CICLO
Alberto Seixas Santos – O Realismo Utópico


Como cineasta, Alberto Seixas Santos assinou títulos fundamentais das últimas décadas, num diálogo continuado com o Portugal contemporâneo que faz do cinema um instrumento de pensamento, interrogação e afirmação, atravessado por um intransigente desejo de modernidade. Assim o apresentou a Cinemateca quando, em 2012, no contexto da rubrica regular de programação “Histórias do Cinema”, Seixas Santos protagonizou uma memorável série de cinco sessões-conferência, dedicadas ao cinema de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet, de que é um admirador confesso. A retrospetiva que agora lhe dedicamos centra-se na sua obra como cineasta, consubstanciada nas cinco longas-metragens que realizou entre 1974 e 2011, trabalhando as ideias da representação (do real e dos atores), de descontinuidade, de integração de materiais de proveniência vária: BRANDOS COSTUMES, GESTOS & FRAGMENTOS, PARAÍSO PERDIDO (1974/1992) – a trilogia inicial de filmes que refletem a ressaca do salazarismo, da revolução de 74, do colonialismo português –; MAL (1999), nas suas palavras, “um olhar sobre o mundo visto a partir de Portugal”, em que João Bénard da Costa viu “uma súmula de todos os seus temas”; E O TEMPO PASSA (2011), concebido sob o mote “De tudo se faz o mundo”. Em rigor, a filmografia como realizador tem início em 1967/68 com as suas duas curtas-metragens institucionais (A INDÚSTRIA CERVEJEIRA EM PORTUGAL e A ARTE E O OFÍCIO DE OURIVES), a que não reconhece um estatuto de vulto, depois de uma primeira tentativa na curta-metragem, nunca completada, em 1961, sob os auspícios de Perdigão Queiroga, que teria tido por título SURPRISE PARTY e contava, no elenco, com João César Monteiro. À curta-metragem voltou apenas uma vez, já neste milénio, quando assinou o surpreendente A RAPARIGA DA MÃO MORTA (2005). Produzido e assinado pela cooperativa de cinema Grupo Zero, de que foi um dos membros fundadores em 1974, A LEI DA TERRA (1977) é o sexto título de longa-metragem da sua filmografia. Todos esta retrospetiva inclui, estendendo-se ainda a filmes em que Seixas Santos participou como ator (UM PASSO, OUTRO PASSO E DEPOIS..., de Manuel Mozos; INVENTÁRIO DE NATAL, de Miguel Gomes; O ANJO DA GUARDA, de Margarida Gil), autor do texto ou argumento (HOJE ESTREIA, de Fernando Lopes; LOBOS, de José Nascimento) e retratado (REFÚGIO & EVASÃO, de Luís Alves de Matos).
Tendo estudado história e filosofia, a formação cinéfila de Alberto Seixas Santos foi vivida nos cineclubes lisboetas, marcada pelos Cahiers du Cinéma, vorazmente alimentada na Cinemateca Francesa, que frequentou no início dos anos sessenta, quando se instalou em Paris durante cerca de dois anos (uma experiência mais relevante no seu percurso do que a frequência da London Film School como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian pouco tempo depois). Como muitas vezes tem afirmado, o neorrealismo formou-o, o “rigor geométrico” do cinema de Fritz Lang e “a desorganização do mundo fabricado” por Jean Renoir são duas das suas maiores paixões – “sou completamente dividido entre estes dois pólos”, “Ford é um caso à parte” –, interessando-lhe particularmente “conseguir tomar as coisas na sua materialidade”, que vê exemplar na obra de Straub e Huillet. Quanto ao seu próprio cinema, em que continuadamente trabalha o plano das contradições, do teor mais ensaísta dos primeiros filmes ao registo mais narrativo dos seguintes, foi numa entrevista a propósito de MAL que referiu a necessidade do “confronto com uma realidade que me resiste”, e a adoção da ética de um “realista utópico”. “Todos os filmes que realizei obedecem aos mesmos princípios de rutura interna, de colagem, de mistura de materiais heterógenos no corpo da mesma obra. E todos têm fins em aberto. Quem sou eu para decidir do destino dos homens e do mundo?”, escreveu numa nota de intenções para E O TEMPO PASSA.
Extravasando o âmbito da sua obra, o percurso de Alberto Seixas Santos está diretamente associado ao surgimento do Cinema Novo português na viragem das décadas de sessenta e setenta, remontando ao cineclubismo (com epicentro no ABC Cine-clube de Lisboa, de que foi dirigente e animador entre meados dos anos cinquenta e os anos sessenta) e passando pela crítica (entre meados dos anos cinquenta e a década de setenta, nos boletins do ABC e em jornais e revistas como Imagem, Seara Nova, O Tempo e o Modo, Diário de Lisboa, Diário Popular, Letras & Artes, M – Revista de Cinema), pelo ensino (foi professor da ESTC-Escola Superior de Teatro e Cinema entre 1980 e 2003, tendo sido responsável pela escola piloto que lhe deu origem, no âmbito do Conservatório Nacional em 1973) e pela programação de cinema (de modo inestimável nos anos oitenta, como diretor de programas na RTP, em que foi responsável pela programação de cinema), atividades em que deixou marcas fortes e fizeram dele um dos espíritos mais influentes no meio do cinema português.
Em 2006, o ABC organizou uma retrospetiva da sua obra, em contexto, publicando uma monografia que incide na biofilmografia e no seu fundamental rasto no cinema português (Alberto Seixas Santos, ed. Cineclube ABC, 2006). Em 2014, a ESTC prestou-lhe homenagem. Na Cinemateca, onde os seus filmes têm sido mostrados nos mais diversos contextos (apenas A RAPARIGA DA MÃO MORTA terá agora a sua primeira exibição aqui), Alberto Seixas Santos tem sido presença regular, na apresentação dos seus filmes e de filmes de autores estimados e cúmplices das lides cinematográficas. Recentemente, além da referida participação nas “Histórias do Cinema: Seixas Santos / Straub-Huillet”, apresentou uma série de sessões intitulada “Escolhas de Alberto Seixas Santos” que, em 2013, deu a ver obras fundamentais de Ophuls, Renoir, Ford, Rossellini, Bergman, Visconti, Bresson, Rossen, Resnais. Esta retrospetiva de 2016 será acompanhada de uma edição, a publicar em breve.
 

 
24/03/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Alberto Seixas Santos – O Realismo Utópico

A Lei da Terra
de Grupo Zero
Portugal, 1977 - 67 min | M/12
 
28/03/2016, 18h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Alberto Seixas Santos – O Realismo Utópico

O Anjo da Guarda
de Margarida Gil
Portuga, 1998 - 103 min | M/12
28/03/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Alberto Seixas Santos – O Realismo Utópico

Paraíso Perdido
de Alberto Seixas Santos
Portugal, 90 min | M/12
29/03/2016, 18h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Alberto Seixas Santos – O Realismo Utópico

Lobos
de José Nascimento
Portugal, 2007 - 102 min | M/16
29/03/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Alberto Seixas Santos – O Realismo Utópico

A Rapariga da Mão Morta | Refúgio & Evasão
duração total da sessão: 82 min | M/12
24/03/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Alberto Seixas Santos – O Realismo Utópico
A Lei da Terra
de Grupo Zero
Portugal, 1977 - 67 min | M/12
Alberto Seixas Santos | Outras participações

Produzido e realizado pelo coletivo Grupo Zero, de que fizeram parte, entre outros, Acácio de Almeida, Alberto Seixas Santos, Fernando Belo, Joaquim Furtado, José Luís Carvalhosa, Leonel Efe, Lia Gama, Paola Porru, Serras Gago, Solveig Nordlund ou Teresa Caldas. Como ASSIM COMEÇA UMA COOPERATIVA, do mesmo Grupo Zero, mas mais ambicioso do que aquele, A LEI DA TERRA centra-se no processo da Reforma Agrária, retratado nas suas dimensões política, social e económica, com recurso à perspetiva histórica e ao seu respetivo comentário em “off” a duas vozes (uma masculina e outra feminina). No contexto do cinema militante da época pós-revolucionária, A LEI DA TERRA é também exemplo de uma preocupação didática.

28/03/2016, 18h30 | Sala Luís de Pina
Alberto Seixas Santos – O Realismo Utópico
O Anjo da Guarda
de Margarida Gil
com Dalila Carmo, Natália Luísa, Pedro Hestnes, Isabel de Castro, José Pinto
Portuga, 1998 - 103 min | M/12
Alberto Seixas Santos | outras participações

Lúcia parte à procura de uma última carta que o pai lhe terá deixado antes de morrer. E para isso regressa à quinta onde viveu a infância, num retorno não apenas às suas raízes mas sobretudo ao lugar onde foi feliz. Em torno deste eixo narrativo, surgem outras histórias e outras personagens femininas, num mosaico que não deixa de antecipar algo do filme seguinte de Margarida Gil, ADRIANA. Alberto Seixas Santos dá a voz à personagem epistolar do pai.

28/03/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Alberto Seixas Santos – O Realismo Utópico
Paraíso Perdido
de Alberto Seixas Santos
com Rui Mendes, Maria de Medeiros, Manuela de Freitas, Carlos Daniel
Portugal, 90 min | M/12
Alberto Seixas Santos | Integral realizador

Dez anos depois de GESTOS & FRAGMENTOS, Seixas Santos voltou a filmar construindo uma ficção sobre personagens desencontradas com a História recente de Portugal como pano de fundo reflexivo. Um professor universitário de meia-idade e uma rapariga com menos trinta anos do que ele partilham uma ligação feita de trocas de confissões e de memórias. A descoberta da loucura como traço comum ao passado de ambos será decisiva para a solidão de cada um deles. Argumento de Seixas Santos e António Cabrita. Produção Animatógrafo, com direção de produção de António da Cunha Telles.

29/03/2016, 18h30 | Sala Luís de Pina
Alberto Seixas Santos – O Realismo Utópico
Lobos
de José Nascimento
com Nuno Melo, Catarina Wallenstein, Pedro Hestnes, Francisco Nascimento, Vítor Norte
Portugal, 2007 - 102 min | M/16
Alberto Seixas Santos | outras participações

Numa noite de inverno, Joaquim convida o irmão, a mulher e a sobrinha para jantar. Um crime acontece e Joaquim foge com a sobrinha. Num cenário inóspito e duro, marcado pela neve e pelo frio, os dias e as noites sucedem-se numa fuga constante e numa ligação amorosa insustentável. Tal como dos seus outros filmes, José Nascimento diz que "LOBOS é um retrato dos portugueses e de um país adiado". O argumento é de Alberto Seixas Santos e José Nascimento.

29/03/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Alberto Seixas Santos – O Realismo Utópico
A Rapariga da Mão Morta | Refúgio & Evasão
duração total da sessão: 82 min | M/12
Alberto Seixas Santos | Integral realizador e outras participações

com a presença de Luís Alves de Matos

A RAPARIGA DA MÃO MORTA
de Alberto Seixas Santos
com Rita Martins, Madalena Vitorino, Bia Gomes, Maria Inês Soares
Portugal, 2005 – 16 min
REFÚGIO & EVASÃO
de Luís Alves de Matos
Portugal, 2014 – 66 min

Produção O Som e a Fúria, A RAPARIGA DA MÃO MORTA estreou comercialmente em Portugal com L’ENFANT / A CRIANÇA de Jean-Pierre e Luc Dardenne, a 27 de abril de 2006. O argumento é de Seixas Santos e Maria Velho da Costa: “Cecília tem dezasseis anos e uma prótese na mão esquerda. Vem viver para casa de seus pais e Mariana, de quatro anos, sua prima. O amor da mãe confina-se na recém-chegada. Com ciúmes, Cecília fantasia um amor trágico, que não lhe traz de volta o amor da mãe.” REFÚGIO & EVASÃO é um retrato filmado de Alberto Seixas Santos por Luís Alves de Matos. “A partir do testemunho e experiência pessoal do cineasta Alberto Seixas Santos e das suas reflexões sobre a História do cinema fez-se a reconstrução de uma memória fílmica através de um processo de montagem. Um diálogo entre as imagens dos seus filmes e de cineastas que admira, cujos filmes contaminam este documentário como fantasmas que vêm assombrar o real. Para o realizador, ‘a questão central no cinema, como é a questão central na pintura, na música, onde quer que seja, é que só ficam as obras que correm riscos’”. A RAPARIGA DA MÃO MORTA é uma primeira exibição na Cinemateca.