CICLO
Louis Malle – O Rebelde Solitário


Apesar da sua celebridade, de ter sido premiado em importantes festivais e de ter trabalhado com algumas grandes vedetas, Louis Malle (1932-1995) é até certo ponto um cineasta injustiçado. Pelo facto da sua vasta obra ser extremamente variada (“muitas vezes, faço um filme em reação ao que fizera logo antes”) e pelo facto de ser originário da alta burguesia (uma família de industriais do açúcar, que nunca financiou um só dos seus filmes), muitos julgaram e afirmaram durante anos que não tinha personalidade definida, que era um diletante para quem o cinema era um hobby e que buscava temas escandalosos para chamar a atenção. No entanto, basta examinar os seus filmes para constatar que estes em nada são inferiores ao que pode haver de melhor nos de um François Truffaut ou um Claude Chabrol, para compararmos o comparável. Extremamente culto, Malle tinha interesses variados e grande curiosidade intelectual. Além de dezanove longas-metragens de ficção, realizou ao longo da sua carreira sete documentários sobre variados temas (se considerarmos os sete episódios de l’inde fantôme como um único filme), em França, na Tailândia, na Índia e nos Estados Unidos. Pertencendo à mesma geração que os membros da Nouvelle Vague, de quem foi companheiro de viagem quando esta surgiu em 1959-60, Malle foi um dos muitos novos nomes a terem surgido no cinema francês naquele período de grandes mudanças e troca de guarda. Mas contrariamente aos membros do grupo da Nouvelle Vague, que reivindicavam um certo “amadorismo” na maneira de filmar e produzir, Malle diplomou-se pelo IDHEC (Instituto de Altos Estudos Cinematográficos, ancestral da atual FEMIS), cujo ensino detestou. Como os seus companheiros de geração, era profundamente cinéfilo, com especial devoção por Robert Bresson e Jean Renoir, mas contrariamente aos demais nunca exerceu o ofício de crítico e tinha uma sólida formação técnica. A sua primeira experiência no cinema foi como assistente do Comandante Jacques-Yves Cousteau para um filme sobre a fauna e a flora marinhas do Mediterrâneo, que foi o seu trabalho de diploma no IDHEC. Cousteau e Malle entenderam-se bem e o Comandante convidou-o para uma nova colaboração num filme industrial sobre a extração do petróleo nas águas do Golfo Pérsico e em duas curtas-metragens sobre a vida marinha no Oceano Índico. A seguir convidou-o para ser correalizador da longa-metragem LE MONDE DU SILENCE, que obteria a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1956, filme sobre o qual Malle sempre foi bastante crítico: “eu não iria ao ponto de dizer que foi ensaiado, mas trata-se essencialmente de um documentário reconstituído”.
Depois desta estreia pouco convencional na realização, Malle trabalhou de modo ininterrupto durante cerca de quarenta anos, em quatro grandes etapas. Na primeira, que vai de 1957 a 1967, destacam-se ASCENSEUR POUR L’ÉCHAFAUD/FIM-DE-SEMANA NO ASCENSOR, filme negro à francesa, com técnicas inovadoras para a rodagem noturna nas ruas de Paris e música de Miles Davis, que improvisou diante de um ecrã em que o filme era projetado; LES AMANTS, em que usou mais uma vez a música (neste caso, Brahms) como elemento propulsor das cenas centrais; ZAZIE DANS LE MÉTRO, anárquica comédia, que adapta o romance epónimo de Raymond Queneau; as suas duas obras-primas deste período, FEU-FOLLET/"O FOGO FÁTUO" e LE VOLEUR/O LADRÃO DE PARIS, o primeiro um périplo a preto e branco em Paris por um homem que se vai suicidar, o segundo um vibrante filme de época, a cores. A segunda etapa da carreira de Malle consiste na extraordinária série de documentários que fez na Índia em 1968 (a longa-metragem CALCUTTA e sete episódios de cerca de uma hora, agrupados sob o título L’INDE FANTÔME), com uma equipa limitada a ele, um operador de câmara e um técnico de som. Consciente de que ele e os seus colaboradores eram “intrusos”, Malle mostra sem pretender demonstrar: “em vez de perder tempo a tentar perceber, decidi que iríamos deambular pela Índia e deixar que as coisas acontecessem, sem plano de trabalho, sem guião, sem material de iluminação, sem nenhuma espécie de compromisso no que refere a distribuição”. A terceira etapa do seu percurso, que vai de 1971 a 1975, consiste em duas longas-metragens de ficção, que formam um díptico do ponto de vista formal, LE SOUFFLE AU COEUR/SOPRO NO CORAÇÃO (que causou um ligeiro escândalo, devido ao tema do incesto) e LACOMBE LUCIEN/LACOMBE LUCIEN, O COLABORACIONISTA, que causou grande polémica devido ao ainda explosivo tema da “colaboração” de muitos franceses com as forças e ocupação nazis durante a Segunda Guerra Mundial; dois documentários, feitos sobre o mesmo princípio de mostrar sem querer demonstrar que adotara na Índia: HUMAIN TROP HUMAIN, sobre o trabalho numa fábrica de automóveis, e PLACE DE LA RÉPUBLIQUE, sobre um logradouro parisiense; e pelo filme mais atípico do seu percurso atípico, BLACK MOON. Desejoso de não se tornar “um cineasta francês provinciano”, Malle mudou-se em 1976 para os Estados Unidos, onde realizou boa parte dos filmes da quarta e última etapa do seu percurso. Como na sua primeira etapa francesa, Malle alternou no seu período americano ficções extremamente diferentes (PRETTY BABY/MENINA BONITA e MY DINNER WITH ANDRÉ) e esplêndidos documentários, GOD’S COUNTRY e ...AND THE PURSUIT of HAPPINESS. Uma derradeira incursão profissional ao seu país natal resultou no seu maior êxito de bilheteira, AU REVOIR, LES ENFANTS/ADEUS, RAPAZES e num dos seus filmes mais livres, MILOU EN MAI/OS MALUCOS DE MAIO. Depois de DAMAGE/RELAÇÕES PROIBIDAS, realizado em Londres, Malle fechou a sua carreira em Nova Iorque, com um filme de teor quase experimental, VANYA ON 42ND STREET, em que capta, num teatro em ruínas, uma leitura/encenação de Tio Vânia, de Tchékov.
No estudo mais vasto e completo a ter sido publicado à data de hoje sobre o seu trabalho, o crítico Pierre Billard definiu Malle como um rebelde solitário.  Num texto de 1948, Henri Langlois observara que “o cinema são os filmes. Para escrever a sua História é preciso tê-los visto”. E ver ou rever os filmes de Louis Malle é constatar não apenas a sua grande variedade, mas aquilo que os une: a sua alta qualidade.
Infelizmente, não poderemos apresentar ASCENSEUR POUR L’ÉCHAFAUD/FIM-DE-SEMANA NO ASCENSOR (1957) o filme de estreia de Louis Malle e uma das suas obras mais importantes (por sinal, o título do realizador mais vezes exibido pela Cinemateca), por vontade expressa da Leopardo Filmes, atual detentora dos direitos de exibição deste filme em Portugal.
Será publicado um pequeno volume sobre Louis Malle, primeiro de uma nova série de publicações da Cinemateca, destinado a acompanhar alguns grandes ciclos de autor.


 
 
05/11/2022, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Louis Malle – O Rebelde Solitário

Viva Maria!
Viva Maria
de Louis Malle
França, 1965 - 116 min
 
07/11/2022, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Louis Malle – O Rebelde Solitário

Vive Le Tour! | Bons Baisers de Bangkok | William Wilson
duração total da projeção: 84 minutos
07/11/2022, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Louis Malle – O Rebelde Solitário

Le Voleur
O Ladrão de Paris
de Louis Malle
França, 1967 - 120 min
08/11/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Louis Malle – O Rebelde Solitário

Les Amants
Os Amantes
de Louis Malle
França, 1958 - 90 min
08/11/2022, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Louis Malle – O Rebelde Solitário

Le Souffle au Coeur
Sopro no Coração
de Louis Malle
França, 1971 - 120 min
05/11/2022, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Louis Malle – O Rebelde Solitário

A Cinemateca com a Festa do Cinema Francês
Viva Maria!
Viva Maria
de Louis Malle
com Jeanne Moreau, Brigitte Bardot, Georges Hamilton, Claudio Brook
França, 1965 - 116 min
legendado eletronicamente em português | M/16
Depois da gravidade de LE FEU FOLLET, Malle sentiu a necessidade de fazer “um grande espetáculo, em Cinemascope e a cores” e o resultado foi VIVA MARIA! Para este filme, inteiramente rodado no México, Malle reuniu as duas mais célebres vedetas femininas do cinema francês de então, Jeanne Moreau e Brigitte Bardot, que em tudo diferem: aspeto físico, porte, capacidades de atriz. A ideia foi fazer um pastiche dos “filmes de compinchas” de Hollywood (o modelo foi VERA CRUZ, de Robert Aldrich), porém com protagonistas femininas, ambas chamadas Maria. Num ambiente próximo do western e dos filmes situados durante a revolução mexicana, o filme de Malle é um divertimento, com alguns gags próximos da banda desenhada. As duas amigas atravessam incólumes as situações mais perigosas, em meio a eternos combates armados, sem nunca perderem a boa disposição. A apresentar em cópia digital.

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07/11/2022, 19h30 | Sala Luís de Pina
Louis Malle – O Rebelde Solitário

A Cinemateca com a Festa do Cinema Francês
Vive Le Tour! | Bons Baisers de Bangkok | William Wilson
duração total da projeção: 84 minutos
legendados eletronicamente em português | M/12
VIVE LE TOUR!
França, 1962 – 17 min

BONS BAISERS DE BANGKOK
França, 1964 – 27 min

WILLIAM WILSON
de Louis Malle
com Alain Delon, Brigitte Bardot
França, 1967 ­ 40 min

Este programa começa com um magnífico documentário sobre a Volta à França, que foi filmado em ordem cronológica, num total de dezassete horas de rushes, que resultaram num filme de quarenta e cinco minutos, reduzidos depois para dezoito e Malle consegue transmitir ao espectador uma sintética visão de conjunto. Longe de embelezar o que vira, Malle, que ficara “impressionado com o confronto e a violência” do Tour de France, quis mostrar “os acidentes, as quedas, o esforço nas ascensões”, antes da chegada dos vencedores a Paris, mostrada sem nenhuma ênfase. Segue­-se uma reportagem feita para a televisão francesa sobre Banguecoque, em que Malle satiriza hábil e discretamente a pretensão destas reportagens de querer tudo explicar sobre um país longínquo em apenas vinte ou trinta minutos. A fechar a sessão, WILLIAM WILSON, um dos três episódios, baseados em contos de Edgar Allan Poe, de HISTÓRIAS EXTRAORDINÁRIAS (os outros dois foram realizados por Federico Fellini e Roger Vadim). Malle escolheu William Wilson, história de um homem que encontra alguém que parece ser o seu duplo.VIVE LE TOUR! e BONS BAISERS DE BANGKOK são primeiras apresentações na Cinemateca.

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07/11/2022, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Louis Malle – O Rebelde Solitário

A Cinemateca com a Festa do Cinema Francês
Le Voleur
O Ladrão de Paris
de Louis Malle
com Jean-­Paul Belmondo, Julien Guiomar, Geneviève Bujold, Marie Dubois
França, 1967 - 120 min
legendado eletronicamente em português | M/16
Estranhamente esquecido, LE VOLEUR é um dos melhores momentos de toda a obra de Louis Malle, que obteve um magnífico desempenho de Jean-­Paul Belmondo, muitos anos antes deste se estereotipar em medíocres “filmes de ação”. A ação tem lugar em fins do século XIX, com excelentes “valores de produção” (cenários, fatos e adereços) e o protagonista é um homem da alta burguesia que, depois de ter sido despojado da sua herança pelo tio que era seu tutor, torna­-se assaltante profissional, sem deixar de ser um dandy, para gozar da riqueza e contestar, à sua maneira, a ordem social. O seu mestre na senda do crime é um padre, que lhe ensina as técnicas de assalto “como quem ensina o catecismo”. A narrativa é um constante corrupio e Malle declarou que este foi o filme em que conseguiu com os atores o melhor desempenho de conjunto de toda a sua obra. A apresentar em cópia digital.

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08/11/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Louis Malle – O Rebelde Solitário

A Cinemateca com a Festa do Cinema Francês
Les Amants
Os Amantes
de Louis Malle
com Jeanne Moreau, Jean-­Marc Bory, Alain Cuny
França, 1958 - 90 min
legendado eletronicamente em português | M/16
Nas palavras de Malle, a ação de LES AMANTS resume-­se “à história de uma noite de amor”. Situado nos meios da alta burguesia, o filme tem como ponto central a descoberta do êxtase afetivo e erótico por uma mulher (Jeanne Moreau, que tem aqui um dos seus mais belos desempenhos num papel escrito sob medida para ela) que vive um casamento convencional e indiferente e tem uma aventura noturna com um homem que ela e o marido hospedam na sua elegante casa de campo, que resulta numa “noite maravilhosa”, que a fará deixar o marido “sem nenhum remorso”. Assim como utilizara a música de Miles Davis para acompanhar a deambulação noturna de Jeanne Moreau pelas ruas de Paris em ASCENSEUR POUR L’ÉCHAFAUD, Malle utiliza com extrema habilidade um sexteto de cordas de Brahms para transmitir a idílica fusão afetiva e erótica do par de LES AMANTS. O filme causou algum escândalo à época pelo facto de representar, com elegância, o prazer feminino. Do ponto de vista estilístico, caracteriza­se pela presença de longos planos­-sequência e o uso da imagem panorâmica.

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08/11/2022, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Louis Malle – O Rebelde Solitário

A Cinemateca com a Festa do Cinema Francês
Le Souffle au Coeur
Sopro no Coração
de Louis Malle
com Benoît Ferreux, Léa Massari, Daniel Gélin, Michael Lonsdale
França, 1971 - 120 min
legendado eletronicamente em português | M/16
Um dos mais conhecidos e apreciados filmes de Louis Malle, que também gozou de um sucesso de escândalo pela forma natural como expôs no cinema um tabu: o incesto. Situado no meio da burguesia de província francesa em 1954, LE SOUFFLE AU COEUR começa quase como uma comédia de costumes, antes de mudar de tom no seu terço final. É a história de um adolescente extremamente inteligente que, ao ser­-lhe diagnosticado um “sopro no coração”, é levado pela mãe para uma estância de tratamento, onde a relação extremamente próxima que têm resultará num único encontro sexual.

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