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Assunto: Gestos & Fragmentos
Data: 25/02/2022
Textos & Imagens 60
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Diz-nos Helena Barbosa sobre o cartaz de cinema: “Convite anunciado por um estímulo visual (…) com a preocupação única de conseguir a captação mais adequada do frame identificador e ilustrador do filme em questão.”
Pouco haverá, por ventura, que diga tanto em tão pouco espaço no que respeita ao mundo moderno como um cartaz com as suas cores e ritmos mais ou menos apelativos. E se pretendermos isolar um único fenómeno do século XX que tenha marcado a vida do homem moderno, chegamos provavelmente a um outro meio de expressão e comunicação: o Cinema.
É certo que quando o Cinema se forma como inequívoco meio de comunicação, o Cartaz já atingira, neste contexto, a sua maturidade. O que não prejudicou, pelo contrário, a relação entre ambos, de estímulo rápido e duradouro. Voltando a Helena Barbosa: “o Cartaz encena o filme prolongando a memória do Cinema na versão estática”.
Esta versão estática parece ter um embrião consolidado no trabalho de Leonetto Cappiello (1875-1942), desenhador e caricaturista italiano radicado em Paris, artista que definiu a organização visual do Cartaz. As suas composições, que dissociam o elemento figurativo do fundo monocromático, num apelativo jogo colorido, teriam frutos entre nós, nomeadamente no posterior trabalho gráfico das empresas de Raul de Caldevilla. Há contudo que levar em conta aspetos sociais que convidavam a este tipo de conceção. A elevada iliteracia da viragem do século convocava a existência de cores vibrantes, de gravuras e de ilustrações, conjugados com elementos textuais reduzidos ao mínimo. Levemos em conta também, que esta realidade está longe de ser exclusiva do Cinema, que veria chegar o seu estatuto de 7ª Arte em data  não muito distante, por 1915. As demais formas de espetáculo e entretenimento, as mensagens sociais e políticas e demais comunicações de massas como a publicidade, viram no Cartaz um avassalador canal de transmissão de mensagens.
No campo cinematográfico há que sublinhar a figura de Jules Cheret (1836-1932), que terá sido o primeiro a conceber um cartaz para este tipo de entretenimento em 1890 – logo, antes das primeiras projeções Lumiére – para um espetáculo designado Projections Artistiques. Será contudo Marcellin Auzolle (1862-1942) quem emanciparia um filme concreto fixando-o em cartaz publicitário, o que acontece em 1895 com L’Arroseur Arrosée dos Irmãos Lumiére, e que combina um momento do filme com a reação da assistência em primeiro plano. O que se lhe segue pertence à História.
É ainda em França, muito mais tarde e pela voz e opinião de Emmanuel Decaux, que o fim do cinema mudo decreta a banalização do cartaz, que vê os ilustradores a ceder o trabalho a gráficos de forma progressiva. Por outro lado e sensivelmente pela mesma altura, o Formalismo russo encontra no Cartaz a sua tela de eleição, combinando formas humanas, elementos textuais e cores vibrantes.
E em Portugal? Os anos da Primeira República encontram ampla disseminação do Cartaz, publicitário e político sobretudo, mas também o cinema e outros géneros de espetáculo beneficiariam do fenómeno. O Escritório Técnico de Publicidade (ETP) do já citado Raul de Caldevilla, registado em 1914 e que nove anos depois originaria a Empresa Gráfica do Bolhão, constitui uma referência central no que ao Cartaz português diz respeito, e não apenas em torno da produção cinematográfica daquela individualidade. É no seio do trabalho desta empresa que encontramos o Cartaz do filme de Georges Pallu Lucros… Ilícitos, produzido pela Invicta Film (do Porto, tal como a Gráfica do Bolhão) em 1923.
Teresa Borges chama a atenção para a diferença entre dois cartazes concebidos pela mesma empresa, de filmes da mesma casa de produção cinematográfica. Se no cartaz de A Rosa do Adro do mesmo cineasta e de 1919, se verifica a total ausência de imagem, optando-se pelo título do filme e de três aspetos apelativos do mesmo; no caso de Lucros… Ilícitos a mudança de paradigma é notória. A área de texto reduz-se drasticamente. A mesma diz respeito ao título do filme, à empresa produtora e ao actor que protagoniza a fita. Há uma estratégia de sedução no destaque dado ao protagonista, como diz Teresa Borges, figura de “reconhecido valor teatral”.
É verdade que António Pinheiro gozava de enorme reputação no mundo teatral, como actor e encenador consagrado há mais de vinte anos, sendo professor de Estética e Plástica Teatral e, mais recentemente, de Arte de Representar. O sindicalismo que reformulou e consolidou para os seus pares e o pouco ou nenhum reconhecimento dos mesmos; o estado a que chegava por estes anos a situação do Teatro Nacional D. Maria II a que se dedicara de corpo e alma como director de cena; ainda a falta de reconhecimento no impulso que dera como encenador dos primeiros trabalhos da ainda jovem Companhia Rey Colaço Robles Monteiro, são alguns motivos que levam António Pinheiro a entusiasmar-se pelo cinema. Alguma imprensa ventilava mesmo o seu abandono do Teatro em favor do Cinema, sugerindo que a este se dedicaria em exclusivo.
Não abandonou o Teatro, mas Pinheiro faria no total 10 filmes para a Invicta como actor, realizando dois deles e assumindo em vários a função de director de actores. Sendo este o primeiro – e viria a ser o único – em que Pinheiro encarna o protagonista, entende-se que o cartaz de promoção do filme apostasse todas as fichas na sua figura, representando o avarento banqueiro Carlos Gold. A produtora Invicta Film, financeiramente depauperada, não foi salva por este filme, antes pelo contrário. Citando João Bénard da Costa: “É, sem favor, o pior dos filmes da Invicta”. Uma injeção financeira permitiu a renovação de equipamento, bem como a contratação, para o filme anterior, da jovem Francine Mussey. Mas apesar disso, não há “Francine que o salve”. Diz ainda Bénard da Costa que “a montagem é tão má [nas perseguições] que, em vez de paralela, parece ser concorrente, como se o banqueiro estivesse a fazer de propósito para ser apanhado”.
Os últimos filmes foram feitos no ano seguinte e a empresa, condenada, seria dissolvida em 1931. Por entre a documentação que resistiu aos anos, o cartaz sobrevive como obra mais bem conseguida que o filme que lhe diz respeito.

Luís Gameiro

Tipologia documental: Cartaz
Impressão: Gráfica do Bolhão, Porto
Dim. 135x90 cm

 
BIBLIOGRAFIA:
- BARBOSA, Helena, Um Bilhete Convidativo de Grandes Dimensões” in O Cartaz de Cinema em Portugal – Uma Exposição, uma Viagem, Academia Portuguesa de Cinema, Lisboa, 2018.
- BORGES, Teresa Barreto, “Algumas Notas” in O Cartaz de Cinema em Portugal – Uma Exposição, uma Viagem, Academia Portuguesa de Cinema, Lisboa, 2018.
- DECAUX, Emmanuel, “Quand les Affiches Parlent”, in Première, nº 45, 1980.
- EGUIZABAL, Raúl, “El Cine a Través del Cartel Publicitario”, in AGR – Coleccionistas de Cine, nº 1, 1999.
- SAMARA, Maria Alice / BAPTISTA, Tiago, Os Cartazes na Primeira República, Tinta-da-China, Lisboa, 2010.
- STEVENS, Isabel, “Revolution in Design”, in Sight & Sound, nº 2, fevereiro 2014.
 
SITIOGRAFIA:
www.fffmovieposters.com , Janeiro 2022.
www.postercollector.co.uk, Janeiro 2022.