CICLO
Binka Jeliaskova: A Luta É Um Murmúrio


“Fazer cinema é uma forma de confissão. Enquanto realizadora, não acredito que tenha uma missão, porém, apesar de todas as dificuldades, fazer cinema dá-me uma satisfação total. Talvez possa parecer estranho, mas ainda hoje, quando me sento para decidir um enquadramento, fico imensamente entusiasmada. Talvez isso possa irritar o operador de câmara ou os atores. Mas o certo é que me deixo levar pela pura excitação intelectual, uma vez que cada escolha de plano me confronta com algo desconhecido – algo estimulante que aguarda ser descoberto.”
 
A obra de Binka Jeliaskova revela todo o entusiasmo da criação. O seu cinema floresce no prazer da construção narrativa (a desmultiplicação de personagens, o espírito coral, o panorama sociológico), na força dos símbolos (as mãos em chamas de um revolucionário, um balão oracular, uma piscina sem água, uma foice que não corta a corda da forca) e na violência das parábolas (a transformação em estátua do herói, o apagar da luz da esperança, a sacralização de um burro de ouro, o trabalho de parto no corredor da morte, o salto para água com vestido de gala, o ritual suicidário do próprio cinema). Composta por apenas nove longas-metragens (seis ficções, dois documentários e um telefilme – das quais quatro foram proibidas pelo regime soviético), a sua filmografia abre um rasgo fulgurante na história do cinema moderno.
Estreando-se ainda no final da década 1950, com “A VIDA PASSA CALMAMENTE...”, o percurso de Binka Jeliaskova faz a travessia do realismo social e psicológico do pós-guerra para as ambiguidades da alegoria do novo individualismo materialista. Esse primeiro filme é o único correalizado com o seu marido, Hristo Ganev (autor da maior parte dos argumentos dos filmes da realizadora), sendo que o casal veio a Portugal em 1974, logo após o 25 de Abril, para a rodagem do documentário “PROCUREM EM P”. Assinado apenas por Ganev, aí propõe-se um retrato tão esperançoso quanto tímido da “revolução socialista em curso” (o filme foi exibido na Cinemateca, no passado mês de abril, no âmbito do Ciclo “Portugal 1974 – um sítio que não existe, um tempo que verdadeiramente existiu”, dedicado aos “olhares estrangeiros” sobre a revolução).
A referida travessia que o cinema de Binka Jeliaskova descreve (entre os anos 50 e o fim dos 80) pode entender-se a partir de três trípticos (que formam o políptico – e o político – da sua obra): a Trilogia da Resistência, composta pelos seus primeiros filmes em preto e branco, sobre histórias de resistência (antifascista, nos primeiros títulos, anti-autoritarismo no terceiro); a Trilogia do Cárcere, dedicada às prisões femininas, primeiro na ficção, com A SUA ÚLTIMA PALAVRA (sobre um campo de concentração nazi onde seis mulheres aguardam a condenação à morte), e depois com dois documentários dedicados à cadeia de Sliven; e, por fim, a Trilogia do Silêncio, sobre os temas do conformismo e da individualidade, retratados a partir da figura alternada de uma protagonista que percorre os últimos filmes da realizadora (oscilando de características, mas preservando o corpo da atriz Yanina Kasheva, nos dois primeiros filmes, ou polarizando-se e invertendo-se no derradeiro filme televisivo, “PELOS TELHADOS, À NOITE”).
Pioneira do cinema búlgaro, mulher engajada (enquanto realizadora e, antes disso, enquanto resistente partisan antifascista) e cineasta maior, Binka Jeliaskova desenvolveu um universo estético complexo e matizado, onde o idealismo romântico se alia à sátira política. Longamente esquecida e invisibilizada (o seu primeiro filme foi proibido por mais de três décadas, mas após a Queda do Muro foi acusada de continuar fiel aos ideais comunistas – o que garantiu o fim da sua carreira em 1989), a retrospectiva “Binka Jeliaskova: A luta é um murmúrio” é apenas a segunda mostra integral realizada fora da Bulgária. A apresentar inteiramente em cópias de 35mm (provenientes do Bulgarian National Film Archive), esta é uma oportunidade para descobrir a filmografia completa de “uma cineasta altamente imaginativa” (para citar o crítico e realizador Mark Cousins, autor de WOMEN MAKE FILM, que deu a Jeliaskova as honras de abertura do seu monumental filme de 14 horas dedicado à história do cinema feito por mulheres). As primeiras sessões do ciclo (nos dias 2 e 3 de maio) serão acompanhadas por Svetlana Ganeva, a filha de Binka Jeliaskova e Hristo Ganev, importante diretora de fotografia búlgara e responsável pela recuperação recente da obra da mãe. Todos os filmes são apresentados pela primeira vez na Cinemateca, com excepção de “ÉRAMOS JOVENS”, que integrou o ciclo “O Moderno Cinema da Bulgária: Diálogos com o Passado”, realizado no passado mês de outubro. A acompanhar o ciclo, a Cinemateca publica um novo número da coleção “Cadernos da Cinemateca” dedicado à obra da realizadora, onde se incluem traduções de entrevistas da realizadora e artigos sobre os seus filmes (textos traduzidos pela primeira vez do búlgaro), ensaios e textos críticos da autoria de Savina Petkova e Ricardo Vieira Lisboa (coordenador da publicação) assim como a republicação de textos de Lauro António, Eduardo Prado Coelho e José de Matos-Cruz, escritos aquando da exibição dos primeiros filmes de Binka Jeliaskova nas Semanas do Cinema Búlgaro realizadas em Lisboa entre 1975 e 1981.
 
 
02/05/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Binka Jeliaskova: A Luta É Um Murmúrio

Zhivotut Si Teche Tiho...
“A Vida Passa Calmamente...”
de Binka Jeliaskova, Hristo Ganev
Bulgária, 1957-1988 - 104 min
 
02/05/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Binka Jeliaskova: A Luta É Um Murmúrio

A Byahme Mladi
“Éramos Jovens”
de Binka Jeliaskova
Bulgária, 1961 - 110 min
03/05/2025, 17h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Binka Jeliaskova: A Luta É Um Murmúrio

Privarzaniyat Balon
“O Balão Cativo”
de Binka Jeliaskova
Bulgária, 1967 - 98 min
03/05/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Binka Jeliaskova: A Luta É Um Murmúrio

Poslednata Duma
A Sua Última Palavra
de Binka Jeliaskova
Bulgária, 1973 - 118 min
05/05/2025, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Binka Jeliaskova: A Luta É Um Murmúrio

Baseynat
"A Piscina"
de Binka Jeliaskova
Bulgária, 1977 - 148 min
02/05/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Binka Jeliaskova: A Luta É Um Murmúrio

A Cinemateca com o Indielisboa
Zhivotut Si Teche Tiho...
“A Vida Passa Calmamente...”
de Binka Jeliaskova, Hristo Ganev
com Bogomil Simeonov, Georgi Georgiev-Getz, Emilia Radeva
Bulgária, 1957-1988 - 104 min
legendado eletronicamente em português e inglês | M/12
Com a presença de Svetlana Ganeva
O primeiro filme de Binka Jeliaskova foi corealizado com o seu marido, Hristo Ganev (argumentista de quase todos os filmes da realizadora), e inspira-se na própria experiência do casal enquanto resistentes partisan, fervorosos defensores do projeto comunista e, depois, artistas dissidentes e desiludidos com a corrupção do novo regime soviético. A VIDA PASSA CALMAMENTE… retrata a evolução das cumplicidades que se estabelecem entre um grupo de jovens revolucionários, após a morte heroica de um dos seus camaradas num confronto com o exército nazi. Dez anos depois da guerra, um dos sobreviventes torna-se membro do parlamento e decide homenagear o amigo morto, erguendo-lhe uma estátua. Só que essa não é a prioridade, quando o desemprego e a pobreza grassam. Ao ver-se criticado por alguns dos seus antigos irmãos de armas, inicia uma purga. O comité central do Partido Comunista Búlgaro acusou o filme de “denegrir a memória dos partisan”, banindo-o durante 33 anos (daí que só tenha sido visto em 1988). Apesar de invisibilizado, o filme antecipa os filmes de protesto polacos e o cinema da Nova Vaga Checa sendo, provavelmente, o primeiro filme do Bloco de Leste a expor o totalitarismo estatal e a retratar a falência do ideal comunista. Primeira exibição na Cinemateca.

A sessão repete no dia 6 às 15h30, na sala M. Félix Ribeiro.

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02/05/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Binka Jeliaskova: A Luta É Um Murmúrio

A Cinemateca com o Indielisboa
A Byahme Mladi
“Éramos Jovens”
de Binka Jeliaskova
com Dimitar Buynozov, Rumyana Karabelova, Lyudmila Cheshmedzhieva
Bulgária, 1961 - 110 min
legendado em inglês e eletronicamente em português | M/12
Com a presença de Svetlana Ganeva
ÉRAMOS JOVENS é a primeira longa-metragem que Binka Jeliaskova realiza a solo, uma história trágica de amor plenamente imersa no contexto histórico da Segunda Guerra Mundial, numa Bulgária sob ocupação nazi. Baseado na história de vida da realizadora e do seu marido (autor do argumento do filme), mostra, num estilo cinematográfico extraordinariamente expressivo, a realidade dos resistentes partisan, lutando mas não esquecendo de amar perante o avanço das tropas invasoras. Veska, uma adolescente politizada, junta-se a um grupo clandestino, onde conhece Dimo, um jovem revolucionário. Dimo e Veska lutam pela sua pátria e pelo seu amor, num clima de grande desconfiança, inclusive entre “camaradas de armas”, e face a um futuro incerto. Venceu o prémio principal do Festival de Moscovo e foi um sucesso popular retumbante, tendo sido visto pela maioria dos búlgaros aquando da sua primeira passagem pelas salas. É considerado o primeiro filme búlgaro realizado por uma mulher e teve as honras de abertura da monumental série de Mark Cousins, WOMEN MAKE FILM. 

A sessão repete no dia 7 às 15h30, na sala M. Félix Ribeiro.

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03/05/2025, 17h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Binka Jeliaskova: A Luta É Um Murmúrio

A Cinemateca com o Indielisboa
Privarzaniyat Balon
“O Balão Cativo”
de Binka Jeliaskova
com Georgi Kaloyanchev, Grigor Vachkov, Ivan Bratanov
Bulgária, 1967 - 98 min
legendado em inglês e eletronicamente em português | M/12
Com a presença de Svetlana Ganeva
Um enorme balão-barragem aparece nos céus de uma pequena aldeia do interior rural da Bulgária. Os camponeses tentam amarrar o mastodonte flutuante, sem sucesso. O vento sopra e o enorme balão segue viagem. Atemorizados por aquela estranha criatura, os aldeãos iniciam uma perseguição que vai aumentando à medida que o balão vai cruzando as aldeias vizinhas. Os camponeses lançam todo o tipo de especulações sobre aquele objeto extravagante, tão belo e tão livre. Em contrapartida, o próprio balão, do alto da atmosfera, comenta a pequenez e a ignorância da humanidade. A alegoria política foi entendida pelo Partido Comunista Búlgaro como “um ataque vicioso” à autoridade do estado (em particular por causa de uma cena com um burro) e o filme foi banido de todos os ecrãs (no país e no estrangeiro, mesmo quando já existiam contratos de distribuição para a Europa e EUA). Segundo a crítica Neda Stanimirova, trata-se de um filme “que faz a transição entre o moderno e o pós-moderno. Um filme que, em grande medida, antecipa o temperamento balcânico de Emir Kusturica – entre o grotesco e o trágico, o carnavalesco e o absurdo.” Primeira exibição na Cinemateca.

A sessão repete no dia 8 às 15h30, na sala M. Félix Ribeiro.

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03/05/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Binka Jeliaskova: A Luta É Um Murmúrio

A Cinemateca com o Indielisboa
Poslednata Duma
A Sua Última Palavra
de Binka Jeliaskova
com Iana Guirova, Tzvetana Maneva, Aneta Petrovska
Bulgária, 1973 - 118 min
legendado eletronicamente em português e inglês | M/12
Com a presença de Svetlana Ganeva
Doze anos depois da estreia do seu último filme (e depois de dois dos seus três filmes terem sido proibidos), Binka Jeliaskova regressa à produção com aquele que foi, durante a sua vida, o seu filme com maior reconhecimento internacional (foi o único dos seus filmes a estrear comercialmente em Portugal, no Verão quente de 1975, e antes disso havia sido selecionado para a Competição Oficial de Cannes). A SUA ÚLTIMA PALAVRA retrata os últimos dias de um grupo de seis mulheres condenadas à morte, prisioneiras políticas e resistentes antifascistas que lutam, até ao fim, contra a presença nazi. Com argumento da própria realizadora, o filme prescinde da linearidade narrativa, alternando o horror do presente (a prisão) com o passado (as vidas que as levaram até ali) e o futuro (a celebração da sua heroicidade). Dominado por uma montagem dinâmica, onde a simbologia pagã se encontra com a cinefilia (Jeliaskova homenageia A PAIXÃO DE JOANA D’ARC, de Carl Th. Dreyer), este é, possivelmente, o mais tocante dos filmes da cineasta búlgara. Primeira exibição na Cinemateca.

A sessão repete no dia 9 às 15h30, na sala M. Félix Ribeiro.

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05/05/2025, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Binka Jeliaskova: A Luta É Um Murmúrio

A Cinemateca com o Indielisboa
Baseynat
"A Piscina"
de Binka Jeliaskova
com Kosta Tsonev, Yanina Kasheva, Kliment Denchev
Bulgária, 1977 - 148 min
legendado eletronicamente em português e inglês | M/12
Três personagens conhecem-se ao redor de uma piscina: um arquiteto de meia-idade que perdeu a mulher num acidente (Apostol), uma adolescente que acaba de sofrer um desgosto de amor (Bella) e um jovem ator algo errático e desconcertante (Boyan). A solidão do viúvo alia-se à desilusão romântica da rapariga e ao espírito mimético do ator, as relações desenvolvem-se numa trama complexa, onde a amizade, o amor, o desejo e a farsa se confundem. Mariana Hristova chamou-lhe um “triângulo amoroso existencial” carregado de elementos autobiográficos. Já Eduardo Prado Coelho, depois de ver o filme na sala Estúdio Apolo 70, em 1978, escreveu “A PISCINA é (…) um curioso JULES ET JIM à maneira e à hora búlgara. Em primeiro lugar, uma irritação cutânea à superfície de uma sociedade cromada; ou, se quiserem, um deixar-se cair vestida numa bela piscina em nome da cultura física e da apologia da saúde. É o adoecer no salto. É permitir que a doença revele a estranheza de certas personagens marginais, mas coincidentes.” O filme marca o início daquela que pode ser considerada como a Trilogia do Silêncio, seguida por O GRANDE BANHO NOTURNO e PELOS TELHADOS, À NOITE. Primeira exibição na Cinemateca.

A sessão repete no dia 8 às 19h30, na sala Luís de Pina.

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