CICLO
Histórias Do Cinema: John Carpenter/Jean-Baptiste Thoret


Crítico, historiador, curador e cineasta, Jean-Baptiste Thoret é um dos mais multifacetados, prolíficos e respeitados divulgadores, historiadores e pensadores do cinema da sua geração (o seu estudo sobre Michael Mann, Michael Mann : Mirages du Contemporain, foi um dos livros de ensaio sobre cinema mais bem recebidos nos últimos anos, tendo suscitado no mercado americano uma edição da responsabilidade da editora White Lion Publishing). Além da sua brilhante irrequietude, é-lhe característico um vasto conhecimento enciclopédico relativamente ao cinema mais popular e de culto dos anos 70 do século passado até à atualidade. Começou a pensar sobre as obras de alguns dos seus realizadores de eleição ao chegar à fala com alguns deles na qualidade de jornalista e crítico para publicações várias, tais como os Cahiers du cinéma, a GQ e um blogue do site do Le Nouvel Observateur, além de ter feito televisão e rádio em programas de promoção da cultura cinéfila.
Amante de westerns e de cinema de terror, mas que não enjeita, antes pelo contrário, as “corruptelas” italianas (realizou um filme com e sobre Dario Argento, Dario Argento: Soupirs dans un corridor lointain, e escreveu um livro sobre Sergio Leone, editado pelos Cahiers du cinéma com o Le Monde), a principal paixão de Thoret é, dentro da boa tradição crítica e académica francesa, o cinema americano, em particular o da Nova Hollywood (escreveu livros sobre o período, destacando-se Le cinéma américain des années 70, editado pelos Cahiers du cinéma, e ainda realizou um significativo filme intitulado We Blew It em que procura estabelecer pontes entre o estado da América hoje e essa época extremamente criativa e desperta do cinema americano). É um grande conhecedor/ruminador e confesso admirador da paisagem americana e de cineastas tidos como menores pelo cânone oficial, mas que tão bem a corporizam ou põem em xeque, tais como Michael Cimino (a ele, e a uma certa América “perdida”, é dedicado um dos seus filmes, Michael Cimino, un mirage américain), Peter Bogdanovich, Tobe Hooper, George A. Romero e, ocupando um lugar muito especial no seu corpus crítico, John Carpenter. Nem de propósito, a primeira obra da sua já vasta bibliografia foi Mythes et Masques : Les fantômes de John Carpenter, redigido com Luc Lagier, livro de referência saído em 1998 pela mão da editora Dreamland – o primeiro estudo a ser publicado em França sobre “um dos cineastas mais inventivos e originais dos últimos vinte anos”. Neste ano de 2025, Thoret “voltou a casa”, a um dos “totens da sua juventude”, e, mergulhando de novo na obra de “Big John”, lançou no mês destas Histórias do Cinema um novo livro intitulado Back to the Bone: John Carpenter 2025, com a chancela Magnani Éditeur, que se propõe responder a uma série de questões: “Como é rever, em 2025, os filmes de um cineasta que amámos tanto? Será que encontramos algo diferente do que já tínhamos visto? E se os próprios filmes tiverem mudado à medida que o nosso olhar sobre eles evoluiu?” As ligações e afinidades são várias, mas importa ainda assinalar que Thoret partilha com John Carpenter uma outra paixão, a música, estando creditado como compositor em quase uma dezena de filmes (e não somente aqueles que assina enquanto realizador).
No âmbito de uma imprescindível coleção home cinema da Studio Canal de que é curador chamada “Make My Day”, Thoret lançou, no final do ano passado, uma edição DVD que importa destacar aqui. Desse pack constam Buffalo Bill and the Indians or Sitting Bull's History Lesson, western maldito de Robert Altman e protagonizado por Paul Newman, sobre o algo inclassificável showman do faroeste Buffalo Bill, e ainda uma preciosa curta-metragem como extra: THE RESURRECTION OF BRONCHO BILLY, filme de James R. Rokos com montagem e música de Carpenter, além de argumento de sua coautoria. De acordo com Thoret, muita coisa está contida, em semente, neste pequeno filme estudantil, feito com apoio da University of Southern California, e sobre uma personagem com uma obsessão quase maníaca pelo imaginário do western. No mínimo, THE RESURRECTION OF BRONCHO BILLY assinala, de maneira evidente, a importância dos clássicos na obra desse grande “master of horror” da Nova Hollywood.
O realizador de ASSAULT ON PRECINCT 13 e HALLOWEEN, que já mereceu uma retrospetiva na Cinemateca, acompanhada por um catálogo, no ano de 2008, intitulado John Carpenter – Memórias de um Homem Bem Visível, toma agora de assalto umas Histórias do Cinema com a assinatura de um cinéfilo e teórico estrepitosamente “carpenteriano”.
 
 
28/02/2025, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Histórias Do Cinema: John Carpenter/Jean-Baptiste Thoret

The Resurrection of Bronco Billy | They Live
 
28/02/2025, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Histórias Do Cinema: John Carpenter/Jean-Baptiste Thoret
The Resurrection of Bronco Billy | They Live
sessão-conferência por Jean-Baptiste Thoret
THE RESURRECTION OF BRONCHO BILLY
de James R. Rokos
com Johnny Crawford, Kristin Harmon, Ruth Hussey
Estados Unidos, 1970 – 21 min
legendado eletronicamente em português 
 
THEY LIVE
Eles Vivem
de John Carpenter
com Roddy Piper, Keuth David, Meg Foster, George “Buck” Flower
Estados Unidos, 1988 – 94 min / legendado em português

duração total da sessão: 115 min | M/12
Uma absoluta raridade, que podemos situar na carreira de Carpenter entre a deliciosa obra de estreia, CAPTAIN VOYEUR, e a delirante space opera DARK STAR, a curta--metragem THE RESURRECTION OF BRONCHO BILLY tem argumento da coautoria de “Big John” (responsável também pela montagem e pela música), na companhia de um futuro colaborador habitual, Nick Castle (aqui também na qualidade de diretor de fotografia), quando ambos eram ainda perfeitos desconhecidos, e é realizado pelo colega James R. Rokos. Trata-se da história contemporânea de um rapaz que sonha acordado com os westerns que “consome” obsessivamente, tornando-o “desfasado da vida”. É um “filme-manifesto”, consagrado com o Oscar de Melhor Curta-Metragem de Ação e realizado em homenagem ao western, género favorito de Carpenter, que prenuncia muito do que viria a seguir na sua obra. Em THEY LIVE, um homem chega a Los Angeles para descobrir que a sociedade de consumo está a ser dominada por mensagens subliminares ditadas por aliens disfarçados de humanos. O “real” só se torna visível através de óculos escuros especiais, objeto que permite ao protagonista ver menos para ver mais além. “Stay asleep”, “no imagination”, “submit to authority” são algumas das palavras de ordem para subjugar os humanos. Segundo Luís Miguel Oliveira, “este é, com muito poucos concorrentes à altura, o grande filme político do cinema americano dos anos oitenta”.