de João Pedro Rodrigues
Portugal, 2019 – 3 min / sem diálogos

VESTIDA DE AZUL
de Antonio Giménez-Rico
Espanha, 1983 – 98 min / legendado eletronicamente em português, english subtitles

duração total da projeção: 123 min | M/12
Dois filmes sobre as agruras da carne. As imagens de LE SANG DES BÊTES, algumas das mais desconcertantes da história do cinema, foram rodadas no matadouro de Paris por Georges Franju de forma particularmente clínica. O grotesco e o macabro revelam-se, aos poucos, como alegoria do holocausto que, em 1949, se tornava do conhecimento geral. Por sua vez, VESTIDA DE AZUL é um documentário encenado sobre a vida de seis mulheres trans no arranque dos anos 1980. Ela são prostitutas perseguidas pela polícia e o realizador Antonio Giménez-Rico dá-lhes espaço para conversar e, à volta de uma mesa, elas contam-nos as suas vidas, as suas histórias, os seus sonhos e fantasias. Um clássico do cinema queer espanhol, onde a vida destas mulheres é apresentada com toda as suas vitórias e desaires. Entre um filme e outro, a resposta de João Pedro Rodrigues a um desafio da sua distribuidora norte-americana, Strand Releasing, aquando do seu 30.º aniversário. Depois da invasão da Crimeia, e antes da segunda fase da Guerra da Ucrânia, o realizador visitou a enorme escadaria do Primorsky Boulevard, em Odessa. Aquela que Sergei Eisenstein filmou em O COURAÇADO POTEMKIN. A iconografia do passado ganha contornos de premonição através do recurso de filmagens com drone. POTEMKIN STEPS e VESTIDA DE AZUL são apresentados pela primeira vez na Cinemateca. VESTIDA DE AZUL será projetado em nova cópia digital recentemente restaurada.

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27/10/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Malamor / Tainted Love: Realizadores Convidados: João Pedro Rodrigues E João Rui Guerra Da Mata

em colaboração com a BoCA Bienal de Artes Contemporâneas
Das Kleine Chaos | Der Standtstreicher | Deutschland Im Herbst [1º segmento] | Wie Ein Vogel Auf Dem Draht
DAS KLEINE CHAOS
“O pequeno caos”
Alemanha, 1966 – 9 min

DER STADTSTREICHER
“O vagabundo”
Alemanha, 1966 – 11 min

DEUTSCHLAND IM HERBST [1.º Segmento]
Alemanha no outono
Alemanha, 1977/78 – 26 min

WIE EIN VOGEL AUF DEM DRAHT
“Como um pássaro no arame”
Alemanha, 1975 – 44 min

de Rainer Werner Fassbinder
legendados eletronicamente em português
duração total da projeção: 90 min | M/12
A abundância da obra de Fassbinder resultou numa grande variedade de formas. Nesta sessão apresentam-se as suas duas primeiras curtas--metragens (DAS KLEINE CHAOS, sobre um grupo de jovens que se iniciam na vida do crime, e DER STADTSTREICHER, sobre um sem-abrigo que descobre uma arma), o segmento que realizou para o filme coletivo ALEMANHA NO OUTONO e ainda o um programa de televisão realizado com Brigitte Mira, a protagonista de O MEDO COME A ALMA. Mira fora artista de cabaret e aqui canta canções dos anos 40, intercaladas com momentos de conversa. Os cenários incluem réplicas irónicas de espaços de GENTLEMEN PREFER BLONDES. Em relação ao filme coletivo, há que recordar que, no Outono de 1977 a República Federal da Alemanha viveu uma gravíssima crise política: a Fração do Exército Vermelho raptou Hans-Martin Schleyer e desviou dois aviões para obter a libertação dos seus membros. A resposta do Estado foi brutal e resultou no duvidoso suicídio dos líderes da RAF. A quente, um grupo de cineastas, entre os quais Kluge, Fassbinder e Reitz, decidiu fazer um filme em episódios. No seu segmento, Fassbinder convoca a sua mãe, a ex-mulher Ingrid Caven e o namorado Armin Meier para discutirem o caso do alegado suicídio Andreas Baader, Gudrun Ensslin e Jan-Carl Raspe.

consulte a FOLHA de DAS KLEINE CHAOS e DER STADTSTREICHER

consulte a FOLHA de DEUTSCHLAND IM HERBST e WIE EIN VOGEL AUF DEM DRAHT aqui

 
28/10/2025, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Malamor / Tainted Love: Realizadores Convidados: João Pedro Rodrigues E João Rui Guerra Da Mata

em colaboração com a BoCA Bienal de Artes Contemporâneas
O Pastor | Pampa Salvaje
O PASTOR
de João Pedro Rodrigues
Portugal, 1988 – 7 min

PAMPA SALVAJE
de Hugo Fregonese
com Robert Taylor, Ron Randell, Marc Lawrence
Espanha, Argentina, EUA, 1967 – 112 min

legendado eletronicamente em português
Duração total da projeção: 119 min | M/12
O argentino Hugo Fregonese iniciou a sua carreira como realizador no seu país natal no início dos anos 1940, mas o seu talento foi rapidamente importado para Hollywood, onde se destacou pelos seus westerns (APACHE DRUMS, THE RAID). Com a decadência do sistema de estúdios, Fregonese passa pela Europa, no início dos anos 1960, e regressa à sua Argentina com PAMPA SALVAJE (ainda que grande parte tenha sido rodada em Espanha), assinando um remake daquele que havia sido o seu primeiro filme, de 1945. Filmado em 70mm, este épico paisagístico é protagonizado por Robert Taylor, um capitão do exército argentino que vê os seus homens desertarem para os grupos de guerrilheiros ameríndios. A sessão é antecedida por O PASTOR, exercício de formatura de João Pedro Rodrigues no Conservatório de Cinema. Eis o retrato de um velho pastor onde os temas da velhice e do choque entre gerações são abordados elipticamente no corpo prostrado de um homem.

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