CICLO
O Mundo Secreto de Serguei Paradjanov


Serguei Paradjanov (1924-1990) é autor de uma obra cinematográfica em que a poesia e o surrealismo se cruzam com a etnografia e as tradições, numa combinação invulgar que extravasa os limites do próprio cinema. Protagonista indiscutível do cinema soviético, apesar da violenta perseguição que o regime moveu contra si, teve uma curta, mas influentíssima carreira que se dividiu entre três ex-repúblicas soviéticas: a Arménia, a terra dos seus pais, a Geórgia, onde nasceu e realizou os seus últimos filmes e a Ucrânia. Memórias, sonhos, folclore e visões mágicas entrelaçam-se em narrativas excessivas, dominadas por paletas de cores vivas e por uma mise en scène que oscila entre o hieratismo e o movimento incessante, culminando numa arte eminentemente visual e poética. Frequentemente organizados em capítulos e em quadros sumptuosos, os seus filmes revelam uma beleza vertiginosa que os torna únicos.
Paradjanov estudou cinema no VGIK em Moscovo com os grandes mestres soviéticos, como Aleksandr Dovjenko ou Lev Kulechov, partindo depois para Kiev, onde ainda nos anos 1950 realizou vários documentários e ficções a partir das tradições locais. Entre eles, longas-metragens como ANDRIECH (1954) e “RAPSÓDIA UCRANIANA” (1961) ou “CAVALOS DE FOGO” (também conhecido como “SOMBRAS DOS NOSSOS ANTEPASSADOS ESQUECIDOS”, 1965), o primeiro dos seus dois filmes mais célebres, que lhe garantiu o reconhecimento internacional, mas também grandes dissabores com as autoridades.
Quatro anos passados realizou na Arménia o influente SAYAT-NOVA (1969) que, depois da sua estreia foi retirado de cartaz, sendo posteriormente censurado e remontado com menos vinte minutos de duração e renomeado TSVET GRANATA/A COR DA ROMÃ. Composto por uma série de quadros atravessados por um forte simbolismo, SAYAT-NOVA não é tanto uma ilustração da vida do grande poeta arménio com o mesmo nome, mas uma transposição para o cinema do fundo inerente à sua poesia, o que pode ser visto como uma das grandes marcas do cinema de Paradjanov e o corolário da sua arte. Proibido na União Soviética pela sua não conformidade com o “realismo socialista”, em 1973 Paradjanov foi condenado a cinco anos de prisão, primeiro sob diversas acusações, e em seguida apenas por homossexualidade. Uma onda de protestos da comunidade cinematográfica internacional levou à sua libertação em 1978. Mas as estadias na prisão e as muitas provações a que foi submetido ditariam as dificuldades que atravessou para continuar a filmar e o seu trágico destino.
Forçado a mudar-se para a Geórgia nos últimos anos da sua vida, é lá que, com a colaboração de Davit Abachidze, realiza as suas duas últimas longas-metragens. “A LENDA DA FORTALEZA DE SURAM” (1984) e ACHIK-KERIBI (1988) expandem as profundas ressonâncias simbólicas de um cinema coreográfico exuberantemente fotografado, que faz a ponte entre culturas muito diferentes. De uma história sacrificial ambientada numa remota aldeia nas montanhas, ao destino de um trovador condenado a vaguear pelo mundo, prolonga-se uma linha bem definida que desenha o universo secreto de Paradjanov. Andrei Tarkovski, a quem Paradjanov dedicou ACHIK-KERIBI, escreveu que em apenas dois filmes Paradjanov mudou a linguagem cinematográfica na União Soviética. Adotando uma abordagem anacrónica do tempo cinematográfico e todo um excesso visual, em que estabelece analogias entre o cinema e os diferentes géneros de pintura, Paradjanov fez renascer a ideia de um cinema-poesia, por oposição ao cinema de prosa, que evoca tanto as obras mudas de Dovjenko, como o cinema de Pasolini que, como ele, simboliza a resistência contra todas as formas de conformidade.
Uma obra que se materializou ainda num prolífico trabalho plástico, em grande parte desenvolvido nos anos de cárcere, em que Paradjanov se dedicou ao desenho, à pintura, e a colagens com todo o tipo de materiais encontrados, mas também à escrita, produzindo obras que hoje podemos encontrar num museu que lhe é dedicado em Erevan, na Arménia. É este espírito da colagem e da montagem de inspiração dadaísta que preside a todo um cinema que reúne materiais e motivos heterogéneos.
Neste programa, que engloba a totalidade das longas e curtas-metragens de Paradjanov (com exceção de escassos títulos dados como perdidos), incluímos ainda dois documentários sobre o cineasta realizados por amigos próximos. O primeiro, PARAJANOV: THE LAST SPRING, foi realizado por Mikhail Vartanov em 1992 e revela-nos imagens inéditas das filmagens de SAYAT-NOVA, assim como momentos da rodagem de KHOSTOVANANK (“A CONFISSÃO”, 1990), filme autobiográfico interrompido com a morte de Paradjanov. O segundo, THE LILAC WIND OF PARADJANOV, foi realizado por Ali Khamraev já em 2025 e teve uma recentíssima estreia no Festival de Roterdão. Um programa que envolve ainda a apresentação das poucas imagens filmadas para KHOSTOVANANK que, segundo Paradjanov, deveria vir a ser o seu filme-testamento.
Grande parte dos filmes são agora apresentados em cópias que resultam de novos restauros e de digitalizações, realizados por ocasião do centenário do nascimento de Serguei Paradjanov,  que permitiram que voltassem a ser exibidos depois de muitos anos votados à invisibilidade. Tal é particularmente importante no caso dos primeiros trabalhos produzidos na Ucrânia, recém-digitalizados a partir de materiais preservados no Dovjenko Centre, em Kiev, numa parceria com vários intervenientes, desenvolvida em tempo de guerra. Regressamos assim em março ao cinema de Serguei Paradjanov para uma retrospetiva integral da sua obra.
 
 
22/03/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo O Mundo Secreto de Serguei Paradjanov

Ambavi Suramis Tsikhissa
“A Lenda da Fortaleza de Suram”
de Serguei Paradjanov, Davit Abachidze
URSS (Geórgia), 1984 - 84 min
 
24/03/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo O Mundo Secreto de Serguei Paradjanov

Natalia Ujvi | Ukrainskaia Rapsodiia
25/03/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo O Mundo Secreto de Serguei Paradjanov

Pervii Paren
“O Primeiro Rapaz”
de Serguei Paradjanov
URSS (Ucrânia), 1958 - 85 min
26/03/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo O Mundo Secreto de Serguei Paradjanov

Zoloti Ruki | Tsvetok na Kamne
27/03/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo O Mundo Secreto de Serguei Paradjanov

Kievskie Freski | Hakob Hovnatamian | Arabeskebi Pirosmanis Temaze | Khostovanank
22/03/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
O Mundo Secreto de Serguei Paradjanov

Com a colaboração da Cinema Foundation of Armenia, da Associação de Amizade Portugal-Arménia e o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.
Ambavi Suramis Tsikhissa
“A Lenda da Fortaleza de Suram”
de Serguei Paradjanov, Davit Abachidze
URSS (Geórgia), 1984 - 84 min
legendado em inglês e eletronicamente em português | M/12
A primeira longa-metragem que Paradjanov conseguiu realizar após a pena de prisão de cinco anos a que foi sujeito pelo regime comunista soviético, e que contou com a colaboração do cineasta georgiano Davit Abachidze. O requinte do guarda-roupa e uma inesquecível mise en scène estão na base de um filme centrado numa remota localidade nas montanhas, cujos habitantes decidem construir uma fortaleza para se defenderem dos ataques inimigos. Uma lenda da Geórgia sobre um suicídio pela honra nacional contada de forma original, com a exploração de anacronismos e uma organização em capítulos de títulos encantatórios, com profundas ressonâncias simbólicas. A exibir em cópia digital.

consulte a FOLHA da CINEMATECA aqui
24/03/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
O Mundo Secreto de Serguei Paradjanov

Com a colaboração da Cinema Foundation of Armenia, da Associação de Amizade Portugal-Arménia e o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.
Natalia Ujvi | Ukrainskaia Rapsodiia
NATALIA UJVI
URSS (Ucrânia), 1959 – 35 min / legendado eletronicamente em português

UKRAINSKAIA RAPSODIIA
“Rapsódia Ucraniana”
com Olga Reus-Petrenko, Eduard Kochman, Iuri Guliaev, Natalia Ujvi
URSS (Ucrânia), 1961 – 88 min / legendado em francês eletronicamente em português

filmes de Serguei Paradjanov

duração total da projeção: 123 min | M/12
Um retrato de Natalia Ujvi através de excertos de filmes e peças protagonizados pela famosa atriz ucraniana, que comparece também no segundo filme da sessão. UKRAINSKAIA RAPSODIIA é a terceira longa-metragem de Paradjanov. Durante a Segunda Guerra Mundial, uma jovem ucraniana torna-se uma cantora famosa. O seu sucesso na Europa não a faz esquecer o seu amado, que partiu para a frente de batalha e foi ferido e feito prisioneiro. Das ruas de Paris aos campos em ruínas, este é um melodrama contado em fragmentos, num filme em que a arte eleva a moral em tempos de guerra e fornece uma linguagem comum para a humanidade. Paradjanov revela-nos já o lirismo visual que viria a dominar as suas obras futuras. Primeiras apresentações na Cinemateca. A exibir em cópia digital.

A sessão repete no dia 29 às 19h30, na sala Luís de Pina.
 
25/03/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
O Mundo Secreto de Serguei Paradjanov

Com a colaboração da Cinema Foundation of Armenia, da Associação de Amizade Portugal-Arménia e o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.
Pervii Paren
“O Primeiro Rapaz”
de Serguei Paradjanov
com Grigori Karpov, Liudmila Sossiura, Iuri Satarov
URSS (Ucrânia), 1958 - 85 min
legendado em francês e eletronicamente em português | M/12
PERVII PAREN corresponde à mais direta experiência de Paradjanov com um registo de comédia, embora seja possível encontrar vários momentos de humor nos seus filmes seguintes. Aqui o cineasta aborda a juventude no âmbito do coletivismo agrícola do regime soviético, em que a elevação da consciência é conseguida através das proezas desportivas e coroada pelo casamento. Um jovem mecânico está secretamente apaixonado por uma rapariga, que mostra poucos sinais de reciprocidade, mas que acaba por ceder aos seus encantos. Uma comédia que reúne elementos do folclore local num hino à alegria de viver, próximo do cinema do regime vigente, mas sem lhe corresponder. Embora frequentemente apresentado como um produto do realismo socialista, já em declínio, há momentos de PERVII PAREN que subvertem os clichés das habituais comédias musicais. Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.

A sessão repete no dia 29 às 16h00, na sala Luís de Pina.
26/03/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
O Mundo Secreto de Serguei Paradjanov

Com a colaboração da Cinema Foundation of Armenia, da Associação de Amizade Portugal-Arménia e o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.
Zoloti Ruki | Tsvetok na Kamne
ZOLOTI RUKI
“Mãos de Ouro”
URSS (Ucrânia), 1957 – 36 min

TSVETOK NA KAMNE
“Uma Flor na Pedra”
com Inna Burdutchenko, Boris Dmokhovski, Grigori Karpov, Borislav Brondukov
URSS (Ucrânia), 1962 – 73 min

filmes de Serguei Paradjanov

duração total da projeção: 109 min | legendados eletronicamente em português | M/12
Juntamente com DUMKA, ZOLOTI RUKI faz parte de um díptico sobre a cultura ucraniana. Revelando-nos um conjunto de artesãos e as suas técnicas, um narrador comenta as peculiaridades das suas obras e as diferentes regiões que representam. Neste contexto, surpreende a aparição de uma inesperada animação baseada num conto ucraniano. TSVETOK NA KAMNE é a história de uma comunidade mineira na região de Donetsk, na Ucrânia, perturbada por uma seita religiosa. Um filme iniciado por Anatoli Slissarenko, mas concluído e assinado por Paradjanov, depois de as primeiras filmagens terem sido marcadas pela morte acidental da atriz Inna Burdutchenko durante a rodagem. Em vez de trabalhar na continuidade do material existente, Paradjanov optou por enfatizar a artificialidade do filme, transformando esta encomenda com um fundo de propaganda anti-religiosa através das suas prodigiosas ideias visuais. Primeiras apresentações na Cinemateca. A exibir em cópias digitais.

A sessão repete no dia 31 às 19h30, na sala Luís de Pina.
 
27/03/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
O Mundo Secreto de Serguei Paradjanov

Com a colaboração da Cinema Foundation of Armenia, da Associação de Amizade Portugal-Arménia e o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.
Kievskie Freski | Hakob Hovnatamian | Arabeskebi Pirosmanis Temaze | Khostovanank
KIEVSKIE FRESKI
“Frescos de Kiev”
com Tenguiz Artchvadze, Antonina Leftii, Vija Artmane, Afanassi Kotchetkov
URSS (Ucrânia), 1966 – 14 min / sem diálogos

HAKOB HOVNATANIAN
URSS (Arménia), 1967 – 10 min / sem diálogos

ARABESKEBI PIROSMANIS TEMAZE 
“Arabescos sobre o Tema de Pirosmani”
com Aleksandr Djanchiev, Leila Alibegachvili
URSS (Geórgia), 1985 – 21 min / cartões legendados em inglês

KHOSTOVANANK (rushes)
“A Confissão”
com Sofiko Tchiaureli, Iuri Mgoian
URSS (Arménia), 1990 – 12 min / sem som

filmes de Serguei Paradjanov

duração total da projeção: 57 min | M/12
Uma sessão composta por retratos de dois pintores e por fragmentos de dois projetos não realizados. KIEVSKIE FRESKI e HAKOB HOVNATANIAN podem ser vistos como precursores de SAYAT-NOVA. O primeiro foi construído a partir de testes de câmara para um filme que nunca foi produzido, rejeitado pelas autoridades soviéticas por considerarem que tais testes exibiam uma perceção distorcida da realidade. O guião descrevia o filme como sendo composto por dez “cine-frescos” e, no que dele resta, Paradjanov cria um mosaico sobre o destino de uma família dilacerada pela guerra. HAKOB HOVNATANIAN revela-nos a vida cultural de Tiblíssi no século XIX através do retrato do pintor arménio com o mesmo nome (1806-1881). Enquadrada pelo olhar de Paradjanov, a pintura do célebre artista Niko Pirosmani (1862-1918) é revisitada num exercício encantatório de meados dos anos oitenta que nos conduz numa viagem pela história e cultura da Geórgia. A terminar a sessão, apresentamos um conjunto de imagens raríssimas e recém-recuperadas: doze minutos de rushes filmadas durante os poucos dias de rodagem de KHOSTOVANANK, o filme autobiográfico que Paradjanov deixou inacabado. Como o próprio afirmou sobre este filme-testamento que nunca existiu, Andrei Tarkovski  tem “O ESPELHO” e eu “A CONFISSÃO”. Parte destas imagens mudas aparecem contextualizadas no documentário de Mikhail Vartanov, que também exibimos neste programa. HAKOB HOVNATANIAN e KHOSTOVANANK são apresentados pela primeira vez na Cinemateca. A exibir em cópia digital.

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