CICLO
A Cinemateca com o Indielisboa: Ousmane Sembène


O senegalês Ousmane Sembène (1923-2007) já foi chamado “o patriarca do cinema africano”. Trata-se de uma fórmula jornalística, que se justifica pelo facto de Sembène ter sido o primeiro africano a realizar filmes na África subsaariana pós-colonial (nos anos 50, foram realizadas algumas curtas-metragens por africanos, porém em Paris e em Londres). O itinerário de Sembène nada tem de banal, como costuma ser o caso com os pioneiros. Nascido na província senegalesa de Casamansa, Ousmane Sembène foi enviado para Dakar na adolescência para completar os estudos secundários. Em 1943, é incorporado nas tropas do General de Gaulle, as Forças Francesas Livres, e tem a experiência de dois anos na frente de guerra, que evocará em dois dos seus filmes, EMITAI e LE CAMP DE THIAROYE, e que cimentará as suas convicções anti-coloniais. Em 1946, Sembène vem clandestinamente para a França e durante dez anos exercerá funções de estivador no porto de Marselha, filiando-se ao Partido Comunista Francês e ao sindicato que lhe era ligado, a CGT – Confederação Geral do Trabalho. As organizações culturais do Partido Comunista permitem-lhe completar a sua formação escolar e em 1956 Sembène publica o primeiro dos seus onze romances (todos escritos em francês), Le docker noir, baseado na sua experiência pessoal de estivador. Sembène adaptará três dos seus romances ao cinema: LE MANDAT, XALA e TAAW. Em 1960, ano da independência das colónias francesas na África Ocidental, Sembène regressa a Dakar, mas no ano seguinte está em Moscovo, como aluno do VGIK, a mais antiga escola de cinema do mundo, onde será aluno de Mark Donskoi, um dos mais conhecidos realizadores soviéticos da sua geração.
Em 1962, Sembène realiza em Dakar o seu primeiro filme, que também é o primeiro filme totalmente africano, pois foi filmado em África por um africano: BOROM SARRET. Em 1966, a sua primeira longa-metragem, LA NOIRE DE… coloca o seu nome definitivamente no panorama do cinema internacional, num momento em que ainda são muito poucos os cineastas africanos que conseguem trabalhar. Depois desta primeira longa-metragem e até finais dos anos 70, a carreira de Sembène desenrola-se sem interrupções, com cinco longas-metragens em onze anos, o que é um ritmo de trabalho bastante intenso. É nesse período que ele realiza os filmes que assentaram a sua reputação: MANDABI (um dos primeiros filmes a criticar as burocracias africanas), EMITAI (marcado pelas suas lembranças de soldado colonial), XALA (violento ataque às elites africanas pós-coloniais) e CEDDO, em que ajusta contas com a religião na qual ele próprio foi criado, o islão. Do ponto de vista estilístico, Sembène sempre preferiu a reflexão e a progressão narrativa à vontade de deslumbrar o espectador, pois o espectador ao qual ele se dirige é o africano, mais especialmente o senegalês. Depois de CEDDO, que suscitou fortes polémicas com críticos e realizadores de países árabes, que acusaram Sembène de “ver no islão a fonte de todas as desgraças de África”, o cineasta permaneceu dez anos sem filmar, mas publicou três romances. Em 1987, sexagenário, Ousmane Sembène enceta o que podemos considerar como um segundo período no seu percurso de cineasta, durante o qual realiza quatro filmes.
Depois de LE CAMP DE THIAROYE, o seu filme mais caro, em que volta ao tema da presença de soldados das colónias nas tropas francesas e da maneira injusta como eram tratados, ele realiza aqueles que vieram a ser os seus três últimos filmes, nos quais aborda o que chamou “o heroísmo do quotidiano”. Pela especificidade dos seus filmes, marcados por uma sóbria articulação e uma aguda consciência cultural, que não ignora as contradições da herança colonial, Ousmane Sembène personificou o cinema africano dos vinte primeiros que se seguiram às independências e ao nascimento de novos Estados. E por detrás da sua figura há a sua obra de cineasta, filmes que ilustram o seu talento de narrador e levam o espectador a pensar. Com as exceções de BOROM SARRET, LA NOIRE DE…, EMITAI e MOOLADÉ, todos os filmes são apresentados pela primeira vez na Cinemateca. Uma viagem imperdível pela totalidade de uma obra fundamental do cinema mundial.
 
25/08/2020, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Indielisboa: Ousmane Sembène

Borom Sarret | La Noire De... | Tauw
Duração total da sessão: 109 minutos
 
27/08/2020, 21h30 | Esplanada
Ciclo A Cinemateca com o Indielisboa: Ousmane Sembène

Ceddo
de Ousmane Sembène
Senegal/França, 1976/77 - 116 min
28/08/2020, 21h30 | Esplanada
Ciclo A Cinemateca com o Indielisboa: Ousmane Sembène

Guelwaar
de Ousmane Sembène
Senegal/França, 1992 - 113 min
29/08/2020, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Indielisboa: Ousmane Sembène

Camp De Thiaroye
de Ousmane Sembène
Senegal/França, 1988 - 157 min
29/08/2020, 21h30 | Esplanada
Ciclo A Cinemateca com o Indielisboa: Ousmane Sembène

Emitai
de Ousmane Sembène
Senegal/França, 1971 - 100 min
25/08/2020, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Indielisboa: Ousmane Sembène

Em colaboração com IndieLisboa – Associação Cultural
Borom Sarret | La Noire De... | Tauw
Duração total da sessão: 109 minutos
M/12
BOROM SARRET
de Ousmane Sembène
com Abdolaye Ly e o cavalo Albourah
Senegal, 1963 - 20 min / legendado eletronicamente em português

LA NOIRE DE...
de Ousmane Sembène
com Thérèse Mbissine Diop, Anne-Marie Jelinek, Robert Fontaine
Senegal, 1966 - 65 min / legendado eletronicamente em português

TAUW
de Ousmane Sembène
Senegal, 1970 - 24 min / legendado eletronicamente em português

A abertura da retrospetiva reúne três filmes de Ousmane Sembène, sendo os dois primeiros considerados os primeiros filmes realmente africanos, isto é: feitos em África, por um africano. Realizado sete anos depois da publicação do primeiro romance de Sembène, BOROM SARRET é o seu filme de estreia, ao passo que LA NOIRE DE… (realizado no mesmo ano em que foi organizado um vasto Festival das Artes Negras em Dakar) é a sua primeira longa-metragem e a primeira longa africana. Os dois filmes são próximos do ponto de vista temático e do ponto de vista formal: são realizados a preto e branco, num estilo conciso e tratam de problemas da África contemporânea num tom realista, mas de modo a ultrapassar este quadro restrito. Em BOROM SARRET, um habitante de Dakar que transpõe por engano a fronteira entre os bairros pobres e a parte rica da cidade com a sua carroça (sarret, corruptela de charette), que ali não pode circular, vê-se às voltas com a burocracia e os seus funcionários. LA NOIRE DE... é considerado por alguns críticos como uma metáfora de um jovem Estado africano: trata-se da história de uma jovem empregada que acompanha uma família francesa para a Côte d’Azur, onde perde todos os seus pontos de referência e naufraga. A fechar a sessão, a rara curta-metragem TAUW, que foi produzida por uma instituição pública educativa senegalesa. Trata-se de uma ficção, em que um rapaz de vinte anos erra em busca de trabalho, pois engravidou a namorada, que é rejeitada pela família, ao passo que o seu irmão mais novo se vê às voltas com as contradições da sua educação religiosa. BOROM SARRET e LA NOIRE DE… são apresentados em cópias digitais restauradas.

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27/08/2020, 21h30 | Esplanada
A Cinemateca com o Indielisboa: Ousmane Sembène

Em colaboração com IndieLisboa – Associação Cultural
Ceddo
de Ousmane Sembène
com Tabata Ndiaye, Madir Fatim Fall, Ismaila Diagne, Matoura Dia
Senegal/França, 1976/77 - 116 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Um filme que causou polémica à época, sobretudo nos meios muçulmanos, o que serviu de pretexto para a sua proibição no Senegal (além de um suposto erro de ortografia na palavra ceddo, que se escreveria com um só d…). O filme irritou profundamente os críticos e cineastas árabes, pois Sembène equaciona a chegada do islão à África a uma forma de colonialismo, comparável ao europeu (no filme, uma das crianças negras convertida, à revelia, ao islão recebe o nome de Ousmane…). Quando o rei dos Ceddo parte para a guerra, um sacerdote muçulmano converte à força toda a sua tribo, exceto a filha do rei e o homem que a raptou, à guisa de protesto. Apesar da vitória do islão, a filha do rei terá um combate singular com o sacerdote muçulmano, numa das cenas mais fortes e mais despojadas do cinema de Ousmane Sembène. Em vez de realizar um “épico”, um filme repleto de batalhas e figurantes, o realizador senegalês preferiu uma mise en scène reduzida, que tem algo de brechtiano, pois apresenta um caso exemplar.

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28/08/2020, 21h30 | Esplanada
A Cinemateca com o Indielisboa: Ousmane Sembène

Em colaboração com IndieLisboa – Associação Cultural
Guelwaar
de Ousmane Sembène
com Abou Camara, Marie-Augustine Diatta, Mame Ndoumbé Diop, Moustapha Diop
Senegal/França, 1992 - 113 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Em GUELWAAR, Sembène conta-nos uma história que daria um excelente tema para uma comédia, embora o tom do  filme seja bastante sério, com uma narrativa entremeada com alguns flashbacks: um responsável católico é enterrado, por engano, num cemitério muçulmano. Mas os muçulmanos recusam-se a permitir que os católicos abram a tumba e verifiquem a identidade do morto. Como sucede com relativa frequência nesta fase final do seu trabalho, Sembène ilustra diversas situações exemplares, nas quais os monólogos podem suplantar os diálogos, numa ótica um tanto demonstrativa e “pedagógica” em relação ao espectador, devendo-se levar em conta que, para ele, o espectador é o espectador africano, mais especificamente senegalês, pois Ousmane Sembène não fazia filmes “de exportação”.

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29/08/2020, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Indielisboa: Ousmane Sembène

Em colaboração com IndieLisboa – Associação Cultural
Camp De Thiaroye
de Ousmane Sembène
com Sidiki Bakaba, Hamed Camara, Ismaila Cissé, Ababacar Cy Cissé
Senegal/França, 1988 - 157 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Depois de dez anos de silêncio, Ousmane Sembène conseguiu reunir os fundos necessários para a realização de CAMP DE THIAROYE, um filme que reata com a temática de EMITAI (homens africanos forçados a lutar nas guerras francesas), porém com um estilo mais espetacular do que aquele que costuma caracterizar o seu  cinema. Sembène, que serviu como soldado colonial na infantaria francesa em 1944-45 (o que ancorou nele um profundo sentimento anticolonialista), retraça neste filme um episódio autêntico ocorrido em 1944: um grupo de soldados africanos, que lutara pela libertação da França e fora desmobilizado, é reunido num campo militar no Senegal, onde sofrem diversas humilhações e são informados de que o soldo que vão receber corresponde à metade do que fora prometido. Os homens revoltam-se e fazem refém um oficial francês, antes de serem atacados e deixarem vinte e cinco mortos. O filme é organizado à volta de um sargento africano, extremamente culto e refinado, mostrado como exemplo das contradições e da violência do colonialismo.

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29/08/2020, 21h30 | Esplanada
A Cinemateca com o Indielisboa: Ousmane Sembène

Em colaboração com IndieLisboa – Associação Cultural
Emitai
de Ousmane Sembène
com Robert Fontaine, Michel Renaudeau, Pierre Blanchard, Andoujo Diajou
Senegal/França, 1971 - 100 min
legendado eletronicamente em português | M/12
EMITAI, terceira longa-metragem de Ousmane Sembène, é o primeiro filme em que ele aborda de modo direto questões relativas ao passado colonial embora este tema espreite em quase todos os seus filmes. A ação tem lugar durante a Segunda Guerra Mundial, quando soldados das colónias eram enviados para lutar nas guerras travadas pelas suas “metrópoles”. “Esta guerra é dos brancos, não é nossa”, diz um dos protagonistas. No entanto, quase todos os homens válidos de uma aldeia senegalesa são levados para a frente de guerra e ainda são obrigados a entregarem a produção de arroz que garantia a subsistência da população. As mulheres recusam-se a entregar o arroz e esperam a intervenção de Emitai, o deus da guerra. Um desenlace violento é inevitável. Sembène resiste à tentação do lirismo revolucionário e dá à sua mise en scène uma sóbria eficácia, mostrando a distância intransponível entre colonizador e colonizado.

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