CICLO
À Pala de Camões


 
O professor e escritor Hélder Macedo, no documentário de Renata Sancho intitulado simplesmente LUÍS DE CAMÕES, realizado no âmbito do concurso “Os Grandes Portugueses” e que integra este Ciclo, começa por defender que o poeta “tem sido usado, ao longo dos séculos, para simbolizar as mais contraditórias ideologias: a fé, o império, a República, a ditadura de Salazar, as guerras coloniais, e agora até a nossa atual democracia – o que sempre é melhor”. O investigador serve-se disto para afirmar que, independentemente de toda a ganga ideológica com que se procurou recobrir Camões, este é – a seu ver – “o pioneiro da moderna consciência universalista” acrescentando que “na obra de Camões há uma conceção globalista do mundo, baseada no encontro entre diferenças.” Assim, como entender Camões no ano em que comemoram os 500 anos do seu nascimento? A resposta talvez esteja na dialética proposta por Jorge de Sena, um dos maiores camonianos do século XX. Diz o escritor, no programa da série “A Ideia e a Imagem”, emitido a 10 de junho de 1977 na RTP (e igualmente incluído neste Ciclo), que “para ler qualquer autor que não é contemporâneo há que colocá-lo na sua perspetiva histórica sem distorcer aquilo que ele podia ser na época em que viveu e, embora possa parecer uma contradição (porque todo o conhecimento literário é dialético), há que lê-lo [também] com os olhos de hoje, como se ele fosse nosso contemporâneo. (…) [E, de facto,] Camões é um autor contemporâneo!”
Assim, no contexto das Celebrações dos 500 Anos do Nascimento de Luís Vaz de Camões, a Cinemateca Portuguesa apresenta uma mostra onde se procura interrogar a forma como a vida e obra do poeta foi sendo representada pelo cinema. Apropriado pela propaganda do regime fascista, a maioria dos filmes desse período retratam Camões ou a sua épica através de um ponto de vista nacionalista: cujo epíteto é CAMÕES (1946), de Leitão de Barros, filme considerado de “interesse nacional” pelo Estado Novo. A historiografia moderna e os estudos literários contemporâneos têm, no entanto, procurado rever e revisitar um Camões que já não é o Camões das estátuas, das efemérides e das coroas de louros, um Camões de carne e osso (tão devoto quanto devasso), longe daquilo que “a ‘pudicisse’ oficial tem procurado neutralizar” (citando e parafraseando de novo Macedo). Essa reformulação da mitologia está bem patente no cinema que se realizou em Portugal a partir do início da década de 1970 e, em particular, após a Revolução de Abril.
Dois cineastas portugueses destacam-se de entre o arvoredo cinematográfico de adaptações e inspirações camonianas: Manoel de Oliveira e Paulo Rocha. Ambos regressaram, uma e outra vez, à épica e à lírica de Camões. Fizeram do texto camoniano um ponto de partida para sortilégios corais compostos a partir de colagens de diversos textos e personagens. Oliveira inaugurou essa relação, em forma de esboço, com LISBOA CULTURAL, sendo que mais tarde fez o seu contra-épico há muito adiado NON OU A VÃ GLÓRIA DE MANDAR. Por fim, não foi certamente por acaso que o realizador encerrou a sua filmografia com um filme onde o próprio cineasta se identifica com uma das figuras camonianas tutelares da nacionalidade, O VELHO DO RESTELO. Quanto a Rocha, o vínculo é ainda mais antigo e remonta a 1971, com POUSADA DAS CHAGAS – outro filme-colagem onde a obra de Camões se cruza e dialoga com a de vários outros escritores. Depois, além da sua ILHA DOS AMORES – cujo vínculo camoniano é mais alusivo do que outra coisa – surge ainda CAMÕES – TANTA GUERRA, TANTO ENGANO, a partir da encenação de Silvina Pereira.
Além destes, outros realizadores como João César Monteiro, Jorge Cramez (através de Jorge de Sena), António Escudeiro, Miguel e João Manso, João Lopes, Gabriel Abrantes, Helena Estrela ou Sofia Marques reinterpretaram a obra e a figura de Luís Vaz de Camões, muitas vezes a partir de uma perspetiva crítica ou satírica. César Monteiro viu em Camões o erótico, Cramez viu nele a desilusão, Escudeiro procurou a expressão universalista, os irmãos Manso assumiram a épica aventureira, Lopes entendeu-o à luz das metamorfoses, Abrantes elogiou a escatologia, Estrela deleitou-se com o seu romantismo e a Marques interessou-lhe o trabalho do ator sobre o texto. Mas não só de cinema português se faz este ciclo. Apresenta-se aqui igualmente uma sessão composta por dois filmes de produção brasileira: um filme do pioneiro Humberto Mauro e outro do marginal Júlio Bressane.
O Ciclo À Pala de Camões propõe um percurso multifacetado por todos estes pontos de vista, contrariando uma visão hagiográfica ou mitificadas do poeta e da sua ressonância cultural ao longo do século XX e XXI. De modo a refletir e desenvolver sobre esse imaginário especificamente cinematográfico, no dia 6 de junho organiza-se uma conversa a decorrer na Biblioteca Nacional em que se discutirá de que forma e através de que estratégias o cinema foi trabalhando a obra e a figura de Luís Vaz de Camões.
 
 
02/06/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo À Pala de Camões

Bela Mandil | Travessia - Viagem À Memória Do Tempo
 
03/06/2025, 18h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo À Pala de Camões

Entrevista Histórica: Luís Vaz de Camões | Camões - Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente
04/06/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo À Pala de Camões

Camões | Entrega de um Busto de Luís de Camões | Luís de Camões | Taprobana
05/06/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo À Pala de Camões

8816 Versos
de Sofia Marques
Portugal, 2012-13 - 78 min
06/06/2025, 22h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo À Pala de Camões

Pousada Das Chagas - Uma Representação Sobre o Museu de Óbidos | Lisboa Cultural
02/06/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
À Pala de Camões

Em colaboração com a Estrutura de Missão para as Comemorações do V Centenário dos Nascimento de Luís de Camões, a Biblioteca Nacional de Portugal e a Associação Portuguesa de Escritores
Bela Mandil | Travessia - Viagem À Memória Do Tempo
sessão com apresentação
BELA MANDIL
de Helena Estrela
com Mauro Soares, Ângela Ramos
Portugal, 2018 – 18 min / legendado em inglês

TRAVESSIA - VIAGEM À MEMÓRIA DO TEMPO
de António Escudeiro
Portugal, 1983 – 70 min / legendado em inglês

Duração total da projeção: 88 min | M/12

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Inspirado numa lenda algarvia sobre um amor proibido, BELA MANDIL segue o percurso de dois amantes de outros tempos, que vagueiam por uma vila piscatória algarvia. Adaptando textos de Almeida Garrett e Luís Vaz de Camões, o filme alterna as declamações líricas do casal com um olhar documental sobre os pescadores. A partir deste retrato romântico à beira-mar, embarcamos numa viagem por cinco continentes. António Escudeiro realizou TRAVESSIA no âmbito da XVII Exposição Europeia de Arte Ciência e Cultura, mas este filme está muito de longe de ser uma simples encomenda. Filmado ao longo de dois anos (entre setembro de 1981 e junho de 1983), o realizador e diretor de fotografia viajou um pouco por todos os países onde – de algum modo – se pode identificar a presença da língua portuguesa: Brasil, Dubai, Índia, Sri Lanka, Malásia, Tailândia, Japão, China, Macau, Marrocos, Senegal, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Nigéria, Zaire, Quénia e Moçambique. E as imagens que recolheu dessa viagem são emparelhadas com excertos literários de grandes autores lusófonos, entre eles Gedeão, Baptista Bastos, Drumond, Pessoa, Mendes Pinto, Sena, Sophia e, claro, Camões. Construído como um deslumbrante filme-colagem, TRAVESSIA é do mesmíssimo ano de SANS SOLEIL, de Chris Marker, e essa não é a sua única coincidência. BELA MANDIL é apresentado pela primeira vez na Cinemateca.

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03/06/2025, 18h30 | Sala M. Félix Ribeiro
À Pala de Camões

Em colaboração com a Estrutura de Missão para as Comemorações do V Centenário dos Nascimento de Luís de Camões, a Biblioteca Nacional de Portugal e a Associação Portuguesa de Escritores
Entrevista Histórica: Luís Vaz de Camões | Camões - Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente
Sessão apresentada por Luís Machado
 
ENTREVISTA HISTÓRICA: LUÍS VAZ DE CAMÕES
de/com Herman José
Portugal, 1994 – 16 min

CAMÕES - ERROS MEUS, MÁ FORTUNA, AMOR ARDENTE
de José Leitão de Barros
com António Vilar, Eunice Muñoz, Vasco Santana, João Vilaret, Carmen Dolores
Portugal, 1946 – 112 min / legendado em inglês

Duração total da projeção: 128 min | M/12

CAMÕES foi o filme mais caro produzido em Portugal até à data da sua estreia, considerado pelo Governo Português, por despacho especial, como de “interesse nacional”. É, como tal, a hagiografia do poeta segundo as intenções ideológicas do Estado Novo. Retrata a tempestuosa existência errante de Luís Vaz de Camões, desde os tempos irreverentes em Coimbra (1542) aos amores contrariados, como guerreiro da "má fortuna", até ao declínio inglório, acompanhando a decadência do fausto renascentista e da pátria imperial. Foi, naturalmente, o filme escolhido pelo Secretariado de Propaganda pata representar Portugal no primeiro Festival de Cannes. Por ter tornado Camões num ícone – através da interpretação de António Vilar – e por ter inscrito no imaginário português do século XX uma certa representação do poeta, CAMÕES tornou-se – direta ou indiretamente – alvo das mais diversas paródias. A sessão arranca com um sketch de Herman José do programa “Parabéns” em que o humorista claramente satiriza a versão de António Vilar.

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04/06/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
À Pala de Camões

Em colaboração com a Estrutura de Missão para as Comemorações do V Centenário dos Nascimento de Luís de Camões, a Biblioteca Nacional de Portugal e a Associação Portuguesa de Escritores
Camões | Entrega de um Busto de Luís de Camões | Luís de Camões | Taprobana
com a presença de Renata Sancho
CAMÕES
de Manuel Faria de Almeida
Portugal, 1966 – 13 min

ENTREGA DE UM BUSTO DE LUÍS DE CAMÕES
de António Campos
Portugal, 1968 – 3 min

LUÍS DE CAMÕES
de Renata Sancho
com/por Hélder Macedo
Portugal, 2007 – 40 min

TAPROBANA
de Gabriel Abrantes
com Jani Zhao, Natxo Checa, João Pedro Vale, Alexandre Melo
Portugal, 2014 – 23 min

Duração total da projeção: 80 minutos | M/12


Uma sessão de curtas que procura questionar o mito e humanizar o poeta. Um “processo de desconstrução”, que vai da habitual hagiografia à mais provocadora das representações do homem que deu pelo nome de Luís. Faria de Almeida, um ano depois de este ter visto o seu CATEMBE completamente esquartejado pela Censura, recebeu uma encomenda do Ministério da Educação Nacional que lhe pediu um “material pedagógico” sobre a vida e obra do poeta. Embora instrumental, CAMÕES revela – através das poucas imagens exteriores – o mesmo fascínio solar que caracteriza o cinema de Faria de Almeida. Também António Campos parte de uma encomenda, da Fundação Calouste Gulbenkian, e transforma uma “cerimónia solene” numa análise etnográfica da socialite parisiense. Por fim, dois filmes recentes que procuram, ativamente, rever e reescrever a imagem de Camões: Renata Sancho realizou para a RTP, no âmbito do concurso “Grande Portugueses”, um documentário guiado pelo professor Hélder Macedo que atualiza e contemporiza a figura do poeta à luz do século XXI; e Gabriel Abrantes assina uma comédia escatológica que acompanha a lua-de-mel do poeta Luís Vaz de Camões com Ti-nan-men, uma chinesa por quem se apaixonou, no Oriente, quando escreveu Os Lusíadas. Dois filmes revêem o poeta enquanto figura carnal, tão erótico quanto violento, tão heroico quanto burlesco. Com exceção de CAMÕES, os demais filmes são apresentados pela primeira vez na Cinemateca.

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05/06/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
À Pala de Camões

Em colaboração com a Estrutura de Missão para as Comemorações do V Centenário dos Nascimento de Luís de Camões, a Biblioteca Nacional de Portugal e a Associação Portuguesa de Escritores
8816 Versos
de Sofia Marques
com António Fonseca
Portugal, 2012-13 - 78 min
legendado em inglês | M/12
com a presença de Sofia Marques e António Fonseca
É dito que Camões terá demorado vinte anos a escrever os 8816 versos que compõem Os Lusíadas.
António Fonseca dedicou quatro anos da sua vida a torná-los seus. O ator resolveu abraçar um projeto inusitado: decorar integralmente Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões. Desde 2008 que trabalha nesse projeto de exaustiva memorização e tudo culminou numa apresentação pública integral da obra no dia 10 de Junho de 2012, na Guimarães Capital Europeia da Cultura – apresentação essa que demorou 14 horas. Este documentário, da realizadora e também atriz Sofia Marques, acompanha o ano que antecede essa apresentação final. No passado dia 3 de maio de 2025, António Fonseca apresentou pela última vez “a falação integral da obra de Luís de Camões, verso a verso, estrofe a estrofe, canto a canto”, numa programação do Teatro D. Maria II no Mosteiro dos Jerónimos.

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06/06/2025, 22h00 | Sala M. Félix Ribeiro
À Pala de Camões

Em colaboração com a Estrutura de Missão para as Comemorações do V Centenário dos Nascimento de Luís de Camões, a Biblioteca Nacional de Portugal e a Associação Portuguesa de Escritores
Pousada Das Chagas - Uma Representação Sobre o Museu de Óbidos | Lisboa Cultural
POUSADA DAS CHAGAS – UMA REPRESENTAÇÃO SOBRE O MUSEU DE ÓBIDOS
de Paulo Rocha
com Clara Joana, Luís Miguel Cintra
Portugal, 1971 – 17 min

LISBOA CULTURAL
de Manoel de Oliveira
Portugal, França, 1983 – 61 min

Duração total da projeção: 78 min | M/12

Dois filmes-encomenda, dois filmes colagem, dois filmes histórico-literários, dois filmes paradigmáticos das obras dos respetivos realizadores. Encomendado pela Fundação Gulbenkian a Paulo Rocha, filmado já depois do início das viagens ao Japão, POUSADA DAS CHAGAS baseia-se em textos de Camões, Pessoa, Garcia Lorca, Rimbaud, Mário Cesariny, Lao Tzu, Tao Chien, Mumon, e é fulgurantemente interpretado por Luis Miguel Cintra e Clara Joana. "A ILHA [DOS AMORES] e a POUSADA são filmes ópera, neo-kabuki (...) numa estética de excesso (…) [que] tenta refundir fragmentos de um mundo fraturado" (Paulo Rocha). Já LISBOA CULTURAL, integrado na série documental “Capitais Culturais da Europa”, não é um documentário sobre Lisboa, é uma reflexão sobre o discurso cultural de Lisboa que conta com as participações de Eduardo Lourenço, Diogo Dória, Maria Barroso, José Azeredo Perdigão, José-Augusto França ou Eduardo Prado Coelho, que, por sua vez, evocam Camões, Pessoa, Fernão Lopes, Nuno Gonçalves, entre muitos outros escritores, criadores, pensadores, artes e correntes de pensamento associados à capital.  

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