CICLO
Carlos Vilardebó, o Intruso do Cinema Novo


Carlos Vilardebó (1926-2019) ocupa um estranho lugar na história do Cinema Novo Português: não pertencendo ao grupo Vavá/Ribadouro, não vivendo em Portugal e mal falando português, é convidado por António da Cunha Telles para realizar uma das suas primeiras “produções”, logo depois das estreias de Paulo Rocha e Fernando Lopes, e antes mesmo das rodagens das primeiras longas de Manuel Faria de Almeida ou António de Macedo. Essa “produção Cunha Telles” seria AS ILHAS ENCANTADAS, primeira e última longa-metragem do realizador que regressaria, pouco depois, a França e se especializaria nos “films d’art”.
Nascido em Lisboa, muda-se para França com a família ainda criança. Estuda no IDHEC e inicia o seu percurso profissional no cinema primeiramente como assistente de realização e de produção em filmes de cineastas como Jean-Pierre Melville (24 HEURES DE LA VIE D’UN CLOWN, 1946), Julien Duvivier (LA FÊTE À HENRIETTE, 1952), Jean Grémillon (ALCHIMIE, 1952) ou Agnès Varda (LA POINTE COURTE, 1954). Realiza, ao longo de uma carreira que se estende por três décadas, mais de meia centena de curtas-metragens (muitas delas filmes de atualidades, industriais, turísticos ou encomendas comerciais, quase sempre para a Société Nouvelle Pathé-Cinéma, no âmbito das Gaumont Actualités).
Conhecido como “mestre dos filmes de arte”, em particular pela sua colaboração com o escultor Alexander Calder, com quem realizou três filmes (LE CIRQUE DE CALDER, 1961, MOBILES, 1968, LES GOUACHES DE SANDY, 1973), Vilardebó desenvolve uma extensíssima filmografia entre meados dos anos 1950 e inícios dos anos 1980. Das largas dezenas de curtas-metragens que realizou, destacam-se VIVRE (filme de montagem a partir de materiais de arquivo sobre os horrores da guerra, 1958), LES BÂTISSEURS (primeiro filme de Delphine Seyrig, 1958), ENTRE LA TERRE ET LE CIEL (coescrita com Jean-Paul Rappeneau e Alain Cavalier, 1959), LA PETITE CUILLÈRE (que lhe dá a Palma de Ouro do Festival de Cannes, em 1960) e UNE STATUETTE (menção especial também em Cannes, em 1971). A curta VÉRONIQUE OU LES JEUNES FILLES (1963) aproxima-o do movimento da Nouvelle Vague e é, nessa primeira metade da década de 1960 uma figura recorrente nos inquéritos e dicionários da “nova vaga” da revista Cahiers du Cinéma.
A sua única longa-metragem é AS ILHAS ENCANTADAS, que marca igualmente a sua reaproximação a Portugal (país que, no início dos anos 1960, mal conhecia e cuja língua já havia esquecido). A realização do filme resultou do desafio de António da Cunha Telles, através do amigo em comum de ambos, Pierre Kast. Em jeito de preparação para o formato longo, Vilardebó filmou três fados de Amália Rodrigues (encomendas da Pathé-Cinéma rodadas em Portugal, com produção executiva de Cunha Telles e fotografia de Augusto Cabrita), em particular o primeiro registo do famoso fado Gaivota, onde se prefiguram em estúdio várias das composições de AS ILHAS ENCANTADAS – estes “telediscos” haviam sido erradamente arquivados e foram agora identificados e datados, sendo pela primeira vez exibidos com a devida contextualização. Depois da primeira longa-metragem, o realizador tenta, por vários anos, financiar um filme com Romy Schneider, mas sem sucesso.
O ciclo “Carlos Vilardebó – O Intruso do Cinema Novo” é composto integralmente por títulos cuja exibição se dá pela primeira vez na Cinemateca, incluindo a versão francesa de AS ILHAS ENCANTADAS (versão oito minutos mais curta que a original) e completa-se em março com uma sessão no âmbito da Cinemateca Júnior. Este ciclo realiza-se na sequência da digitalização de AS ILHAS ENCANTADAS no âmbito do projeto FILMar, acompanhando a estreia da nova cópia digital nas salas portuguesas após a apresentação do filme no Festival Lumière em Lyon em novembro passado. O ciclo dialoga ainda com a exposição “Augusto Cabrita: O Olhar Encantado” (18 de fevereiro a 20 de abril, Biblioteca de Marvila) e será seguido pela publicação de um número dos Cadernos da Cinemateca dedicado ao trabalho do realizador, ambas as atividades são realizadas no âmbito do projeto FILMar. O historiador e programador de cinema Federico Rossin, que tem estudado mais recentemente a obra de Carlos Vilardebó, estará presente em várias das sessões.
 
 
26/02/2024, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Carlos Vilardebó, o Intruso do Cinema Novo

Sessão Objetos Cinéticos
duração total da projeção: 57 minutos
 
27/02/2024, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Carlos Vilardebó, o Intruso do Cinema Novo

Sessão Visões de África
duração total da projeção: 76 min
28/02/2024, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Carlos Vilardebó, o Intruso do Cinema Novo

Sessão Ficções Documentais
duração total da projeção: 77 min
29/02/2024, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Carlos Vilardebó, o Intruso do Cinema Novo

Três Fados por Amália Rodrigues + As Ilhas Encantadas
duração total da projeção: 92 min | M/12
26/02/2024, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Carlos Vilardebó, o Intruso do Cinema Novo
Sessão Objetos Cinéticos
duração total da projeção: 57 minutos
legendados eletronicamente em português | M/12
Sessão apresentada por Federico Rossin
VIVRE
França, 1958 – 7 min

L'EAU ET LA PIERRE
França, 1958 – 17 min

LE JARDIN DES PLANTES
França, 1967 – 6 min

LA PETITE CUILLÈRE
França, 1960 – 9 min

UNE STATUETTE
França, 1970 – 11 min

LE VOLET: POÊME DE FRANCIS PONGE
Portugal, 1971 – 7 min
filmes de Carlos Vilardebó

De entre as largas dezenas de curtas-metragens realizadas por Carlos Vilardebó, destaca-se um conjunto significativo de títulos que se centram em objetos como forma de interrogar a história e o próprio cinema. Nesta sessão apresentam-se algumas das mais conhecidas curtas-metragens do realizador luso-francês. LA PETITE CUILLÈRE (“A Pequena Colher”) foi o filme que lhe deu fama (Palma de Ouro em Cannes), um exercício lúdico sobre uma preciosidade egípcia da coleção do Louvre. UNE STATUETTE volta a dar-lhe um prémio em Cannes (Menção Especial) e volta a dedicar-se a um artefacto do mesmo museu, desta feita uma estatueta pré-colombiana. VIVRE é um extraordinário exercício de found footage sobre os horrores da guerra, L’EAU ET LA PIERRE retrata uma reflexão sobre as ruínas da cultura helénica, LE JARDIN DES PLANTES leva-nos numa visita pelo Museu de História Natural de Paris e o belíssimo LE VOLET é um filme-poema sobre portadas.

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27/02/2024, 19h30 | Sala Luís de Pina
Carlos Vilardebó, o Intruso do Cinema Novo
Sessão Visões de África
duração total da projeção: 76 min
legendados eletronicamente em português | M/12
Sessão apresentada por Federico Rossin
PRIÈRE AUX MASQUES – DE LÉOPOLD SEDAR SENGHOR
França, 1972 – 7 min

LA PISTE
França, 1956 – 19 min

LES SERVITEURS DE LA BROUSSE
França, 1959 – 13 min

LES PLANTEURS DU MUNGO
França, 1957 – 19 min

NAISSANCE DE MILLE VILLAGES
França, 1961 – 18 min
filme de Carlos Vilardebó

No final dos anos 1950, Carlos Vilardebó realizou vários filmes-encomenda em África, em particular na Argélia e nos Camarões. Foi precisamente através destes trabalhos que o realizador ganhou prática e desenvolveu um laço profissional com a Pathé, com a qual viria a trabalhar nas décadas seguintes. Embora vários destes filmes tivessem no caderno de encargos propósitos de propaganda ou de promoção industrial (financiados pela exploração petrolífera), o certo é que Vilardebó produziu um conjunto de títulos que fogem às limitações da encomenda. LA PISTE é uma etnoficção integralmente interpretada pela comunidade Bamoun e (quase) sem recurso a diálogos; LES PLANTEURS DU MUNGO é um registo mais próximo da antropologia visual sobre os métodos agrícolas e os rituais religiosos do povo Kirdi (nos Camarões); NAISSANCE DE MILLE VILLAGES parte do plano francês de urbanização da Argélia, mas apresenta-se como um filme-denúncia sobre as agruras das comunidades das montanhas que deslocadas para as cidades procuram adaptar-se aquele modo de vida. A abrir a sessão um filme com o poeta (e então Presidente do Senegal), Léopold Sédar Senghor, dizendo um poema seu, Prière Aux Masques.

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28/02/2024, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Carlos Vilardebó, o Intruso do Cinema Novo
Sessão Ficções Documentais
duração total da projeção: 77 min
legendados eletronicamente em português | M/12
Sessão apresentada por Federico Rossin
LES BÂTISSEURS
com Delphine Seyrig, Raymond Raynal, Denis Manuel
França, 1956 – 16 min

BILAN D’UN JOUR
França, 1961 – 16 min

LE 3ÈME SCHERZO DE CHOPIN
com Daniel Wayenberg
França, 1958 – 14 min

VERONIQUE OU LES JEUNES FILLES
França, 1963 – 13 min

OS CAMINHOS DO SOL – UM DICIONÁRIO PORTUGUÊS
corealizado com Augusto Cabrita
Portugal, 1965 – 18 min
filmes de Carlos Vilardebó

Embora a grande maioria da obra de Carlos Vilardebó se componha por documentários de curta-metragem, além da longa-metragem AS ILHAS ENCANTADAS, encontram-se alguns títulos de ficção na sua filmografia (ou, pelo menos, documentários marcadamente encenados). Nesta sessão apresentam-se alguns desses títulos híbrido: LES BÂTISSEURS (“Os Construtores”) parte de uma encomenda da Ordem dos Arquitetos francesa e apresenta-se como um retrato de um trabalhador da construção civil que depois de estudar chega a arquiteto (tem a curiosidade de ser o primeiro filme da atriz Delphine Seyrig); BILAN D’UN JOUR foi filmado na Argélia, em plena guerra, mas sem lhe fazer qualquer menção, encantando-nos com imagens industriais puramente plásticas; SCHERZO encena a gravação Scherzo n° 3 de Chopin pelo pianista Daniel Wayenberg; VERONIQUE OU LES JEUNES FILLES é uma ode à beleza feminina na forma de uma série de retratos, ora melancólicos, ora maravilhados; e, por fim, OS CAMINHOS DO SOL (corealizado com Augusto Cabrita, produzido por Cunha Telles) é um ensaio cinegráfico que percorre o alfabeto e encontra para cada letra uma imagem. OS CAMINHOS DO SOL será apresentado em nova cópia digital, produzida no âmbito do projeto FILMar.

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29/02/2024, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Carlos Vilardebó, o Intruso do Cinema Novo
Três Fados por Amália Rodrigues + As Ilhas Encantadas
duração total da projeção: 92 min | M/12
legendado eletronicamente em português
Com a presença de Fernando Matos Silva
GAIVOTA

MOURARIA

VERDE VERDE
França, Portugal, 1964 – 5, 3, 3 min

AS ILHAS ENCANTADAS
com Amália Rodrigues, Pierre Clémenti, Pierre Vaneck, João Guedes
filmes de Carlos Vilardebó
Portugal, 1965 – 81 min (versão francesa)

Depois de várias tentativas frustradas de se lançar na longa-metragem, Carlos Vilardebó recebe um convite inesperado de um produtor português, António da Cunha Telles. O realizador propõe ao jovem produtor a adaptação de uma novela de Herman Melville. AS ILHAS ENCANTADAS será, assim, a mais ambiciosa das Produções Cunha Telles: filme de época, filmado na Madeira, a cores, em versão portuguesa e francesa, com Amália Rodrigues no papel principal e um elenco internacional (Pierre Clémenti e Pierre Vaneck). Será, também por isso, o único dos filmes do Cinema Novo a receber financiamento do Fundo do Cinema Nacional (órgão do Estado Novo). Um marinheiro chega a uma ilha supostamente deserta e descobre nela uma mulher abandonada (Hunila – Amália) que lhe irá contar a história do seu desalento. A abrir a sessão apresentam três ‘scopitone’ de três canções interpretadas por Amália Rodrigues, realizados por Carlos Vilardebó para a Gaumont (e produzidos por Cunha Telles). Estes títulos, até há meses desconhecidos, foram recentemente identificados nos arquivos da Gaumont-Pathé.

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