CICLO
A Cinemateca com o Doclisboa: O Documentário em Marcha – Conturbados Anos 30 na América do New Deal


“Claro que me lembro dos anos 30; dos terríveis, conturbados, triunfantes e agitados anos 30. Não consigo lembrar-me de nenhuma outra época da história em que tenham acontecido tantas coisas, e em tantas direções.” O testemunho pertence a John Steinbeck (“Uma Introdução aos Anos 30”), o autor desse clássico da literatura sobre a Grande Depressão chamado As Vinhas da Ira. Steinbeck reflete, ali, sobre a complexidade de um tempo em que a América enfrenta inúmeras dificuldades, respondendo-lhes com a promessa de uma sociedade mais justa e solidária, assistida por um Estado que saiba ouvir os anseios dos mais necessitados.
As aspirações políticas eram altas entre os documentaristas que souberam consubstanciar, numa certa práxis cinematográfica, as inquietações, os problemas e as reformas, mais ou menos triunfantes, postas em marcha nesse tempo conturbado. Às tempestades de areia que assolaram as Grandes Planícies, ao choque financeiro que atirou milhões de pessoas para a miséria, à criminalidade galopante e à ascensão do fascismo (que tinha no Ku Klux Klan o seu rosto mais visível), o governo chefiado por Franklin D. Roosevelt foi respondendo com medidas sociais e económicas (o New Deal) que pretendiam não deixar ninguém para trás. Pare Lorentz e os realizadores de coletivos como a Workers Film and Photo League, a NYKino e a Frontier Films, destacando-se, entre eles, Herbert Kline, Irving Lerner, Leo Hurwitz, Paul Strand, Ralph Steiner e Willard Van Dyke, inscreveram o seu nome num movimento geral que se encontrava, então, em curso por todo o mundo: o do Documentário.
Estes cineastas propunham-se atacar os problemas candentes do momento, mas também projetaram soluções (políticas, sociais, económicas e cinematográficas) para o dia de amanhã, antecipando conflitos sangrentos dentro e fora de portas (formas de opressão que iam da ascensão do nazismo na Europa à repressão, antissindical e racista, no coração da América) e sonhando com uma nova paisagem social, política e, inclusive, ambiental (sensível às condições de vida do cidadão comum, à salubridade dos campos cultiváveis, à desertificação do interior e à qualidade da habitação, e do ar, nas grandes cidades). O polo americano do documentário no período “entre guerras” respondeu aos tempos terríveis e conturbados com uma série de promessas (nem todas cumpridas), acalentando, nalguns casos, a possibilidade do sonho socialista mas também enfrentando a dura realidade de uma sociedade e de um cinema (ainda) impreparados para uma mudança tão profunda.
O Documentário em Marcha: Conturbados Anos 30 na América do New Deal, programa concebido em colaboração com o Doclisboa, é o mais ambicioso e abarcante sobre este período alguma vez realizado no nosso país, misturando clássicos da história do cinema com obras em relação às quais urge a descoberta, muito também à luz do que tem sido a evolução do documentário como forma política e das convulsões históricas em curso, tais como a guerra e as crises que nos afligem: ambiental, económica, política e moral. Os cineastas americanos do New Deal oferecem, deste modo, ferramentas que nos poderão ajudar a encarar os nossos dias com alguma esperança, mas também investidos de uma renovada capacidade de mobilização, aliando, desta forma, criatividade, visão crítica e ação política num grande movimento de cinema que nos sabe implicar a todos. Será publicada uma edição sobre o documentarismo americano deste período.
 
 
20/10/2023, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Doclisboa: O Documentário em Marcha – Conturbados Anos 30 na América do New Deal

Programa “Guerras de informação ao estilo dos anos 30”
duração total da projeção: 93 minutos
 
21/10/2023, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo A Cinemateca com o Doclisboa: O Documentário em Marcha – Conturbados Anos 30 na América do New Deal

Pie in the Sky | Millions of Us. A Story of Today | People of the Cumberland
duração total da projeção: 57 minutos
21/10/2023, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Doclisboa: O Documentário em Marcha – Conturbados Anos 30 na América do New Deal

A Colour Box | The Face of Britain | Triumph des Willens (primeira bobina) | The Plow that Broke the Plains
duração total da projeção: 65 min
23/10/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Doclisboa: O Documentário em Marcha – Conturbados Anos 30 na América do New Deal

The Plow That Broke The Plains | Our Daily Bread
duração total da projeção: 108 min | M/12
23/10/2023, 18h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Doclisboa: O Documentário em Marcha – Conturbados Anos 30 na América do New Deal

Mesa-Redonda: O documentário em Marcha: Conturbados Anos 30 na América do New Deal
20/10/2023, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Doclisboa: O Documentário em Marcha – Conturbados Anos 30 na América do New Deal

Com o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e a colaboração especial do Departamento de Cinema do MoMA
Programa “Guerras de informação ao estilo dos anos 30”
duração total da projeção: 93 minutos
legendados eletronicamente em português | M/12
Sessão apresentada por Tanya Goldman
THE NEWS PARADE OF 1934!
Estados Unidos, 1934 – 10 min

THE WORLD IN REVIEW
de Leo Hurwitz
Estados Unidos, 1934 – 7 min

AMERICA TODAY
de Leo Hurwitz
Estados Unidos, 1934 – 6 min

CONFIDENCE
de Bill Nolan
Estados Unidos, 1933 – 8 min

THE GREAT DEPRESSION
de Maurice Bailen
com Jacques Jacobsen
Estados Unidos, 1934 – 18 min

CENTURY OF PROGRESS
Estados Unidos, 1934 – 10 min

MARIAN ANDERSON: THE LINCOLN MEMORIAL CONSERT
Estados Unidos, 1939 – 8 min

ONE TENTH OF OUR NATION
de Felix Greene
Estados Unidos, 1940 – 26 min

Espécie de jornal cinematográfico que permitia aos espectadores tomar o pulso ao mundo, a série de atualidades Hearst Metrotone News, detido pelo famoso – e infame – magnata da comunicação William Randolph Hearst, debruçava-se sobre o ano de 1934 e se, por um lado, a Europa parecia tomada pela incerteza e o despotismo de lideranças autocráticas, nos Estados Unidos o pacote de medidas do New Deal avançava, mas também as manifestações, repressão policial e uma vaga criminosa enchiam as manchetes. Produzidas pela Film and Photo League (FPL), em associação com a Workers International Relief, AMERICA TODAY e THE WORLD IN REVIEW foram atualidades dirigidas por Leo Hurwitz, que fez delas um panorama do New Deal, documentando manifestações, greves, casos de tribunal e as convulsões políticas por todo o mundo, partindo de uma perspetiva única: a da classe operária. Como era prática na época, a acompanhar os jornais filmados, costumavam ser exibidos filmes de animação: CONFIDENCE, de Bill Nolan (um dos animadores mais apreciados do período), é uma alegoria política, ao jeito de uma Animal Farm do New Deal, que conta como é que o Presidente Roosevelt detém e tão bem sabe administrar a panaceia para o mal que aflige os animais da fazenda. O assunto torna-se mais duro e difícil de encarar em THE GREAT DEPRESSION, filme produzido pela Chicago Film and Photo League, que retrata um homem sem nome (interpretado por Jacques Jacobsen) em busca de emprego. A sua perspetiva contamina cada série de imagens captadas in loco, sobretudo de uma vasta população de sem-abrigo e de manifestantes reclamando por alguma forma de apoio governamental. Produzido pelo polo da San Francisco Film and Photo League, CENTURY OF PROGRESS, filme de montagem acelerada e dialética, de clara inspiração soviética, parte da exposição internacional do mesmo nome, que decorreu em Chicago entre 1933 e 1934, para revisitar criticamente os ditos “cem anos de progresso” da História americana: que progresso? Em benefício do quê e de quem? MARIAN ANDERSON: THE LINCOLN MEMORIAL CONCERT é um impressionante documento sobre o exemplo da cantora de ópera afro-americana, Marian Anderson, que, após ter sido impedida de cantar no Constitution Hall, foi convidada pela primeira dama, Eleonor Roosevelt, a dar um concerto no Lincoln Memorial, o que aconteceu perante cerca de 75 000 pessoas. Com música de Roy Harris e narração de Maurice Ellis, ONE TENTH OF OUR NATION mostra-nos o período do New Deal através da perspetiva de uma especialmente empobrecida comunidade afro-americana. É na integração e na educação que este documentário historicamente relevante mostra uma saída.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA aqui
21/10/2023, 19h30 | Sala Luís de Pina
A Cinemateca com o Doclisboa: O Documentário em Marcha – Conturbados Anos 30 na América do New Deal

Com o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e a colaboração especial do Departamento de Cinema do MoMA
Pie in the Sky | Millions of Us. A Story of Today | People of the Cumberland
duração total da projeção: 57 minutos
legendados eletronicamente em português | M/12
Programa: “Factos dramáticos para tempos dramáticos...”

Sessão apresentada por Tanya Goldman e Tom Hurwitz
PIE IN THE SKY
de Ralph Steiner
com Russell Collins, Elia Kazan, Elman Koolish, Irving Lerner
Estados Unidos, 1935 – 22 min

MILLIONS OF US. A STORY OF TODAY
de Jack Smith (Slavko Vorkapich), Tina Taylor
Estados Unidos, 1934 – 17 min

PEOPLE OF THE CUMBERLAND
de Robert Stebbins (Sidney Meyers), Eugene Hill (Jay Leyda)
Estados Unidos, 1937 – 18 min

A abrir a sessão, a primeira experiência cinematográfica de Elia Kazan, integrado num coletivo, The Group Theatre, teatro experimental ideologicamente à esquerda. Ralph Steiner havia realizado H2O, substituindo, aqui, o prazer da arte “for art’s sake” pela sátira social, política e religiosa, tendo ainda o filme beneficiado do contributo de Irving Lerner e de Leo Hurwitz, no âmbito do grupo NYKino, nascido de uma certa insatisfação em relação à maneira estandardizada de se fazer documentário ou de se comentar a realidade do seu tempo. Pungente mistura de documentário com ficção, protagonizada por um homem à procura de emprego na América dilacerada pela crise económica, MILLIONS OF US é uma história de perdição e (re)conversão ideológica, com fundo e forma de clara inspiração soviética. PEOPLE OF THE CUMBERLAND, importante título da Frontier Films, junta Sidney Meyers e Jay Leyda, com assistência de Elia Kazan, na realização de um dos documentários mais icónicos do período, sobre um território devastado pela miséria, durante os anos da Depressão: a paisagem rural do Tennessee. A saída oferecida pelo documentário radica na educação, exaltando o caso da Highlander Folk School, escola gerida pelo educador Miles Horton, como bandeira do progresso.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA aqui
21/10/2023, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Doclisboa: O Documentário em Marcha – Conturbados Anos 30 na América do New Deal

Com o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e a colaboração especial do Departamento de Cinema do MoMA
A Colour Box | The Face of Britain | Triumph des Willens (primeira bobina) | The Plow that Broke the Plains
duração total da projeção: 65 min
legendados eletronicamente em português | M/12
Programa “The Plow: Propagandistas de todo o mundo, uni-vos! [Recriação]”

Sessão apresentada por Tom Hurwitz
A COLOUR BOX
de Len Lye
Reino Unido, 1935 – 4 min

THE FACE OF BRITAIN
de Paul Rotha
Estados Unidos, 1935 – 18 min

TRIUMPH DES WILLENS (primeira bobina)
“O Triunfo da Vontade”
de Leni Riefenstahl
Alemanha, 1934 – 18 min

THE PLOW THAT BROKE THE PLAINS
de Pare Lorentz
Estados Unidos, 1936 – 25 min

Desafiado pelo recém-criado Museum of Modern Art Film Library para organizar uma primeira sessão pública de THE PLOW THAT BROKE THE PLAINS, poema visual e sonoro que comoveu Franklin D. Roosevelt, sobre as tempestade de poeira que assolaram alguns estados americanos, acentuando a crise na região, Pare Lorentz acedeu à ideia, sabendo que tinha de acompanhar o seu filme de outros títulos provenientes de diferentes latitudes geográficas, num evento que envolvesse embaixadas de vários países. O resultado foi a sessão que agora se apresenta, reconstituída (quase) na íntegra (fica a faltar, nesta sessão, o filme ucraniano HARVEST FESTIVAL, de 1935, mostrado a seguir a A COLOUR BOX, e o filme francês MIDI, Jean Dréville, exibido imediatamente antes de
THE PLOW..., com este último colocado estrategicamente no fim), a mesma que mostrou ao mundo um clássico deste período, no dia 10 de maio de 1936, num grande salão de baile do Mayflower Hotel. Na plateia estavam membros da equipa da Casa Branca, do corpo diplomático e do Supremo Tribunal. Os filmes foram escolhidos em estreita articulação com Lorentz, defendidos como o paradigma daquilo que estava a ser desenvolvido no campo do documentário, por exemplo, denunciando uma ligação à grande escola do cinema britânico, nas figuras de Paul Rotha e Len Lye. A escolha mais polémica – que motivou alguns abandonos de sala – recaiu sobre a passagem da primeira bobina de TRIUMPH DES WILLENS, o filme de propaganda nazi realizado por Leni Riefenstahl: “Com o batalhão do Serviço de Trabalho do Reich (...) a cantar ‘o objetivo é nosso’, grande bobina”, referiu Lorentz em entrevista televisiva concedida a Elwy Yost.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA aqui
23/10/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Doclisboa: O Documentário em Marcha – Conturbados Anos 30 na América do New Deal

Com o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e a colaboração especial do Departamento de Cinema do MoMA
The Plow That Broke The Plains | Our Daily Bread
duração total da projeção: 108 min | M/12
legendados eletronicamente em português | M/12
Programa: “The Plow: Lorentz & Vidor”
THE PLOW THAT BROKE THE PLAINS
de Pare Lorentz
Estados Unidos, 1936 – 28 min / legendado eletronicamente em português

OUR DAILY BREAD
O Pão Nosso de Cada Dia
de King Vidor
com Karen Morley, Tom Keene, Barbara Pepper, John Qualen
Estados Unidos, 1934 – 80 min / legendado em português

THE PLOW THAT BROKE THE PLAINS nasceu da vontade de Pare Lorentz, prestigiado crítico de cinema, de documentar a paisagem americana fustigada pelas tempestades de poeira, a chamada Dust Bowl, durante os anos de chumbo da Grande Depressão. O livro fotográfico The Roosevelt Year: A Photographic Record serviu de aproximação decisiva, sendo convidado pelo próprio Presidente para realizar um filme enquanto realizador ao serviço – e consultor na área do cinema – da Resettlement Administration. King Vidor terá intercedido por Roosevelt para lhe arranjar algumas imagens de arquivo que acabaram na montagem final do filme, ajudando a torná-lo, também muito graças à música original de Virgil Thomson, “um melodrama da natureza – a tragédia da relva transformada em pó” – palavras do próprio Lorentz, escrevendo, ainda na qualidade de crítico de cinema, sobre o seu próprio filme. A cumplicidade entre Vidor e Lorentz vai além de uma história de favores. OUR DAILY BREAD, outrossim um “melodrama da natureza”, desta feita, ficcional, conta a história de um casal de citadinos atingidos pela crise, que regressa ao campo, formando uma comunidade agrícola com outros na mesma situação. Um dos grandes momentos do cinema: a construção da conduta de água para a plantação.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de THE PLOW THAT BROKE THE PLAINS, aqui

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de OUR DAILY BREAD, aqui
23/10/2023, 18h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Doclisboa: O Documentário em Marcha – Conturbados Anos 30 na América do New Deal

Com o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e a colaboração especial do Departamento de Cinema do MoMA
Mesa-Redonda: O documentário em Marcha: Conturbados Anos 30 na América do New Deal
Entrada livre mediante levantamento de bilhete 60 minutos antes do início da sessão.
Como caracterizar, do ponto de vista social, político e estético, o cinema ideologicamente de esquerda que emergiu do contexto da Grande Depressão para servir de suporte às medidas reformistas do Presidente Franklin D. Roosevelt? Em que medida o Estado, por um lado, e os vários coletivos de artistas, por outro, responderam às exigências do tempo durante e imediatamente após o período do New Deal? De que maneira podemos atualizar ou adaptar a forma, a mensagem e o modo de produção destes filmes às inquietações que dominam os nossos dias, como a guerra, o racismo, a crise ambiental e de costumes, e em face dos mais recentes modos de ver e fazer documentário?
Estas e outras questões serão encaradas numa mesa-redonda sobre o cinema produzido durante o período do New Deal nos Estados Unidos da América. A participar, estarão, vindos de Nova Iorque, os convidados Tom Hurwitz, realizador, diretor de fotografia e investigador, filho de Leo Hurwitz, um dos nomes centrais do período em questão (e, por isso, um dos mais representados no programa), e Tanya Goldman, investigadora académica e professora universitária que se tem especializado na história do cinema documental americano realizado durante e imediatamente após o New Deal. Integrarão ainda a conversa o diretor da Cinemateca Portuguesa, José Manuel Costa, e os programadores da retrospetiva, Justin Jaeckle e Luís Mendonça. A conversa decorrerá em inglês sem tradução simultânea.