CICLO
Teremos Sempre Michael Curtiz (Parte I)


Michael Curtiz (1886-1962) realizou um dos filmes mais míticos e célebres da História do cinema, CASABLANCA, que acabou por ocultar o restante da sua vastíssima obra (cento e sessenta e sete filmes, realizados entre 1914 e 1962, em três países), embora alguns outros filmes que assinou se tenham tornado clássicos, como THE ADVENTURES OF ROBIN HOOD, ANGELS WITH DIRTY FACES e MILDRED PIERCE. Além disso, a figura de Curtiz (“o húngaro maluco”, nas palavras de Gore Vidal) viu-se cercada por um certo folclore, o de um homem temperamental, que trabalhava como uma máquina e cujos erros crassos na língua inglesa entraram para a lenda de Hollywood. Como tantos makers da sua geração, Curtiz realizou filmes em todos os géneros (melodramas, policiais, comédias, musicais, westerns, filmes “de época”, de terror, religiosos, biografias) e “foi capaz de adaptar-se a diferentes sistemas de produção, enfrentar os mais insólitos progressos tecnológicos e resistir a terríveis crises políticas e económicas”, como observou o crítico Pablo Mérida. Num cinema de géneros e não “de autor”, como o americano, Curtiz foi um francoatirador que raras vezes errou o alvo, levando-se em conta que trabalhava num sistema em que os produtores tinham todo o poder e os realizadores eram executantes. Curtiz foi um dos muitos executantes cujo nome sobressaiu devido à sua competência artesanal e ao seu ecletismo.
Curtiz nasceu em Budapeste com o nome de Mihály Kertész, com o qual assinou quase todos os cinquenta e oito filmes que realizou antes de emigrar para Hollywood (quarenta na Hungria, dezoito na Áustria), assinando também alguns como Michael Kertész. O cinema chegou muito tardiamente à Hungria, em 1912, e foi Curtiz que realizou o primeiro filme de ficção húngaro, o hoje perdido MA ES HOLNAP/“HOJE E AMANHÔ, que renegou, alegando a sua fraca qualidade. Fez então uma estadia de aprendizagem de alguns meses na Dinamarca, então grande potência cinematográfica e ao regressar a Budapeste começou a encadear um filme atrás do outro, nos géneros mais variados, como faria até ao fim da vida, entre os quais uma adaptação de LILIOM (1919), de Ferénc Molnar, que também seria transposto para o cinema por Fritz Lang e Frank Borzage, e que foi o seu último filme húngaro. A Hungria conheceu grandes convulsões políticas a seguir à dissolução do império austro-húngaro. Houve em 1919 o brevíssimo primeiro regime comunista fora da União Soviética (Curtiz arranjou maneira de fazer um filme de dez minutos sobre este tema!), seguido por um sanguinário regime de extrema-direita, o que fez com que ele e muitos outros nomes do cinema húngaro emigrassem para Viena. É lá que alcança a consagração definitiva com o seu décimo filme austríaco, SODOM UND GOMORRAH (1922), que o põe em posição de força e é seguido por outros filmes monumentais de grande êxito de público, como DER JUNGE MEDARDUS/“O JOVEM MEDARDUS” (1923), que adapta um texto de Schnitzler e HAROUN AL RASCHID (1924), baseado nas Mil e Uma Noites. Quatro anos e oito filmes depois, aos quarenta anos de idade, Curtiz chega a Hollywood, num momento de migração maciça de técnicos, atores e realizadores europeus para a “capital do cinema”. É então que passa a assinar Michael, seguindo a regra estabelecida de americanizar o seu nome. Curtiz faria toda a sua carreira americana na Warner Bros., à exceção de quatro filmes no seu período final. É preciso assinalar que dois anos depois de chegar a Hollywood Curtiz casou-se com Bess Meredyth, atriz e sobretudo reputada argumentista (entre outros, de BEN HUR, 1926, de Fred Niblo), que seria sua colaboradora próxima para a redação dos argumentos dos seus filmes, inclusive o de CASABLANCA, embora nem sempre creditada nos genéricos. Um nome mais conhecido a ter colaborado nos argumentos dos seus primeiros filmes americanos foi Darryl Zanuck, futuramente um dos mais poderosos produtores de Hollywood. Um ano depois da chegada de Curtiz a Hollywood a Warner desencadeia uma revolução ao produzir o filme que marca o início oficial do cinema sonoro, THE JAZZ SINGER, de Alan Crosland. Depois de mais um filme mudo e cinco semi-sonoros, Curtiz realiza o seu primeiro filme inteiramente sonoro em 1929 (GLAD RAG DOLL/BONECA CAPRICHOSA) e prossegue a sua carreira a um ritmo vertiginoso, de modo ininterrupto, atingindo nos anos 30 a média de quatro filmes por ano. O seu escasso domínio sobre a língua inglesa fez com que ele dependesse de diretores de diálogos que supervisionavam as filmagens, o que o levou a concentrar-se sobretudo nos aspetos visuais dos seus filmes, sempre de alta qualidade e imaginação. Também neste sentido ele é a quintessência de um realizador da Hollywood clássica, pois o seu cinema é ao mesmo tempo anónimo e pessoal: os seus filmes são objetos industriais feitos com grande competência artesanal, porém sem características fortemente individuais. Por conseguinte, percorrer o seu cinema é percorrer boa parte do cinema americano clássico e rever alguns dos mais célebres atores deste cinema (Bette Davis, Errol Flynn, Humphrey Bogart, Ingrid Bergman) e também nomes como Fay Wray, Miriam Hopkins, John Garfield, Olivia de Havilland, Claude Rains, Edward G. Robinson, Ida Lupino e até Elvis Presley.  Como notou John Gillett, “a sua capacidade de aceitar qualquer projeto torna difícil classificá-lo como um autor, embora haja uma consistência nos seus melhores filmes – a agudeza e a fluidez narrativa, no vigoroso desempenho das diversas estrelas com quem trabalhou, que dá a um filme de Curtiz uma identidade individual. O seu faro para pensar em termos puramente cinematográficos distingue-o nitidamente de alguns dos seus contemporâneos, que têm menos fluidez técnica”.  Ao tentar definir esta indefinível personalidade cinematográfica, Richard Roud observou que a principal característica dos seus filmes é dar ao espectador muito “mindless pleasure”. Os dicionários traduzem mindless por estúpido ou irrefletido, mas no caso de Curtiz a tradução mais adequada seria espontâneo. O cinema de Hollywood no seu período clássico não é um cinema da reflexão ou da interioridade, é o cinema do prazer imediato, espontâneo e é exatamente por isto que Michael Curtiz, que nunca pertenceu à aristocracia de Hollywood, ilustrou como poucos as qualidades deste cinema.
A retrospetiva dedicada a Michael Curtiz pela Cinemateca Portuguesa estender-se-á de fevereiro a junho e compreenderá mais de oitenta filmes, cobrindo meio século de cinema, de 1914 a 1960. Optámos por não apresentar os filmes em ordem cronológica, de modo a variar a oferta e demonstrar que - do início ao fim, de Budapeste a Los Angeles, do mudo ao Cinemascope - o ecletismo, a extravagância e a alta competência foram as características principais de Mihály Kertész/Michael Curtiz. Entre a oportunidade de rever alguns grandes clássicos e a descoberta de obras quase totalmente desconhecidas, uma grande aventura espera os espectadores da Cinemateca, repleta de surpresas.
 
 
05/02/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Teremos Sempre Michael Curtiz (Parte I)

Casablanca
Casablanca
de Michael Curtiz
Estados Unidos, 1943 - 101 min
 
06/02/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Teremos Sempre Michael Curtiz (Parte I)

A Tolonc | Jön Az Öcsem
08/02/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Teremos Sempre Michael Curtiz (Parte I)

Sodom Und Gomorrha
“Sodoma e Gomorra”
de Mihály Kertész/Michael Curtiz
Áustria, 1922 - 113 min
10/02/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Teremos Sempre Michael Curtiz (Parte I)

The Third Degree
O Circo da Morte
de Michael Curtiz
Estados Unidos, 1926 - 85 min
11/02/2025, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Teremos Sempre Michael Curtiz (Parte I)

The Strange Love of Molly Louvain
de Michael Curtiz
Estados Unidos, 1932 - 70 min
05/02/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Teremos Sempre Michael Curtiz (Parte I)
Casablanca
Casablanca
de Michael Curtiz
com Humphrey Bogart, Ingrid Bergman, Claude Rains, Paul Henreid
Estados Unidos, 1943 - 101 min
legendado em português | M/12
Como GONE WITH THE WIND noutro registo, CASABLANCA é um daqueles filmes que sintetiza a estética e os mitos de Hollywood no seu período clássico. Em Casablanca, durante a Segunda Guerra Mundial, um americano, dono de um night-club, reencontra a mulher com quem tivera um idílio em Paris, em companhia do marido, grande resistente anti-nazi, ambos à espera de um visto de saída. A mistura entre uma história de amor ilícita e o drama da Segunda Guerra Mundial (o filme é de 1942, quando o desenlace do conflito ainda estava incerto e até ao fim da rodagem não se tinha decidido se a mulher ficaria com o marido ou com o ex-amante) cria um duplo suspense, realçado pelo desempenho de todos os atores e por alguns dos mais célebres diálogos cinematográficos alguma vez escritos. Três Oscars (melhor filme, argumento e realização) premiaram este filme mítico. Enquanto houver cinema haverá CASABLANCA.





A sessão repete no dia 17 às 16h30, na sala M. Félix Ribeiro.


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06/02/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Teremos Sempre Michael Curtiz (Parte I)
A Tolonc | Jön Az Öcsem
A TOLONC
“O Exílio”
de Mihály Kertész/Michael Curtiz
com Mari Jászai, Mihály Várkonyi, Lili Berky
Hungria, 1914 - 67 minutos

JÖN AZ ÖCSEM
“O Meu Irmão Está a Chegar”
de Mihály Kertész/Michael Curtiz
com Oszkár Beregi
Hungria, 1919 - 10 minutos

Duração total da sessão: 78 minutos / mudos, com intertítulos em húngaro e legendagem eletrónica em português | M/12

Um duplo programa, com raridades do primeiro período de Curtiz, na sua Hungria natal, quando ainda assinava Mihály Kertész.  A TOLONC adapta um romance húngaro do século XIX, em que uma jovem fica a saber que o homem que ela julga ser seu pai é na verdade o seu tio, que a criou depois da mãe dela ter sido condenada à cadeia pelo homicídio do marido. O filme contém algumas impressionantes sequências, como a do casamento, em que todos os paroquianos usam trajes típicos da região. JÖN AZ ÖCSEM é um belo exemplo do sentido de oportunidade do mundo do cinema. Durante cinco meses (março a agosto de 1919), a Hungria teve o primeiro e efémero governo comunista europeu depois da URSS, a República dos Conselhos. No filme de Kertész/Curtiz, realizado naquele mesmo ano, um jovem húngaro que ficara retido na União Soviética regressa ao seu país e desencadeia uma revolução.

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08/02/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Teremos Sempre Michael Curtiz (Parte I)
Sodom Und Gomorrha
“Sodoma e Gomorra”
de Mihály Kertész/Michael Curtiz
Áustria, 1922 - 113 min
mudo, com intertítulos em alemão em legendagem eletrónica em português | M/12


Antecipando o que Cecil B. DeMille faria no ano seguinte na sua primeira versão de THE TEN COMMANDMENTS, em SODOM UND GOMORRAH Mihaly Kertész/Michael Curtiz funde uma história contemporânea e um dos mais célebres episódios da Bíblia: “uma fusão artística entre um drama moderno e o impressionante super-espetáculo da queda de Sodoma e Gomorra”, dizia a publicidade da época. Nesta moderna versão da lenda de pecado e castigo, como são subintituladas as duas partes do filme, uma jovem é convencida pela mãe a casar-se com um velho milionário. Um padre, tutor do filho do homem, julga a atmosfera em que ele vive digna de Sodoma e Gomorra, ao passo que um jovem escultor, apaixonado pela mulher, tenta convencê-la a romper o noivado. Ela adormece, sonha com a Sodoma bíblica (pretexto ideal para a realização de cenas monumentais, com impressionantes cenários e vasta figuração) e ao despertar toma a sua decisão. Um grande momento do cinema mudo, a redescobrir.

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10/02/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Teremos Sempre Michael Curtiz (Parte I)
The Third Degree
O Circo da Morte
de Michael Curtiz
com Dolores Costello, Jason Robards, Louise Dresser
Estados Unidos, 1926 - 85 min
mudo, com intertítulos em inglês e legendagem eletrónica em português | M/12
com acompanhamento ao piano por Daniel Schvetz
Este é o primeiro filme realizado por Curtiz nos Estados Unidos. Trata-se de um melodrama ambientado no meio circense. Uma artista de circo foge com o amante e abandona a filha pequena, que se torna uma célebre trapezista e casa-se com um milionário. Este é injustamente acusado de homicídio, antes da situação se esclarecer. Os cenários circenses permitem a Curtiz realizar algumas sequências espetaculares, como um acidente de mota e um impressionante salto de trampolim. Noutro registo, na sequência em que o milionário é interrogado pela polícia, também consegue efeitos impressionantes. Um bom exemplo da maturidade que atingira o cinema em meados dos anos 20, em primeira apresentação na Cinemateca.
 
11/02/2025, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Teremos Sempre Michael Curtiz (Parte I)
The Strange Love of Molly Louvain
de Michael Curtiz
com Ann Dvorak, Lee Tracy, Richard Cromwell
Estados Unidos, 1932 - 70 min
versão original com legendagem eletrónica em português | M/12
A trama narrativa deste filme fez com que um crítico o definisse como um “melodrama policial”, uma fórmula bastante acertada. O ritmo narrativo, seco e preciso e os valores de produção são típicos da Warner Bros. Uma mulher grávida é abandonada pelo rico amante, vai viver com um delinquente e acaba acusada de cumplicidade com os delitos dele. Mais um exemplo da extraordinária versatilidade de Curtiz. Primeira apresentação na Cinemateca.

A sessão repete no dia 18 às 21h30, na sala M. Félix Ribeiro.