CICLO
Paulo Rocha e Fernando Lopes, “Uma Espécie de Gémeos Diferentes” - Paulo Rocha


As obras de Paulo Rocha e Fernando Lopes, os dois cineastas que abriram o caminho do Cinema Novo Português nos anos sessenta (OS VERDES ANOS e BELARMINO, cujas datas de estreia em novembro de 1963 e de 1964 marcam os 50 anos do movimento português do Cinema Novo) filmando até ao início da segunda década de 2000 (EM CÂMARA LENTA de Lopes e SE EU FOSSE LADRÃO… ROUBAVA de Rocha, este último estreado postumamente), são mostradas em retrospetivas integrais em 2014 num diálogo entre os seus filmes, seminais do cinema português contemporâneo. Ambos nascidos em 1935 e falecidos em 2012, Lopes e Rocha acompanharam na Cinemateca as retrospetivas aqui organizadas em 1996, numa “ficção’ encenada pela Cinemateca” no “ano de todos os centenários”, como então escreveu João Bénard da Costa sublinhando a coincidência da data com o calendário do primeiro centenário do cinema português. As duas foram ocasião para a edição dos catálogos que tomaram o nome dos respetivos Ciclos, “Fernando Lopes por Cá” (realizada em Lisboa em maio e junho) e “Paulo Rocha: O Rio do Ouro” (que teve lugar no Porto, em novembro). As retrospetivas de 2014 são portanto um regresso e uma atualização.

 

Paulo Rocha (1935-2012) deu, juntamente com Fernando Lopes, os passos que puseram em marcha o Cinema Novo Português nos anos sessenta. Faz parte da história do cinema português, é-lhe consanguíneo, marcou-o ao longo das seis décadas que mediaram OS VERDES ANOS (1963) e SE EU FOSSE LADRÃO… ROUBAVA (2012), afirmando-se como um dos grandes autores do cinema moderno. A sua obra compõe um olhar de conjunto sobre a “portugalidade”, a partir de uma série de encontros e de choques: entre o país urbano e o país rural, ou entre a modernidade cultural e as tradições populares, por vezes em diálogo com as formas e expressões culturais exógenas, como sucede nos seus filmes (notoriamente em A ILHA DOS AMORES) que refletem a presença portuguesa no Extremo Oriente, também a partir de uma vivência pessoal. É também uma obra marcada pela estética da colagem, pela primeira vez trabalhada em POUSADA DAS CHAGAS.
Nascido no Porto, é nessa cidade, em 1955, que “descobre” o cinema numa projeção de JIGOKU MON /AMORES DE SAMURAI de Teinosuke Kinugasa. A cinefilia pratica-a em Lisboa, onde frequenta a Faculdade de Direito e integra o grupo de universitários católicos reunidos no CCU (Cine Clube Universitário), antes de partir para Paris, onde é espectador assíduo da Cinemateca, se licencia em realização no IDHEC (Institut des Hautes Études Cinématographiques), e é assistente de Jean Renoir em LE CAPORAL ÉPINGLÉ (1962), rodado em Viena de Áustria. Fica “a dever tudo ao Renoir, visto e revisto” e tem um fundamental contacto com os filmes de Kenji Mizoguchi. Por mestre português, elege Manoel de Oliveira, com quem colabora em A CAÇA e sobretudo ACTO DA PRIMAVERA, no seu regresso a Portugal em 1961. Inicia-se na realização, pela longa-metragem, com OS VERDES ANOS, um filme lisboeta, que surge como a primeira decisiva lufada de ar fresco do cinema português. Será sobretudo realizador de longas-metragens de ficção, assinando as obras que as notas seguintes apresentam dando igualmente conta do seu percurso, feito de passos portugueses e japoneses (faz várias viagens ao Japão tomando contacto com a cultura do país; é adido cultural da Embaixada de Portugal em Tóquio entre 1975 e 1984). Primeiro produzido por António da Cunha Telles (OS VERDES ANOS, MUDAR DE VIDA), associa-se ao Centro Português de Cinema (POUSADA DAS CHAGAS), concebendo a sua própria estrutura de produção a partir de A ILHA DOS AMORES. A Suma Filmes – ou a Gafanha Filmes, no caso de SE EU FOSSE LADRÃO… ROUBAVA – assume o quadro da sua atividade de produtor-realizador, também produzindo realizadores como Edgar Feldman, Manuel Mozos, Rita Azevedo Gomes ou João Viana. Como ator, Rocha colaborou com alguns destes realizadores, mas também Jorge Silva Melo (PASSAGEM OU A MEIO CAMINHO) Manoel de Oliveira (FRANCISCA, LE SOULIER DE SATIN), João Canijo (TRÊS MENOS EU), Fernando Lopes (O FIO DO HORIZONTE) ou Raquel Freire (RASGANÇO). Da sua biografia constam ainda a direção do Centro Português de Cinema nos anos setenta e a passagem pela Escola Superior de Cinema onde marca gerações de futuros realizadores, não menos impressionados pelos seus filmes.
Na sua grande maioria, os filmes desta retrospetiva são apresentados em cópias novas, depositadas ou resultantes de processos de preservação. OS VERDES ANOS e MUDAR DE VIDA, que em breve terão reposição comercial em novas cópias digitais, vão ser projetados em cópias novas 35mm. SE EU FOSSE LADRÃO… ROUBAVA teve a sua primeira apresentação pública em Portugal na Cinemateca, em janeiro de 2014, não sendo exibido agora dada a sua iminente estreia comercial.
 

 

22/03/2014, 21h30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Ciclo Paulo Rocha e Fernando Lopes, “Uma Espécie de Gémeos Diferentes” - Paulo Rocha

O Rio do Ouro
de Paulo Rocha
Portugal, França, Brasil, 1998 - 101 min
24/03/2014, 22h00 | Sala Luís de Pina
Ciclo Paulo Rocha e Fernando Lopes, “Uma Espécie de Gémeos Diferentes” - Paulo Rocha

Máscara de Aço Contra Abismo Azul
de Paulo Rocha
Portugal, 1988 - 64 min
25/03/2014, 21h30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Ciclo Paulo Rocha e Fernando Lopes, “Uma Espécie de Gémeos Diferentes” - Paulo Rocha

A Raíz do Coração
de Paulo Rocha
Portugal, França, 2000 - 118 min
 
27/03/2014, 21h30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Ciclo Paulo Rocha e Fernando Lopes, “Uma Espécie de Gémeos Diferentes” - Paulo Rocha

Marginália
de Saguenail
Portugal, 1998 - 140 min
 
28/03/2014, 22h00 | Sala Luís de Pina
Ciclo Paulo Rocha e Fernando Lopes, “Uma Espécie de Gémeos Diferentes” - Paulo Rocha

Shohei Imamura, le Libre Penseur
de Paulo Rocha
França, 1995 - 60 min
22/03/2014, 21h30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Paulo Rocha e Fernando Lopes, “Uma Espécie de Gémeos Diferentes” - Paulo Rocha
O Rio do Ouro
de Paulo Rocha
com Isabel Ruth, Lima Duarte, Joana Bárcia, João Cardoso, Filipe Cochofel, José Mário Branco
Portugal, França, Brasil, 1998 - 101 min

Inspirado em cantigas populares, romances de cordel e dramas “de faca e alguidar”, O RIO DO OURO (um projeto acalentado por Rocha desde OS VERDES ANOS) foi aclamado pela crítica depois da sua estreia mundial em Cannes, sendo, para alguns, a obra-prima de Paulo Rocha. Um filme possuído por uma força telúrica, onde pulsam a paixão e a violência, dominado pela “parte maldita”, com a paisagem do rio Douro ao fundo. E a outro fundo tudo arrasta Isabel Ruth, Carolina, nome suave para tais voos de bacante. “De certo modo, transfigura MUDAR DE VIDA, como transfigura Isabel Ruth“ (João Bénard da Costa). Foi o filme do regresso de Paulo Rocha à ficção ao cabo de uma década em que lhe foi impossível realizar projetos como “O Naufrágio de Sepúlveda” sobre a história trágico-marítima portuguesa e é também o filme do começo da sua colaboração na escrita com Regina Guimarães (uma constante na obra de Rocha até SE EU FOSSE LADRÃO… ROUBAVA).

24/03/2014, 22h00 | Sala Luís de Pina
Paulo Rocha e Fernando Lopes, “Uma Espécie de Gémeos Diferentes” - Paulo Rocha
Máscara de Aço Contra Abismo Azul
de Paulo Rocha
com Vítor Norte, Fernando Heitor, Inês de Medeiros, Miguel Guilherme, José Viana, Henrique Viana
Portugal, 1988 - 64 min

Quase vinte anos depois de POUSADA DAS CHAGAS, Paulo Rocha regressou a uma surpreendente colagem sobre o modernismo português, centrado em Amadeo de Souza-Cardoso. Entre a reconstituição dos anos do Orfeu e do manifesto futurista, a montagem de uma exposição na Gulbenkian e um onirismo jugulado, Rocha propôs uma das mais singulares e fascinantes visões desse mundo de cores e metais, tão saudosista quanto anarquizante, tão altaneiro quanto inseguro. Foi mostrado em Pesaro em 1989, no contexto de uma retrospetiva dedicada ao cinema português.

25/03/2014, 21h30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Paulo Rocha e Fernando Lopes, “Uma Espécie de Gémeos Diferentes” - Paulo Rocha
A Raíz do Coração
de Paulo Rocha
com Luís Miguel Cintra, Joana Bárcia, Isabel Ruth, Melvil Poupaud
Portugal, França, 2000 - 118 min

Lisboa por Paulo Rocha, mais de trinta anos depois de OS VERDES ANOS. Um candidato da extrema-direita à Câmara Municipal, que também veste as roupagens de Santo António, trava uma luta cerrada com um grupo de travestis que lhe fazem oposição política. Filmado em cores luxuriantes, A RAÍZ DO CORAÇÃO é também dilaceradamente sombrio. “É o filme da suprema beleza, é o filme que ousa olhar a beleza pela beleza e extasiar-se nela. (…) Em A RAÍZ DO CORAÇÃO a parada sobe ao máximo, como os travellings do filme, atravessando todos os espaços e tempos, toda a vida das formas. E é uma beleza desmedida, uma estética de excesso, a única que podia servir de âncora para personagens e histórias tão excessivas e tão desmedidas” (João Bénard da Costa). Estreou no festival internacional de cinema de Locarno em 2000.

27/03/2014, 21h30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Paulo Rocha e Fernando Lopes, “Uma Espécie de Gémeos Diferentes” - Paulo Rocha
Marginália
de Saguenail
Portugal, 1998 - 140 min

Rodado na região do Douro e na cidade do Porto durante as filmagens de O RIO DO OURO, que Saguenail e Regina Guimarães acompanharam, MARGINÁLIA (uma produção Hélastre e Suma Filmes) é constituído por quatro videogramas em torno da rodagem do filme de Paulo Rocha “que exploram as margens do RIO DO OURO e expõem sucessivamente o projeto, o método, as dificuldades e o resultado” (Saguenail, Regina Guimarães). O primeiro segmento (PREÂMBULO) centra-se numa longa entrevista a Rocha. Os restantes intitulam-se DEDICATÓRIA, RODAPÉ e ÍNDICE.

28/03/2014, 22h00 | Sala Luís de Pina
Paulo Rocha e Fernando Lopes, “Uma Espécie de Gémeos Diferentes” - Paulo Rocha
Shohei Imamura, le Libre Penseur
de Paulo Rocha
com Shohei Imamura
França, 1995 - 60 min
legendado eletronicamente em português

Graças à sua experiência japonesa nos anos setenta e oitenta (onde viveu e filmou A ILHA DOS AMORES) e ao seu conhecimento e gosto pelo cinema de Imamura, Paulo Rocha realizou este segundo filme para a série “Cinéma de Notre Temps” (com produção portuguesa da Rosa Filmes) regressando ao Japão para o encontro com o cineasta a filmar, o que não deixa de ser, também, um confronto com o seu próprio passado. Assim o entendeu Rocha: “De volta a Lisboa, na minha sala de montagem, pude começar o verdadeiro trabalho: cruzar as vozes e as imagens do Imamura de hoje com as do Imamura do passado, procurar as contradições, as ironias, as metáforas, os acasos poéticos, dinamitar o documento, fazer triunfar a verdade da ficção.”