CICLO
Teuvo Tulio – Os “Melodramas Profundos e Absurdos”


“Os melodramas de Teuvo Tulio inscrevem-se na grande tradição operática, são tão profundos como absurdos.” A frase é de Peter von Bagh, a quem a Cinemateca deve a sugestão da apre-sentação da obra do seminal cineasta finlandês, “mestre no domínio dos códigos do melodra-ma”. Foi Peter von Bagh, em dupla com Aki Kaurismaki, quem mostrou o primeiro filme de Tulio na Cinemateca, “COMO TU ME DESEJASTE”, numa carta branca partilhada em 2005, o mesmo ano em que, no rasto dessa projeção, aqui se viu “A CANÇÃO DA FLOR ESCARLATE”. No mês em que a programação celebra o cinema de Peter von Bagh, com a apresentação da retrospetiva “O Último dos Loucos – Homenagem a Peter von Bagh”, programam-se seis filmes de Tulio reveladores dessa obra melodramática feita de excessos, extravagâncias, profundezas e absurdos.
Nascido na Rússia, chegado a Helsínquia aos dez anos e mais tarde tornado cidadão finlan-dês, Teuvo Tulio (1912-2000), foi um muito popular ator do cinema mudo, conhecido como “o Valentino finlandês”. Foi em 1936 que se estreou na produção e realização, com TAISTELU HEIKKILAN TALOSTA /”LUTA PELA CASA DE HEIKKILA”, com Regina Linnanheimo, que seria sua companheira, atriz e colaboradora (na escrita de argumentos). Esta primeira obra é um dos títulos “desaparecidos” dos dezasseis filmes realizados por Tulio entre os anos trinta e 1973 (SENSUELA), todos eles melodramas, exceção feita a uma comédia (VIHTORI JA KLAARA, 39). Notou Peter von Bagh: trabalhando os códigos do melodrama no quadro de um espírito tradicionalmente finlandês, a obra de Tulio divide-se em dois grandes períodos, o dos anos trinta anteriores à Segunda Guerra (onde Tulio serviu como operador de câmara), marcado pela influência do cinema checo seu contemporâneo, e os que a partir de 1944 são feitos sob a sua sombra e ressaca, também acompanhando a passagem da Finlândia rural para uma sociedade urbana. No primeiro caso há um maior idealismo e presença da natureza ocupando a cidade o lugar do pecado; os mais negros filmes da “segunda fase” acompanham uma migração para a cidade e deles destila uma profunda sensação de perda. Marcadamente eróticos, são todos eles (ou quase todos eles), variações sobre o mesmo tema da rapariga jovem e inocente que vive um primeiro grande amor e é traída pela crueza da vida na impossibilidade da felicidade. É uma obra feita de recorrências narrativas mas também visuais (há mesmo excertos de filmes que passam de uns filmes para os outros, sobretudo a partir de “MULHER CRIMINOSA”, 1952), o que também se terá devido ao facto de Tulio assumir o papel de produtor independente cujos poucos recursos não refreavam a persistência em filmar), e até “repetições maníacas”, outra expressão de von Bagh, que notava nos seus filmes uma certa falta de polimento que fazia deles “diamantes em bruto”. A estranheza de Tulio, que o crítico sueco Hans Kutter de-signou o “pássaro selvagem” do cinema finlandês, terá levado da popularidade ao declínio e durante muitas décadas ao esquecimento na própria Finlândia. A obra foi resgatada nos anos oitenta pela ação de defensores como os irmãos Kaurismaki, e já neste milénio, na sequência do restauro dos seus filmes sobreviventes pelo arquivo finlandês, começou a circular um pouco por todo o lado. “Os filmes de Tulio nunca foram tão importantes como agora” disse por essa altura Peter von Bagh.
 

 
22/07/2015, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Teuvo Tulio – Os “Melodramas Profundos e Absurdos”

OLET MENNYT MINUM VEREENI
“Entraste no Meu Sangue”
de Teuvo Tulio
Finlândia, 1956 - 102 min
 
22/07/2015, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Teuvo Tulio – Os “Melodramas Profundos e Absurdos”
OLET MENNYT MINUM VEREENI
“Entraste no Meu Sangue”
de Teuvo Tulio
com Regina Linnanheimo, Kisti Hurme, Lauri Korpela, Nestori Lampi, Matti Lehtelä, Eero Leväluoma, Ake Lindman
Finlândia, 1956 - 102 min
legendado em francês e eletronicamente em português | M/12

Foi o filme da última colaboração de Linnanheimo e Tulio (também no argumento) e aquele cujo estrondoso fracasso interromperia a sua obra, apenas retomada em SENSUELA, o último, bizarro e garrido filme de Tulio, dezasseis anos posterior a “ENTRASTE NO MEU SANGUE”. Profundamente negro e desesperado, com uma história que parte de um triângulo amoroso para se centrar no alcoolismo. “A bela Linnanheimo interpreta aqui uma mulher que cai progressivamente no alcoolismo e no abandono; a sua atuação recorda as divas do cinema mudo. Foi o seu canto de cisne”, escreveu Edgardo Cozarinsky, que descobriu o cinema de Tulio graças a Peter von Bagh, com a sensação de ter encontrado “um grande cineasta primitivo” pela “paixão e crua energia”. Primeira exibição na Cinemateca.