CICLO
Hours and Hours – Os Filmes para Televisão dos Grandes Mestres de Hollywood


“Horas e horas de drama”, dizia o crítico Bill Krohn sobre a oferta televisiva que era disponibilizada pela televisão americana a partir de meados dos anos 50 (quando se dá não só a massificação da sua presença doméstica como se assiste à sua primeira “idade de ouro”). Num contexto cultural e social em que o cinema começava a perder importância e espectadores para a televisão, esta foi “roubar” a Hollywood muitas ideias, modelos narrativos e talentos criativos. De certa maneira, a televisão americana dessa época foi uma continuação do cinema americano com outra escala e outros métodos de trabalho, mas ainda ligada à grande arte narrativa do cinema clássico e à sua fascinante capacidade de traduzir um fértil imaginário coletivo em infinitas histórias. Nessa passagem de muitos dos veteranos realizadores de Hollywood (e também dos seus argumentistas, atores e técnicos) para a experiência de produção para as cadeias de televisão encontramos como formato mais comum a contribuição com um ou vários episódios autónomos para uma qualquer série de prestígio. O melhor exemplo será o da série Screen Directors Playhouse, pela qual passaram tantos apelidos sonantes (McCarey, Ford, Walsh, Dwan e Borzage, para ficar só por alguns dos maiores). Noutros casos, a notoriedade dos nomes e a caução do cinema eram usadas como "marcas", como foi o caso de Alfred Hithcock, que emprestou a figura e o nome a duas séries muito populares (Alfred Hitchock Presents e The Alfred Hitchcock Hour), o The Barbara Stanwyck Show (para a qual Jacques Tourneur dirigiu 11 episódios) ou o menos convencional Around the World with Orson Welles (produzido e exibido fora dos Estados Unidos). Mas se para os nomes até agora referidos o trabalho para televisão foi apenas um desvio mais ou menos acentuado numa carreira essencialmente feita para o grande ecrã, noutros casos, alguns deles autores ou “tarefeiros” com décadas de experiência em cinema (Ida Lupino, Stuart Heisler e Phil Karlson para dar três exemplos), o pequeno ecrã tornou-se a sua nova casa. Nas suas múltiplas declinações, as “portas giratórias” entre o cinema e a televisão americanos desses anos do início do fim do studio system são extraordinariamente reveladoras da reconfiguração do cinema americano e valem bem a redescoberta pois para além do muito que se conhece há pelo menos outras  tantas “hours and hours” ainda por aclarar. 
Concebido em colaboração com o programador convidado Andy Rector (que assina também todas as notas individuais que se seguem sobre a componente televisiva do programa), este Ciclo é uma primeira tentativa mais sistemática de revisitação dessa componente menos conhecida que a História do cinema partilha com a História da televisão. Para cada um dos 15 realizadores em foco selecionámos pelo menos um dos seus mais significativos trabalhos para televisão (à exceção dos episódios de John Ford, Frank Borzage e Alfred Hitchcock, todos inéditos na Cinemateca) e complementamos a sua apresentação com pelo menos um título da respetiva obra cinematográfica com o qual se podem estabelecer rimas e correspondências várias, mais ou menos óbvias.
 
Nota sobre as cópias a exibir
Longamente negligenciada pelas televisões que os produziram e ainda em larga parte longe dos arquivos americanos que os poderiam preservar e restaurar, a maior parte da componente de produção televisiva incluída neste Ciclo não é há muito acessível nos seus formatos originais (35mm e 16mm), mas também ainda não está disponível em formatos digitais de alta definição. Por essa razão, alguns dos filmes a exibir (felizmente uma minoria de entre os títulos programados) serão apresentados em cópias de baixa definição com mais evidentes limitações de qualidade (o que, nos casos em que se justificar, poderá ser objeto de aviso especial nos dias que antecedem a respectiva projeção). Pela sua raridade, relevância e pela impossibilidade de obter cópias de melhor qualidade - mas também pela própria questão da sua receção originalmente estar ligada ao contexto de um meio televisivo que, quando comparado com a experiência sensorialmente mais rica do espectador de cinema em sala seu contemporâneo, era bastante condicionado pelas restrições técnicas existentes) -, optámos por manter a sua programação no contexto deste Ciclo. 
 
 
14/12/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Hours and Hours – Os Filmes para Televisão dos Grandes Mestres de Hollywood

Night Call | The Leopard Man
duração total da projeção: 91 min | M / 12
 
15/12/2023, 16h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Hours and Hours – Os Filmes para Televisão dos Grandes Mestres de Hollywood

The Brush Roper | Chain Lightning
duração total da projeção: 119 min
18/12/2023, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Hours and Hours – Os Filmes para Televisão dos Grandes Mestres de Hollywood

Not Wanted
de Elmer Clifton, Ida Lupino (não creditada)
Estados Unidos, 1949 - 91 min
19/12/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Hours and Hours – Os Filmes para Televisão dos Grandes Mestres de Hollywood

My Son John
Perseguem o Meu Filho
de Leo McCarey
Estados Unidos, 1952 - 122 min
19/12/2023, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Hours and Hours – Os Filmes para Televisão dos Grandes Mestres de Hollywood

Tom and Jerry | Meet the Governor
duração total da projeção: 50 min
14/12/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Hours and Hours – Os Filmes para Televisão dos Grandes Mestres de Hollywood
Night Call | The Leopard Man
duração total da projeção: 91 min | M / 12
NIGHT CALL
de Jacques Tourneur
com Gladys Cooper, Martine Bartlett, Nora Marlowe
Estados Unidos, 1964 - 25 min / legendado eletronicamente em português

THE LEOPARD MAN
O Homem Leopardo
de Jacques Tourneur
com Dennis O’Keefe, Margo, Jean Brooks, James Bell
Estados Unidos, 1943 - 65 min / legendados em português

NIGHT CALL foi filmado para a antológica série televisiva The Twilight Zone, e fora livremente baseado num conto de Richard Matheson (Long Distance Call, 1961). Telepatia, telefone, televisão, e sinais de necromancia: este episódio de Tourneur tem, em pleno fulgor, a sua inquietante sensibilidade com material sobrenatural. Uma senhora idosa (Gladys Cooper) não reconhece a voz rouca e sussurrante, do outro lado do telefone, que a chama incessantemente, enquanto ela está doente e deitada na cama. Só após uma terrível tempestade é que lhe encontra uma lógica obscura. Sobre o sucesso de NIGHT CALL, Tourneur disse: “É muito estranho - recebi telefonemas momentos antes do fim da transmissão do programa até à meia-noite. As mulheres diziam-me: ‘Tenho medo de ir para a cama, tenho medo de atender o telefone’. Até a minha própria mulher tinha medo. Portanto, o objetivo que eu procurava tinha sido alcançado”. O regresso real, ou simbólico, dos mortos ocorre em toda a obra do realizador. Um dos grandes filmes “por telefone”, ao lado de LA VOIX HUMAINE (de Rossellini, com Magnani, a partir de Cocteau) ou, possivelmente, da versão de 1945 de SORRY, WRONG NUMBER, primeiro trabalho para televisão de Nicholas Ray, feito em direto e atualmente perdido. THE LEOPARD MAN é um pioneiro de um género: o dos serial-killers psicopatas. Só que um filme destes, feito por Tourneur, em nada se compara com os que vieram depois. Como nos outros filmes feitos para Val Lewton, tudo se coloca sob o signo da sugestão, das sombras e do medo, sem necessidade de exposição, sem que veja o monstro nem os seus crimes. O pano de fundo é uma pequena cidade do México onde decorre uma série de horríveis mortes que, devido às características das feridas, são atribuídas a um leopardo. “Com este desfilar de medos e de culpas alinham as simetrias e as rimas narrativas e visuais. Se o filme procede por interrupções – os aparentes desvios para as histórias paralelas de cada uma das vítimas –, a sua consistência é bastante mais funda. E como se disse, bastante subterrânea. Como o medo e como a culpa” (Maria João Madeira). NIGHT CALL é exibido em cópia digital.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de NIGHT CALL aqui

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15/12/2023, 16h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Hours and Hours – Os Filmes para Televisão dos Grandes Mestres de Hollywood
The Brush Roper | Chain Lightning
duração total da projeção: 119 min
legendados eletronicamente em português | M/12
THE BRUSH ROPER
de Stuart Heisler
com Walter Brennan, Chuck Connors, Lee Aaker, Olive Carey
Estados Unidos, 1955 - 25 min 

CHAIN LIGHTNING
de Stuart Heisler
com Humphrey Bogart, Eleanor Parker, Raymond Massey
Estados Unidos, 1950 – 94 min

Stuart Heisler é caso para uma investigação mais aprofundada: o seu trabalho como realizador de cinema é bastante negligenciado, sendo que os 66 episódios que dirigiu para televisão estão totalmente por avaliar. De modo a contrariar essa omissão mostramos, modestamente, uma das realizações televisivas de Heisler, uma das melhores entradas da série Screen Directors Playhouse. THE BRUSH ROPER é protagonizado por um hilariante Walter Brennan no papel de um eloquente agricultor que regala o seu neto com histórias sobre as suas habilidades de cowboy. Quando um touro de rodeo aparece solto nas suas terras, o avô tenta provar que as suas histórias são verdadeiras e laça-o, com o jovem a virar-se ocasionalmente para a câmara e a comentar a ação. Repleto de diálogos coloquiais e maravilhosamente densos (escritos por William Tunberg e Fred Gipson, argumentistas de OLD YELLER), é uma produção robusta com elaborados movimentos de câmara do diretor de fotografia Eddie Fitzgerald (ROPE, LASSIE). O impulso desta obra televisiva ligeira contém, também, um tema do Heisler mais denso: até que ponto podem os filmes “clássicos” acompanhar a experimental e irresponsável aventura de um herói? Tal como Jacques Lourcelles escreveu a propósito de TULSA de Heisler, tem uma “energia especial à beira de se tornar destrutiva, aniquilando o que primeiro esperava construir”. Em CHAIN LIGHTNING, um ex-piloto bombardeiro na Segunda Guerra Mundial (interpretado por Humphrey Bogart), aceita o cargo de piloto de testes numa empresa de aeronaves, que prepara um avião comercial que poderá atingir altas velocidades. O que não espera é o encontro com a ex-namorada, agora, rececionista na mesma empresa, que lhe despertará sentimentos antigos. Apesar da presença de Bogart, é um filme também pouco visto de Heisler sobre o perigo e a coragem, e as formas como o amor se pode imiscuir entre eles. Primeiras apresentações na Cinemateca. A exibir em cópias digitais.

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18/12/2023, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Hours and Hours – Os Filmes para Televisão dos Grandes Mestres de Hollywood
Not Wanted
de Elmer Clifton, Ida Lupino (não creditada)
com Sally Forrest, Keefe Brasselle, Leo Penn, Dorothy Adams
Estados Unidos, 1949 - 91 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Este filme, em que Ida Lupino “apenas” vem creditada como produtora, marca (ao que tudo indica) também o início da sua carreira como realizadora. NOT WANTED conta a história de uma jovem ingénua empregada de café que decide deixar tudo para seguir um músico por quem se apaixona, mas que engravida e é abandonada pelo seu “príncipe encantado”. Um dos primeiros filmes de Hollywood feito a partir de um ponto de vista feminino, ou feminista, sobre o impacto social de um drama específico do então chamado sexo fraco. A exibir em cópia digital.

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19/12/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Hours and Hours – Os Filmes para Televisão dos Grandes Mestres de Hollywood
My Son John
Perseguem o Meu Filho
de Leo McCarey
com Helen Hayes, Robert Walker, Van Heflin, Dean Jagger
Estados Unidos, 1952 - 122 min
legendado em espanhol eletronicamente em português | M/12
Uma relíquia dos tempos mais virulentos da propaganda anti-comunista, realizado no auge da Guerra Fria. Um casal de americanos de meia-idade vive um terrível pesadelo: será que o filho deles é comunista? Filmado como um melodrama, o filme foi reinterpretado por alguns em tempos recentes como um drama edipiano, mas a propaganda maccarthysta continua, para outros, a ser mais visível. Robert Walker morreu antes do fim da rodagem e McCarey substituiu-o por um figurante filmado de costas, em algumas cenas, inserindo trechos de STRANGERS ON A TRAIN, de Hitchcock, noutras. No desenlace, enquanto ouvimos um discurso anti-comunista de John, vemos um aparelho de rádio cercado por um halo! McCarey tão ou mais paradigmático do que em GOING MY WAY (O BOM PASTOR) e THE BELLS OF ST. MARY’S (OS SINOS DE SANTA MARIA). A exibir em cópia digital.

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19/12/2023, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Hours and Hours – Os Filmes para Televisão dos Grandes Mestres de Hollywood
Tom and Jerry | Meet the Governor
duração total da projeção: 50 min
legendados eletronicamente em português | M/12
TOM AND JERRY
de Leo McCarey
com Peter Lawford, Nancy Gates, Frank Fay, Marie Windsor
Estados Unidos, 1955 - 25 min

MEET THE GOVERNOR
de Leo McCarey
com Barbara Hale, Herb Shriner, Paul Harvey
Estados Unidos, 1955 - 25 min 

Há grandes intervalos na filmografia de McCarey do pós-Guerra (“McCarey espera no seu escritório por ordens que não chegam,” imaginou o crítico Jean-Claude Biette), mas os dois episódios que dirigiu para a Screen Directors Playhouse preenchem alegremente o espaço entre MY SON JOHN e AN AFFAIR TO REMEMBER. Ambos, os únicos trabalhos de McCarey para a televisão, são “comédias de recasamento”. Em TOM AND JERRY, escrito pela filha de McCarey, Mary McCarey, um padre (Frank Fay) tenta salvar um casamento problemático (Peter Lawford, Nancy Gates) e o seu filho (Charles Herbert) mesmo a tempo do Natal. Em MEET THE GOVERNOR, escrito pelo próprio McCarey, um advogado do interior (Herb Shriner) é forçado a candidatar-se a Governador. Numa tentativa de o difamar, os seus principais opositores encontram a sua esposa (Barbara Hale) de um casamento que ele pensava ter anulado legalmente - o reencontro entre os dois é uma bênção disfarçada. Em termos do estilo e dos temas de McCarey, está tudo lá: o humor e os ritmos em lugares inesperados, a liberdade das atuações, as surpresas constantes na mise-en-scène, o prazer dos planos individuais de cães e crianças, o sofá como fórum, divisória e proscénio entre amor, discórdia e resolução, o padre flexível, os fundamentos musicais, as bebidas, Abraham Lincoln e os milagres diários. Tudo isto “dá origem a um crescendo que é primeiro impercetível e, no final, irresistível” (Jacques Lourcelles). Uma das imagens mais límpidas de McCarey: uma criança reza enquanto sobe as escadas a correr.

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