CICLO
Simone Signoret e Yves Montand: Caminhos Paralelos


Simone Signoret (1921-1985) e Yves Montand (1921-1991) formaram, a partir dos anos 50, um dos grandes casais míticos do cinema. Os dois conheceram-se em 1949, quando as suas carreiras já tinham sido lançadas e permaneceram juntos até à morte de Signoret. Ambos foram companheiros de viagem do Partido Comunista e no domínio da militância política Montand e Signoret foram, por assim dizer, o equivalente no mundo do cinema de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir e as suas tomadas de posição eram ouvidas com atenção. Mas se as vidas de Signoret e Montand nunca se apartaram, apesar de diversos percalços, as suas carreiras (e, além de ator, ele era um não menos célebre cantor) foram paralelas, duas linhas que seguem a mesma direção, mas nunca se tocam: os dois quase nunca atuaram juntos no cinema e quando o fizeram a sua presença simultânea no ecrã foi breve, como exemplifica um filme programado neste ciclo, COMPARTIMENT TUEURS. Por isso, em vez de um ciclo Yves Montand/Simone Signoret, teremos dois ciclos simultâneos e paralelos, um que acompanha o percurso de Simone Signoret, outro que segue o de Yves Montand.
 
Simone Signoret
 
Simone Signoret nasceu em Wiesbaden, onde o seu pai, um judeu originário da Polónia (a sua mãe era uma francesa católica) fazia parte das forças de ocupação francesas, na sequência da Primeira Guerra Mundial. Em 1940, o seu pai parte para Londres, onde se junta ao movimento da França Livre do General de Gaulle e Signoret permanece em França com a mãe e os dois irmãos. É protegida das perseguições antissemitas por Corinne Luchaire, uma ex-colega de liceu que se lançava no cinema e cujo pai era diretor de um jornal ardentemente partidário da política de Hitler e Pétain (seria executado em 1946). Graças a esta proteção, Signoret começa a trabalhar como figurante, entre outros em LES VISITEURS DU SOIR, de Marcel Carné. Entre 1943 e 1949 (ano em que vai viver com Montand) é casada com Yves Allégret, competente realizador para quem fora figurante e que a lança em dois filmes importantes, ambos de 1947, DEDÉE D’ANVERS e MANÈGES. Bela e jovem, fazendo o papel de uma prostituta no primeiro filme e de uma arrivista sem escrúpulos no segundo, Signoret não é no entanto mostrada como um puro símbolo sexual, um corpo desejável, também tem a oportunidade de mostrar as suas capacidades de atriz. Ela torna-se definitivamente estrela com LA RONDE, Max Ophüls, em 1950 e é neste decénio que a sua carreira e a sua presença no cinema chegam ao auge, com THÉRÈSE RAQUIN (Marcel Carné), CASQUE D’OR/AQUELA LOIRA (Jacques Becker) e LES DIABOLIQUES (Henri-Georges Clouzot), além da sua breve e fulgurante presença em LA MORT EN CE JARDIN, de Luis Buñuel. Em 1959, faz a sua primeira incursão profissional fora de França com ROOM AT THE TOP (Jack Clayton), para o qual obtém o Oscar de melhor atriz. Simone Signoret envelhece precocemente e não parece preocupar-se com isso, o que não entrava a sua carreira e ela continua a trabalhar com realizadores muito diferentes, como Curtis Harrington, William Klein e Jean-Pierre Melville. Passa a fazer papéis de matriarca, abandonando por completo qualquer imagem glamour, sem deixar de colaborar com “autores” marginais, como Patrice Chéreau e Jeanne Moreau e cineastas “comerciais”, como Granier-Defferre e Michel Drach, para quem fez a sua última aparição no cinema, em MAUPASSANT (1982). Na seleção de dez filmes com que homenageamos esta grande figura do cinema francês, abarcando um quarto de século da sua carreira, evitámos deliberadamente alguns dos seus filmes mais conhecidos (LES DIABOLIQUES; L’ARMÉE DES OMBRES), para propor aos nossos espectadores surpreendentes momentos de cinema que hoje em dia são pouco ou nada vistos (DEDÉE D’ANVERS; MANÈGES; IMPASSE DES DEUX-ANGES; THÉRÈSE RAQUIN), sem deixar por isso de proporcionar a oportunidade de revê-la em alguns dos seus filmes mais célebres e emblemáticos (LA RONDE; CASQUE D’OR; ROOM AT THE TOP). O período final do percurso cinematográfico de Simone Signoret é ilustrado por um dos seus papéis mais célebres (LE CHAT, 1971), em que tem um duelo de ódio com Jean Gabin e por um filme esquecido, LES GRANGES BRÛLÉES, em que contracena com Alain Delon. Em dez filmes marcantes, vinte e cinco anos do percurso de uma grande personalidade.

Yves Montand
 
Yves Montand nasceu em Itália com o nome de Ivo Livi e tinha apenas dois anos quando a sua família, para fugir ao regime de Benito Mussolini, instalou-se em Marselha. Montand começa a sua carreira como cantor em 1939, mas a guerra interrompe o seu percurso. Mal o conflito chega ao fim, Montand instala-se em Paris e, sob a proteção de Edith Piaf, estreia-se como cantor, com êxito (Les Feuilles Mortes, ainda hoje um clássico), na tradição dos chansonniers como Charles Trénet, que o influenciou. Em 1946, Montand faz uma pequena aparição num filme de que Piaf é vedeta (ÉTOILE SANS LUMIÈRE, Marcel Blistène, 1944) e tem uma importante oportunidade, ao substituir Jean Gabin, que desistira do filme, no ambicioso LES PORTES DE LA NUIT de Marcel Carné. Mas o filme é um fracasso de bilheteira e de crítica e Montand só alcança reconhecimento no cinema em 1953, no papel principal de LE SALAIRE DE LA PEUR, de Henri-Georges Clouzot. A partir de então e até à sua morte em 1991 (ao fim do último dia de rodagem de IP5, de Jean-Jacques Beineix), a sua carreira de ator terá um ritmo contínuo, sem altos e baixos e sem grandes alterações no tipo de personagens que lhe são confiados. Nos anos cinquenta, Montand trabalha com um variado leque de realizadores e produtores, podendo participar de uma produção feita sob a égide de diversos partidos comunistas (DIE WINDROSE, coordenado por Joris Ivens) ou de produções de consagrados realizadores italianos como Alessandro Blasetti e Giuseppe de Santis ou ainda de Claude Autant-Lara. Faz incursões em Hollywood (onde contracena com Marilyn Monroe) e ao cinema britânico. Nos anos sessenta, continua a manifestar o mesmo ecletismo e a mesma abertura de espírito ao participar em filmes tão diferentes quanto LA GUERRE EST FINIE, de Alain Resnais e GRAND PRIX, de John Frankenheimer, ao passo que no mesmo ano de 1972 foi a vedeta de filmes de Jean-Luc Godard e Costa-Gavras, dois cineastas que tudo opõe. É preciso assinalar que Yves Montand nunca interrompeu a sua bem-sucedida carreira de cantor, embora, com raríssimas exceções, não tenha feito filmes musicais. No entanto, em 1988, aceitou fazer o seu próprio papel em TROIS PLACES POUR LE 26, que veio a ser o último filme de Jacques Demy, uma ficção em que Montand regressa a Marselha para preparar uma digressão internacional e é assaltado pelas lembranças da juventude. A variedade do percurso de Yves Montand é ilustrada pelos filmes que apresentamos neste ciclo, que incluem o seu encontro com Hollywood e com Marilyn Monroe (LET’S MAKE LOVE), clássicos modernos (LA GUERRE EST FINIE, LE CERCLE ROUGE), a primeira tentativa de regresso ao cinema comercial por parte de Jean-Luc Godard depois de dele se ter afastado (TOUT VA BIEN) e, entre outros, um retrato do próprio Montand como cantor, no documentário LA SOLITUDE DU CHANTEUR DE FOND, de Chris Marker.


 
11/12/2021, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Simone Signoret e Yves Montand: Caminhos Paralelos

Le Cercle Rouge
O Círculo Vermelho
de Jean­ Pierre Melville
França, 1970 - 140 min
13/12/2021, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Simone Signoret e Yves Montand: Caminhos Paralelos

Games
Jogos Perigosos
de Curtis Harrington
Estados Unidos, 1967 - 100 min
13/12/2021, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Simone Signoret e Yves Montand: Caminhos Paralelos

La Ronde
A Ronda
de Max Ophüls
França, 1951 - 92 min
14/12/2021, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Simone Signoret e Yves Montand: Caminhos Paralelos

Thérèse Raquin
Teresa Raquin
de Marcel Carné
França , 1953 - 105 min
14/12/2021, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Simone Signoret e Yves Montand: Caminhos Paralelos

Casque d’Or
Aquela Loira
de Jacques Becker
França, 1952 - 94 min
11/12/2021, 19h30 | Sala Luís de Pina
Simone Signoret e Yves Montand: Caminhos Paralelos
Le Cercle Rouge
O Círculo Vermelho
de Jean­ Pierre Melville
com Alain Delon, Bourvil, Yves Montand, François Périer, Gian Maria Volonté
França, 1970 - 140 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Yves Montand
Uma das grandes obras-­primas de Melville, que emparelha com LE SAMOURAÏ, geralmente considerado a sua obra-prima, e tem uma atmosfera menos abstrata do que a daquele filme. A narrativa ilustra situações clássicas do cinema policial, com o encontro de dois criminosos que se unem para um assalto, aos quais vem se juntar um terceiro e inesperado cúmplice. Como o de todo o grande filme criminal, o mecanismo é perfeito. É preciso ver a fabulosa sequência da evasão de Gian Maria Volonté, do comboio e a do assalto (cerca de vinte e cinco minutos, sem uma palavra de diálogo) para se ter a noção do que é o cinema de Melville: uma organização onde nada falha e tudo está no seu lugar. Excecional presença dos três atores principais: Alain Delon frio e determinado, Yves Montand, arrombador de cofres alcoólico e Bourvil, célebre ator cómico, que faz aqui a sua despedida ao cinema no pungente papel de um polícia solitário. A exibir em cópia digital.

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13/12/2021, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Simone Signoret e Yves Montand: Caminhos Paralelos
Games
Jogos Perigosos
de Curtis Harrington
com Simone Signoret, James Caan, Katharine Ross, Kent Smith
Estados Unidos, 1967 - 100 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Simone Signoret
Curtis Harrington veio da vanguarda clássica americana, movimento no qual se ilustrou em meados dos anos quarenta. Nos anos sessenta, aderiu ao cinema comercial e realizou filmes de horror e thrillers de que GAMES é o exemplo mais célebre. O argumento foi escrito para Marlene Dietrich, mas a Universal recusou a ideia (“ninguém se interessa por ela”) e o papel veio parar às mãos de Simone Signoret. Trata-se de uma história de manipulação estruturada à volta de duas mulheres e um homem, como em AS DIABÓLICAS. Um rico casal nova-iorquino afeiçoa-se a uma representante de cosméticos, que diz ter poderes paranormais e acaba por ir viver com eles. A mulher organiza uma série de jogos para o casal, em que a simulação acaba misturando-se com a realidade e o que parece brincadeira é um jogo de poder à volta da fortuna do par. Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.

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13/12/2021, 19h30 | Sala Luís de Pina
Simone Signoret e Yves Montand: Caminhos Paralelos
La Ronde
A Ronda
de Max Ophüls
com Anton Walbrook, Simone Signoret, Gérard Philippe, Danièle Darrieux
França, 1951 - 92 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Simone Signoret
Cronologicamente, LA RONDE foi a primeira das quatro obras-primas realizadas no período final da carreira de Max Ophüls (as outras são LE PLAISIR, MADAME DE… e LOLA MONTÈS) Todos os papéis em LA RONDE são breves e foi a sua breve presença no filme de Ophüls, no papel de uma prostituta, que fez definitivamente de Simone Signoret uma vedeta. O filme adapta uma história de Arthur Schnitzler sobre a “ronda do amor”, com uma série de pares, em que um dos membros sempre vem do par anteriormente mostrado, antes do círculo se fechar sobre o personagem com o qual se abrira, o de Simone Signoret. Toda esta dança de desejos é orquestrada por um demiurgo, Anton Walbrook, que comenta, provoca e interrompe os romances que se distribuem por vários episódios. Um fabuloso desfile de vedetas num dos filmes mais brilhantes de Ophüls, com o seu tom tipicamente agridoce.

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14/12/2021, 19h30 | Sala Luís de Pina
Simone Signoret e Yves Montand: Caminhos Paralelos
Thérèse Raquin
Teresa Raquin
de Marcel Carné
com Simone Signoret, Raf Vallone, Sylvie
França , 1953 - 105 min
legendado em português | M/12
Simone Signoret
Depois de virada a página do “realismo poético” com o fracasso de LES PORTES DE LA NUIT, mas mergulhando num tipo de atmosfera semelhante ao que fez a glória dos filmes feitos por Marcel Carné nos anos trinta e quarenta, THÉRÈSE RAQUIN é geralmente considerado como o último grande filme do realizador. Trata-se de um drama livremente inspirado no romance de Émile Zola, transposto para Lyon e para o tempo contemporâneo ao da realização. Uma história de paixão obsessiva que conduz ao crime. Reminiscência da sua obra passada e elemento típico das “adaptações literárias” francesas dos anos cinquenta: Carné introduz um personagem novo, o marinheiro, que representa o “Destino” que leva os personagens para a tragédia. Despida dos atributos de mulher sedutora que tinham sido os seus trunfos em DEDÉE D’ANVERS e MANÈGES, Simone Signoret dá aqui os primeiros toques na sua futura persona cinematográfica, bela porém recatada, uma mulher que calcula os seus gestos e não age por impulso. Grande Prémio do Festival de Veneza de 1953, o filme foi apresentado uma única vez na Cinemateca, em janeiro de 1997, por ocasião do falecimento de Marcel Carné.

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14/12/2021, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Simone Signoret e Yves Montand: Caminhos Paralelos
Casque d’Or
Aquela Loira
de Jacques Becker
com Simone Signoret, Serge Reggiani, Claude Dauphin
França, 1952 - 94 min
legendado em português | M/12
Simone Signoret
Um dos mais belos filmes franceses de sempre, considerado por alguns críticos como a obra-prima de Jacques Becker. Raras vezes, no cinema, uma “reconstituição” de época (o fim do século XIX) conseguiu recriar, de forma tão perfeita, um estilo de vida e o espírito do tempo. A história é situada entre os apaches, termo que designava os bandidos e delinquentes em Paris, na passagem do século XIX para o XX. Esta pintura de um meio social preciso serve de contexto e pretexto para uma história de amor, em que Casque d’Or (Simone Signoret) é a bela amante de um ex-bandido, Manda, na melhor criação de Serge Reggiani no ecrã. A situação cria uma série de tensões e rivalidades e o amante de Casque d’Or acaba traído pelo chefe do grupo.

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