CICLO
Revisitar os Grandes Géneros: Era Uma Vez... O Western (Parte II)



 
Depois de “o grande combate” (título português do western “tumular” de John Ford, CHEYENNE AUTUMN [1964], realizado em homenagem às nações índias humilhadas e massacradas pelos colonizadores brancos), o género dourado atinge um momento de impasse moral e estético. O cowboy já não é tão heroico como parecia ser antes, quando encarnado por Harry Carey ou John Wayne, o índio parece menos estranho e singularmente violento (era-o menos em filmes dos anos 50, em obras realizadas por Anthony Mann e Samuel Fuller, para citar dois exemplos) e, com o declínio inevitável dos valores do Velho Oeste, enegrece e amarga como nunca antes o tão propalado sonho americano.
No pequeno ecrã, vigoram alguns dos antigos estereótipos e afirma-se o género como cinema de ação ou como entretenimento “para toda a família”. Mas no grande ecrã a visão amadurece, cedendo muitas vezes não tanto ao saudosismo mas, mais intensamente, à melancolia e à solidão. “I’ve had a hell of a good time”, desabafa John Wayne (fala o ator através da sua personagem, um pistoleiro às portas da morte) no seu derradeiro filme, THE SHOOTIST, um longo adeus assinado por Don Siegel, cineasta interessado em reabilitar o género explorando o tema do ocaso e da melancolia, pese embora todo o flare cómico presente em TWO MULES FOR SISTER SARAH.
ULZANA’S RAID é o último western sério assinado por Robert Aldrich (em 1979 encerra a sua longa ligação ao género com a comédia THE FRISCO KID) e personifica, na sua intriga moralmente complexa e no modo violento e cru com que nos enreda na sua teia, um medúsico efeito de espelho com os índios. O quesito filosófico, que acomete um desencantado homem branco interpretado por Burt Lancaster, ator que encarnou vários cowboys na sua carreira (por exemplo, em VERA CRUZ [1954] do mesmo realizador) e pelo menos um índio (exatamente, e de novo, sob direção de Aldrich, em APACHE [1954]), poderia ser: “os selvagens são eles, os selvagens somos nós, e agora?” A épica história de vida ficcionada em LITTLE BIG MAN, de Arthur Penn e com Dustin Hoffman, dá conta do desejo de acertar contas com a História ali, no grande ecrã, “representando o índio debaixo de uma nova luz”, palavras justificativas da própria star da Nova Hollywood (citado em The Western Genre: From Lordsburg to Big Whiskey de John Saunders).
A história do westerner confunde-se com a do índio na sua própria terra: uma personagem em conflito com o seu tempo, um inadaptado que somente se agarra a lembranças ou a lendas pouco credíveis mil vezes contadas e reencenadas. Agora, não se imprime (apenas) a lenda, mas também, ou antes de tudo, a verdade que lhe subjaz. O tom é outonal e o cowboy em cima do seu cavalo é ultrapassado pelo automóvel tal como a lei da bala o é pela dos livros. THE MAN WHO SHOT LIBERTY VALANCE (1962) prenunciara todo este novo quadro, mas não estava só. No mesmo ano do clássico crepuscular de Ford, saiu LONELY ARE THE BRAVE, título do algo esquecido David Miller, com argumento de Dalton Trumbo, em que Kirk Douglas é um misfit do Velho Oeste perfeitamente impotente face a toda uma nova conjuntura social, política e tecnológica.
Mais invernoso do que outonal, o grande western da Nova Hollywood, assinado por Robert Altman, McCABE AND MRS. MILLER, rasga a mitologia de uma ponta à outra, mas ainda há um lastro de lirismo na banda sonora de Leonard Cohen. Richard Sarafian traz uma dimensão religiosa a este luto, a toda a impotência do Homem branco face ao seu passado, assinando o filme telúrico, em que a Natureza é a grande inimiga e o grande santuário, intitulado MAN IN THE WILDERNESS. O western é, agora, um lugar triste, mas belo, ainda que haja espaço para a paródia desconcertante de Mel Brooks, que reúne e faz implodir vários lugares-comuns – sobretudo os mais antigos – em BLAZING SADDLES, ao apontar a pistola da sátira ao racismo entranhado no género e na sociedade americana.
Uma nova forma de ação, visceral, destrutiva e irónica, toma conta do género quando este é alvo de um dos mais espetaculares “roubos de igreja” da história do cinema: o western spaghetti propõe nivelar tudo por via de uma (hiper)estilização, quase sempre irónica, do género, tornando-o operático na sua sujidade intrínseca, entretanto revelada aos americanos e convertida em objeto de exploração, de pilhagem e de (re)colonização por vezes desbragada levada a cabo por  talentosos realizadores italianos. Entre eles, contam-se, de maneira decisiva, os ditos “três Sergios”: Leone, Corbucci e Sollima. O seu cinema transforma a depressão americana em relação ao western – e a uma certa má consciência histórica – num carnaval violento, inquisitivo e revigorante.
A internacionalização (ou “desamericanização”) do western conduzirá a uma segunda vida do género, com repercussões muito interessantes na “casa de partida”. BUTCH CASSIDY AND THE SUNDANCE KID, de George Roy Hill e protagonizada pela popularíssima dupla Paul Newman-Robert Redford, vai beber ao poço de energia que são os filmes italianos. E, neste sentido, compare-se a elegia pós-boetticheriana de Sam Peckinpah, RIDE THE HIGH COUNTRY, com o seu furioso western fronteiriço lançado sete anos depois, THE WILD BUNCH. Como notou Clint Eastwood em entrevista (publicada no catálogo da Cinemateca Clint Eastwood, Um Homem com Passado), ele que foi a maior estrela de cinema americana “inventada” pelo cinema italiano (o eterno “homem sem nome” de Sergio Leone), depois de ter assistido a filmes como IL BUONO, IL BRUTTO, IL CATTIVO, Peckinpah não mais foi o mesmo: “Foi depois de Sergio que decidiu fazer esse tipo de coisas: explorar os efeitos do zoom e do ralenti, de forma muito mais acrobática do que poderia ter feito antes”.
O faroeste, esse lugar perigoso, sujo e feio, mas, afinal, altamente intercambiável, era já só desse país, que desconhece fronteiras, chamado Cinema. DJANGO de Sergio Corbucci, com Franco Nero no principal papel, apeado e carregando um caixão atrás de si, como que converte o género morto num género (de)votado à morte (que, afinal, nem sempre “vem a cavalo”). Mas isto é só o começo, quer dizer, esta história não se fica por aqui: o ciclo dedicado ao western continuará a aprofundar, no mês de Julho, o caminho da sua internacionalização com um miniciclo dedicado ao western spaghetti e uma secção com outras “corruptelas” não-americanas, do Chile a França.
 
 
03/06/2025, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Revisitar os Grandes Géneros: Era Uma Vez... O Western (Parte II)

Ride The High Country
Os Pistoleiros da Noite
de Sam Peckinpah
Estados Unidos, 1962 - 94 min
 
04/06/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Revisitar os Grandes Géneros: Era Uma Vez... O Western (Parte II)

Lonely Are The Brave
Fuga Sem Rumo
de David Miller
Estados Unidos, 1962 - 107 min
05/06/2025, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Revisitar os Grandes Géneros: Era Uma Vez... O Western (Parte II)

Butch Cassidy And The Sundance Kid
Dois Homens e Um Destino
de George Roy Hill
Estados Unidos, 1969 - 110 min
06/06/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Revisitar os Grandes Géneros: Era Uma Vez... O Western (Parte II)

The Wild Bunch
A Quadrilha Selvagem
de Sam Peckinpah
Estados Unidos, 1969 - 134 min
09/06/2025, 16h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Revisitar os Grandes Géneros: Era Uma Vez... O Western (Parte II)

Two Mules For Sister Sara
Os Abutres Têm Fome
de Don Siegel
Estados Unidos, , 1970 - 116 min
03/06/2025, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Revisitar os Grandes Géneros: Era Uma Vez... O Western (Parte II)
Ride The High Country
Os Pistoleiros da Noite
de Sam Peckinpah
com Joel McCrea, Randolph Scott, Mariette Hartley
Estados Unidos, 1962 - 94 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Segundo filme de Peckinpah, RIDE THE HIGH COUNTRY é uma pungente elegia sobre o fim dos velhos pistoleiros, já sem lugar no espaço de que foram reis e senhores: o Oeste agora transformado em mito e simples memória. Por isso, o filme é também outro canto de cisne (que acompanha o de THE MAN WHO SHOT LIBERTY VALANCE) por todo um “género”, que tem a nota mais solene no plano final quando o velho pistoleiro morre, “saindo” do ecrã e deixando apenas a paisagem de árvores de folhas amarelecidas.

A sessão repete no dia 24 às 19h30, na sala Luís de Pina.

consulte a FOLHA da CINEMATECA aqui
 
04/06/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Revisitar os Grandes Géneros: Era Uma Vez... O Western (Parte II)
Lonely Are The Brave
Fuga Sem Rumo
de David Miller
com Kirk Douglas, Gena Rowlands, Walter Matthau
Estados Unidos, 1962 - 107 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Um clássico escondido de David Miller, baseado num romance de Edward Abbey, que é aqui transposto para o grande ecrã pela pena do famoso argumentista Dalton Trumbo. Kirk Douglas, num dos melhores papéis da sua carreira, ao lado de Gena Rowlands e Walter Matthau, interpreta um cowboy contemporâneo que rejeita o mundo moderno e que fará tudo ao seu alcance para libertar um amigo da prisão, mesmo que tenha de enfrentar a sua própria reclusão. Douglas sempre considerou este western elegíaco um dos seus filmes mais conseguidos, tendo-se envolvido na produção como antes fizera em SPARTACUS (também com argumento de Trumbo), adquirindo os direitos da obra de Abbey e influenciando a realização.

A sessão repete no dia 25 às 15h30, na sala M. Félix Ribeiro.

consulte a FOLHA da CINEMATECA aqui.
05/06/2025, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Revisitar os Grandes Géneros: Era Uma Vez... O Western (Parte II)
Butch Cassidy And The Sundance Kid
Dois Homens e Um Destino
de George Roy Hill
com Paul Newman, Robert Redford, Katharine Ross, Henry Jones, Cloris Leachman
Estados Unidos, 1969 - 110 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Um dos filmes mais populares do cinema americano, na viragem dos anos 60 para os 70, tempo de grandes transformações em Hollywood. O filme de George Roy Hill está na encruzilhada entre a nostalgia do clássico que já não podia ser e o desejo do moderno que ainda não consegue ser. Oscar para a fotografia de Conrad Hall. A apresentar em cópia digital.

consulte a FOLHA da CINEMATECA aqui.
06/06/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Revisitar os Grandes Géneros: Era Uma Vez... O Western (Parte II)
The Wild Bunch
A Quadrilha Selvagem
de Sam Peckinpah
com William Holden, Ernest Borgnine, Robert Ryan, Edmond O’Brien, Emilio Fernandez
Estados Unidos, 1969 - 134 min
legendado eletronicamente em português | M/12
THE WILD BUNCH foi um dos filmes que mudaram o cinema no fim da década de sessenta, constituindo um momento de viragem decisivo nos códigos que limitavam a representação da violência. Um western selvagem (realizado num momento em que o género praticamente desaparece nos Estados Unidos, tendo emigrado para a Itália e a Espanha), como o título, onde os últimos heróis (ou anti-heróis) se imolam numa orgia de sangue durante a revolução mexicana. Um dos filmes mais célebres e amados de Sam Peckinpah.

consulte a FOLHA da CINEMATECA aqui.
09/06/2025, 16h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Revisitar os Grandes Géneros: Era Uma Vez... O Western (Parte II)
Two Mules For Sister Sara
Os Abutres Têm Fome
de Don Siegel
com Clint Eastwood, Shirley MacLaine, Manolo Fabregas, Alberto Morin
Estados Unidos, , 1970 - 116 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Western e comédia ambientada no México, com Clint Eastwood (um cowboy) e Shirley MacLaine (uma atraente prostituta mascarada de freira atraente) como par romântico. O CinemaScope e o Technicolor adequam-se à vastidão da paisagem e ao colorido guarda-roupa de MacLaine, seguindo-os na aventurosa vida de pecado que levam até abandonarem o filme, montados em mulas entre laçarotes vermelhos. Foi o segundo Siegel de Eastwood, de volta ao deserto de que COOGAN’S BLUFF o tinha retirado em temporária viagem a Nova Iorque. A história original é de Budd Boetticher. A apresentar em cópia digital.

A sessão repete no dia 20 às 19h30, na sala Luís de Pina.

consulte a FOLHA da CINEMATECA aqui