CICLO
Alain Delon, A Virtude do Silêncio


Foi a grande estrela masculina europeia dos anos 1960, um símbolo do cinema francês, uma extraordinária presença, um ator extraordinariamente disponível para ser filmado, que foi somando a beleza felina ao magnetismo, ao instinto, à insolência, à ambivalência, à intensidade, à insondabilidade como qualidades de representação. Diante das câmaras solar e lunar, Alain Delon (1935-2024) soube trabalhar a exceção e o privilégio dos encontros com grandes cineastas, sobretudo em França e Itália – René Clément, Jean-Pierre Melville, Luchino Visconti, Michelangelo Antonioni, Valerio Zurlini, Joseph Losey, Jean-Luc Godard entre os mais decisivos.
Soube também organizar as condições de outros tantos encontros, assumindo cedo e com consistência o duplo papel de ator-produtor, ciente de querer escolher projetos e cúmplices – ainda dos realizadores, Alain Cavalier, Christian-Jacque, Jacques Deray, Guy Gilles, Julien Duvivier, Henri Verneuil, José Giovanni ou Bertrand Blier. Falhou um verdadeiro capítulo em Hollywood, mas andou por lá e foi dirigido por Jack Cardiff ou Mark Robson. Reconhecido à escala do planeta, conheceu um êxito fulgurante no Japão. Realizou dois filmes nos anos 1980, anunciou a despedida do cinema no final da década seguinte, o que quase concretizou, passando a dedicar-se a telefilmes e séries.
Viu-se nele um símbolo sexual, um objeto de desejo. Foi uma criatura de cinema. Construiu uma filmografia de seis décadas e uns oitenta filmes, mais policiais do que românticos, e dramas-melodramas, com incursões esparsas na comédia e no western, personagens cadentes a esgrimirem questões de identidade (são dúplices vez após vez e morrem vez após vez), papéis em que apurou uma rara dualidade incendiária e contida (com o olhar, os gestos, os silêncios), obras-primas, filmes do imaginário popular dos espectadores de cinema do século XX, lastro noutros corpos celestes.
A vida privada foi turbulenta, não isenta de escândalos ou da infâmia de algumas posições públicas. Na magoada infância, como na vida rebelde da adolescência de Alain Delon, o cinema não era um destino provável. Encontrou-o depois do regresso da Indochina, para onde muito novo embarcou marinheiro, quando Yves Allégret lhe ofereceu o papel de jovem sedutor assassino sob contrato em QUAND LA FEMME S’EN MÊLE (1957), em que se fez notar. Afirmou mais tarde ter seguido o conselho do seu primeiro realizador, ser naturalista no modo de falar, ouvir, olhar – “Não representes, vive. Isso mudou tudo. Se Yves Allégret não mo tivesse dito assim, eu não teria tido esta carreira.” (Vanity Fair, 2017)
O que se seguiu não tardou a atingir um primeiro altíssimo momento em PLEIN SOLEIL, com o impenetrável Ripley de fogo e gelo que levou Visconti a olhar para ele (ROCCO E I SUOI FRATELLI, IL GATTOPARDO), Antonioni a desafiá-lo (L’ECLISSE), antes de Melville lhe achar toda a graça (LE SAMOURAÏ, LE CERCLE ROUGE, UN FLIC). O “ciclo italiano” de Delon conta com outra obra maior, de Zurlini (LA PRIMA NOTTE DI QUIETE), e dos cumes participam ainda um dos dois títulos com Losey (MR. KLEIN) e a ligação tardia com Godard, que o pôs num filme de mar e vagas com título do movimento do qual ele nunca foi imagem (NOUVELLE VAGUE). Dos grandes êxitos populares, a marca inevitável é LA PISCINE, e depois BORSALINO (de Jacques Deray, o seu mais regular realizador), mais tarde NOTRE HISTOIRE de Bertrand Blier (César de Melhor ator em 1985) e o filme da última aparição, ASTÉRIX AUX JEUX OLYMPIQUES (Frédéric Forestier, Thomas Langmann, 2006).
Como mestres reconhecia Clément, Visconti, Melville, e também Jean Gabin, com quem contracenou em três filmes de Henri Verneuil. Entre os pares, o amigo Jean-Claude Brialy, Claudia Cardinale e Burt Lancaster, Romy Schneider, atriz dileta, o rival Jean-Paul Belmondo. Visconti distinguiu o que reconhecia único, “O Alain tem qualquer coisa só dele, além do encanto fulgurante. Qualquer coisa da ordem da melancolia”. David Thomson descreveu-o como “o anjo enigmático do cinema francês, com apenas 32 anos em 1967 [o ano do SAMOURAÏ], e quase feminino. Ainda assim, tão circunspecto e imaculado que pode ser considerado letal ou potente.” Louis Skorecki escreveu certa vez (Libération, outubro de 1997): “Outrora lindamente dirigido por Visconti (a coisa começa a saber-se), Antonioni (uma coisa que se esquece), Melville (beleza do esperanto SAMOURAÏ, génio de UN FLIC, filme-testamento medievalo-gangster) e sobretudo Zurlini (génio esquecido do cinema italiano), assinou dois bons filmes comerciais ‘delonianos’, POUR LA PEAU D’UN FLIC e LE BATTANT.” Foi o americano Forest Whitaker quem falou da “virtude do silêncio” aprendida a ver Delon como Jef Costello para GHOST DOG de Jim Jarmusch. Numa roda de imprensa do século XXI, Alain Delon afirmou, a propósito do seu epitáfio, que concordaria em ver-se refletido como “o samurai do cinema”.
O programa está pormenorizado nas notas seguintes, que esmiúçam filmes e contextos. É a retrospetiva portuguesa em 2025 de Alain Delon, que teve a primeira homenagem de todas na Cinemateca Francesa de Henri Langlois em 1964, aos 29 anos, no auge da juventude cinematográfica. Era raro.
 
07/10/2025, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Alain Delon, A Virtude do Silêncio

Rocco E I Suoi Fratelli
Rocco e os seus Irmãos
de Luchino Visconti
Itália, 1960 - 165 min
 
07/10/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Alain Delon, A Virtude do Silêncio

Mr. Klein
Um Homem na Sombra
de Joseph Losey
França, Itália, 1976 - 123 min
08/10/2025, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Alain Delon, A Virtude do Silêncio

Girl On A Motorcycle
A Rapariga de Motocicleta
de Jack Cardiff
Reino Unido, França, 1968 - 90 min
08/10/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Alain Delon, A Virtude do Silêncio

La Piscine
A Piscina
de Jacques Deray
França, Itália, 1968 - 120 min
09/10/2025, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Alain Delon, A Virtude do Silêncio

Plein Soleil
À Luz do Sol
de René Clément
França, Itália, 1959 - 116 min
07/10/2025, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Alain Delon, A Virtude do Silêncio

Em colaboração com a Festa do Cinema Francês
Rocco E I Suoi Fratelli
Rocco e os seus Irmãos
de Luchino Visconti
com Alain Delon, Annie Girardot, Renato Salvatori, Claudia Cardinale
Itália, 1960 - 165 min
legendado em espanhol e eletronicamente em português | M/12
O drama da emigração e do desenraizamento cultural na obra-prima de Visconti que, no rasto de PLEIN SOLEIL, firmou definitivamente Alain Delon como uma estrela do cinema europeu, no papel do pugilista Rocco. Uma família meridional parte para o norte industrializado da Itália, onde cada um dos irmãos que a compõem conhecerá o seu destino: conformismo, naufrágio, santidade laica. Drama realista marcado por um pessimismo dostoievskiano (apesar da sequência final, que aponta para a luta de classes), ROCCO E OS SEUS IRMÃOS é uma magistral digressão pelos dramas da condição humana. “Pura ópera é a prodigiosa sequência da violação (à época, cortada em Portugal) com os acentos lancinantes de Delon e Girardot.” (João Bénard da Costa)

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07/10/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Alain Delon, A Virtude do Silêncio

Em colaboração com a Festa do Cinema Francês
Mr. Klein
Um Homem na Sombra
de Joseph Losey
com Alain Delon, Jeanne Moreau, Francine Bergé
França, Itália, 1976 - 123 min
legendado eletronicamente em português |M/12
Uma das obras maiores de Joseph Losey e uma das mais importantes interpretações de Alain Delon no papel do Sr. Klein, um francês negociante de arte que, em Paris, sob a Ocupação, compra ao desbarato peças preciosas de judeus em fuga, até ao momento em que a sua própria identidade é posta em causa. O pesadelo kafkiano que muitos notam neste filme, escrito por Franco Solinas e que começou por estar destinado à realização de Costa-Gavras, é o da espiral em que a oportunista personagem mergulha. “Uma personagem Delon é muitas vezes comparada a um animal solitário, gracioso, mas perigoso, um leopardo ou um lobo, pese embora muitas vezes ferido. LE SAMOURAÏ cristalizou este homem fatal letal, mas vulnerável. Losey injeta brilhantemente as diferentes facetas da persona de Delon [aos 40 anos], na sua fase madura, no quadro histórico de MR. KLEIN.” (Ginette Vincendeau)

A sessão repete no dia 15 às 15h30, na Sala M. Félix Ribeiro

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08/10/2025, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Alain Delon, A Virtude do Silêncio

Em colaboração com a Festa do Cinema Francês
Girl On A Motorcycle
A Rapariga de Motocicleta
de Jack Cardiff
com Marianne Faithful, Alain Delon, Roger Mutton, Marius Goring, Catherine Jourdan
Reino Unido, França, 1968 - 90 min
legendado eletronicamente em português | M/18
Protagonizado por Marianne Faithful e Alain Delon, o filme com realização e fotografia de Jack Cardiff é um drama erótico crivado de flashbacks e clarões psicadélicos. É o que revive a personagem de uma mulher recém-casada que lembra o duplo relacionamento com o marido e o amante. Tudo durante uma viagem motorizada numa potente Harley-Davidson, da Alsácia francesa para Heidelberg, na Alemanha, onde vive o enigmático amante interpretado por Delon. Em francês, o filme ficou conhecido como LA MOTOCYCLETTE; nos EUA foi distribuído “para adultos” como NAKED UNDER LEATHER, a reboque do fato de cabedal preto colado ao corpo de Faithful. Tratando de liberdade e desejo, com uma mulher a conduzir uma máquina associada ao imaginário masculino da época, tornou-se um título de culto dos anos 1960. Primeira apresentação na Cinemateca.

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08/10/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Alain Delon, A Virtude do Silêncio

Em colaboração com a Festa do Cinema Francês
La Piscine
A Piscina
de Jacques Deray
com Alain Delon, Romy Schneider, Maurice Ronet, Jane Birkin, Paul Crauchet
França, Itália, 1968 - 120 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Alain Delon e Maurice Ronet voltam a encontrar-se, nove anos depois de PLEIN SOLEIL, em papéis que se aproximam, mas esse é apenas um dos desdobramentos do filme escrito por Jean-Claude Carrière, e produzido por Delon, que oferece a Romy Schneider, num momento de ocaso, o papel de resgate para a ribalta. O casal das personagens de Delon e Schneider, reincidente em THE ASSASSINATION OF TROTSKY de Joseph Losey (1971), rimava com o que veridicamente haviam formado após o primeiro encontro no cinema (CHRISTINE, 1958). A química e a cumplicidade do par são um polo magnético do filme que atraiu uma imensa popularidade. Jacques Deray constrói de forma notável a progressão da calma para a tensão que marca o filme, com epicentro na piscina – “É antes de mais uma história de amor, de um amor em estado de crise. Tínhamos dois casais: um amante-amante, o outro pai-filha. Durante três dias, jogam o jogo do amor e da mentira. E esse jogo conduz a um homicídio.” (Jacques Deray)

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09/10/2025, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Alain Delon, A Virtude do Silêncio

Em colaboração com a Festa do Cinema Francês
Plein Soleil
À Luz do Sol
de René Clément
com Alain Delon, Marie Laforêt, Maurice Ronet, Elvire Popesco
França, Itália, 1959 - 116 min
legendado eletronicamente em português | M/16
Adaptação livre de O Talentoso Mr. Ripley de Patricia Highsmith (1955), o melhor filme de René Clément, com uma magnífica fotografia a cores de Henri Decae, é um dos melhores desempenhos de Alain Delon, no seu primeiro papel importante. A ação passa-se em Itália, e o jovem Delon interpreta a figura de Tom Ripley, que assassina um amigo, numa sequência magistral, e assume a sua identidade. Delon sulfuroso como raramente se viu. Foi o ator quem convenceu o realizador a dar-lhe o papel principal do filme, que o “internacionalizou”. “A personagem de PLEIN SOLEIL não é fácil de interpretar. Será que existe, a inocência criminal? Delon deve, no crime que comete, preservar essa pureza isenta de julgamento por relevar de uma psicologia que, escapando à norma da humanidade, nos escapa.” (René Clément)

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