CICLO
O Centenário de Edgar Morin


Para Edgar Morin, produzir pensamento é e sempre foi um modo de intervenção, muito direta, nos acontecimentos da sociedade e da história, sendo que, segundo o sociólogo ou antropólogo cultural, devemos olhar para a humanidade como um todo volátil, aberto ao imprevisível. Pensar na crise e nessa abertura é, em si mesmo, parte constituinte da sua teoria do pensamento complexo, que procura religar conhecimentos separados, produzindo associações múltiplas, por vezes imprevisíveis, entre dimensões distintas da experiência e do saber. O seu pensamento procura responder a questões maiores, constituindo-se na reação a alguns dos mais marcantes acontecimentos por que Morin e a humanidade no seu conjunto passaram ao longo de 100 anos: Morin nasceu pouco depois da eclosão da  Primeira Guerra Mundial e da Gripe Espanhola, enfrentou a depressão económica de 1929, descobriu a política – na sua faceta mais bárbara – nos anos 30, com a ascensão dos fascismos, foi resistente antinazi durante a Ocupação, acompanhou criticamente o desmoronar da utopia comunista, o que lhe valeu alguns remoques de camaradas mais à esquerda e, já um sociólogo reputadíssimo, apelidou de yé-yé a geração que fez o Maio de 68, converteu-se, desde os anos 70, num dos pioneiros da política ecológica, por via da qual aplicou, sem grande esforço, os princípios contidos na sua teoria da complexidade: não se pode salvar o mundo sem a intervenção de todos e cada um dos tripulantes da nave espacial Terra. Escreveu muito, assinou mais de sessenta livros, em que se destaca o monumental O Método, obra em seis volumes onde procura aplicar as suas ideias às mais variadas áreas do saber, com primazia para a Natureza, a vida, o conhecimento e a ética.
No início, contudo, era o cinema. Entre os fenómenos da cultura de massas, o cinéfilo Edgar Morin privilegia o mundo imaginário que se gera na sala escura. Os seus estudos O Cinema ou o Homem Imaginário (1956) e As Estrelas (1957) são fundamentais para se entender o que designa por “sociologia do presente”. Este grau de atenção ao que “estava aí” e seduzia as multidões tornou-o simultaneamente popular e alvo de múltiplas desconfianças, sobretudo alimentadas pela elite científica francesa. A disciplina dos estudos fílmicos ainda não era uma realidade nas carteiras das universidades, pelo que se estranhava que um pensador, que queria ser levado a sério, decidisse abordar um assunto tão “menor”. Mesmo mais tarde, quando ganhou distância sobre este tema, Morin nunca desvalorizou os seus estudos sobre o cinema, nem tão-pouco a experiência – que lamentou ter sido tão curta, por motivos de saúde – na correalização de um filme: CHRONIQUE D’UN ÉTÉ. Morin, com a cumplicidade de Jean Rouch, concebeu e envolveu-se na realização de um filme que pretendia pensar a atualidade, indo para a rua e inquirindo quem passasse: “É feliz?” Nascia um cinema da verdade e do improvável, (re)ligado ao essencial da vida, ao seu movimento, ao que sempre fora, enfim, a matéria-prima do pensamento de Morin. Aos 100 anos (fá-los-á no dia 8 de Julho), Morin enfrenta mais uma crise – a pandemia da covid-19 – e afirma a necessidade de mudarmos de vida, abraçando a complexidade e fazendo-o com base em valores como o amor e a fraternidade. Em jeito de diagnóstico do grande problema que nos aflige atualmente, escreveu, do alto dos seus 99 anos, o seguinte: “Estamos neste mundo e este mundo está em nós, agora descobrimos que este mundo está em crise” (Changeons de voie, 2020).
Os dois filmes deste ciclo celebram os 100 anos de Edgar Morin, em articulação com uma Conferência Online, organizada pelo ICNOVA – Instituto de Comunicação da NOVA, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa, e pelo CEC – Centro de Estudos Comparatistas, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, intitulada “Centenário Edgar Morin: Cinema, Educação e Transdisciplinaridade”, que acontecerá entre os dias 8 e 9 de Julho. Todas as informações sobre este evento em https://www.icnova.fcsh.unl.pt/2021/06/08/centenario-de-edgar-morin/
 
08/07/2021, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo O Centenário de Edgar Morin

Chronique d’un Été (Paris 1960)
de Jean Rouch, Edgar Morin
França, 1960 - 86 min
 
09/07/2021, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo O Centenário de Edgar Morin

Edgar Morin, Chronique d’un Regard
de Céline Gailleurd, Olivier Bohler
França, 2014 - 91 min
 
08/07/2021, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
O Centenário de Edgar Morin

Em colaboração com o ICNOVA e o CEC-FLUL
Chronique d’un Été (Paris 1960)
de Jean Rouch, Edgar Morin
com Marceline Loridan, Régis Debray, Mary-Lou Parolini
França, 1960 - 86 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Sessão com apresentação
Realizado por iniciativa do sociólogo ou antropólogo cultural Edgar Morin em estreita colaboração com Jean Rouch, CHRONIQUE D’UN ÉTÉ é uma obra emblemática daquilo que durante algum tempo foi chamado o “cinema-verdade”, o documentário em som direto, sem comentários e sem mediações. Este cinema foi possibilitado pela aparição de câmaras mais leves e silenciosas. Captados numa Paris vazia durante o mês de Agosto, os protagonistas são estudantes franceses (um deles é Régis Debray) e africanos, uma antiga deportada para os campos de concentração (Marceline Loridan) e operários. Um retrato coletivo através de retratos individuais, cujo ponto de partida é a pergunta: “É feliz?” Contou Edgar Morin, em entrevista a Kareh Tager: “Filmámos nas condições menos ‘cinema’ possíveis e aproximámos o cinema da vida. Mas, deste modo, aproximámo-nos de todas as confusões da vida.” A apresentar em cópia digital.
consulte a FOLHA DA CINEMATECA aqui

 
09/07/2021, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
O Centenário de Edgar Morin

Em colaboração com o ICNOVA e o CEC-FLUL
Edgar Morin, Chronique d’un Regard
de Céline Gailleurd, Olivier Bohler
França, 2014 - 91 min
legendado eletronicamente em português | M/12
E se a proposta “maior que a vida”, de Edgar Morin, de redefinir o modo como se pensa e se faz ciência, apostando no religamento pertinente de saberes dispersos, for inextricável de uma certa paixão pelo mundo imaginário das stars e do cinema, o popular e o de autor? Arqueólogos de uma certa memória cinéfila, os documentaristas Céline Gailleurd e Olivier Bohler produzem um retrato de Edgar Morin sob a forma de um itinerário entre Paris e Berlim, que se traduz num olhar sobre o “homem imaginário” por detrás do homem de carne e osso, jovem nonagenário que se lembra, como se fosse ontem, das imagens que viu ou que o viram a ele. O mérito desta obra, narrada pelo ator Mathieu Amalric, radica na vividez do pensamento de Morin em relação à vida e ao cinema, mas também no recentramento que produz, a partir de um monumental edifício teórico, nas imagens cinematográficas. Primeira apresentação na Cinemateca.
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