CICLO
Alan Arkin, o Comediante Assustado


Alan Arkin (1934-2023) nunca procurou ser “o nome por cima do título”. Da mesma geração de atores marcantes da Hollywood pós-clássica, tais como Peter Falk (com quem contracenou mais do que uma vez, destacando-se a parelha que fizeram na comédia THE IN-LAWS, de Arthur Hiller) e James Caan (com quem protagonizou o buddy cop movie FREEBIE AND THE BEAN, de Richard Rush), Arkin construiu a sua filmografia com base em obras não muito ambiciosas, conquistando o público cinéfilo e o respeito dos colegas de profissão mediante composições francas, que pareciam não requerer qualquer esforço da sua parte. Interpretou muitos homens deslocados, vulneráveis e, no limite, nevróticos, um tipo de nervosismo que se tornou “imagem de marca” nas várias comédias em que participou. No entanto, talvez o papel que exemplifica melhor esta capacidade “natural” de Arkin para a representação seja o de Singer, na adaptação ao cinema do romance de Carson McCullers The Heart is a Lonely Hunter. Ao dar corpo a um surdo-mudo da maneira como o fez (e logo ele que começou a sua carreira artística como guitarrista e vocalista numa banda folk), Arkin conquistou tanto o coração do público como a sua segunda nomeação para o Oscar de Melhor Ator Principal, depois de ter obtido a mesma distinção por causa da sua interpretação em THE RUSSIANS ARE COMING, THE RUSSIANS ARE COMING, obra recentemente exibida na Cinemateca. E fê-lo tirando partido da presença delicada ou, mais concretamente, do olhar gentil e sorriso ligeiro num rosto “oferecido” ao outro, seja a uma personagem, como a da estreante Sondra Locke em THE HEART IS A LONELY HUNTER, seja a nós, espectadores satisfeitos só por o vermos (de novo) numa produção qualquer.
É possível que a relação do espectador com Arkin tenha sido feita de muitos encontros fortuitos, em obras onde raramente ele é a “big star”, imiscuindo-se na história para elevar o drama ou a comicidade ou ambos, como acontece na sua atuação, (finalmente) premiada com o Oscar, de Melhor Ator Secundário, enquanto o avô heroinómano em quem descobrimos um coração do tamanho do mundo quando posto em contacto com a sua neta, a pequena Olive, em LITTLE MISS SUNSHINE. Se nos cativou pela sua presença terna e generosa, também foi capaz de explodir e produzir valentes abanões à sua volta (o caso extremo é um dos poucos papéis de vilão da sua carreira, em WAIT UNTIL DARK, tendo como vítima principal Audrey Hepburn no papel de uma mulher cega). Esta assustad(or)a comicidade está patente, desde logo, na obra que o confirmou como um dos rostos mais incontornáveis do cinema americano dos anos 60 e 70 do século passado, CATCH-22, o terceiro filme de Mike Nichols (com quem Arkin já trabalhara para o teatro), e na sua primeira obra como realizador, com Elliott Gould no papel principal, a sátira truculenta LITTLE MURDERS.
Raras vezes fidelizando-se a um só cineasta (sendo ele próprio, na cadeira de realizador, uma exceção, já que protagoniza FIRE SALE, a sua derradeira realização, e conta com um pequeno papel em LITTLE MURDERS), Arkin tornou-se um ator-cineasta ao serviço de realizadores com quem se identificava, caracterizando-se, quase todos, por um traço de rebeldia ou de excentricidade: de Tim Burton (participou na sua fábula “caligarista”, EDWARD SCISSORHANDS, como uma espécie de pai adotivo para o seu protagonista freak) e Philippe Mora (realizador de THE RETURN OF CAPTAIN INVENCIBLE, em que encarna o super-herói entretanto “destruído pelo álcool” Capitão Invencível) às incursões no cinema independente em LITTLE MISS SUNSHINE e no mais recente, e multipremiado, ARGO, que lhe valeu a sua última nomeação para o Oscar e que, além de ser realizado por um ator comme lui même, Ben Affleck, tem a particularidade de ser uma narrativa política envolvendo a produção de um filme série B de ficção científica usado como fachada para uma operação da CIA. Arkin faz do produtor que diz: “Se vou fazer um filme falso, então que seja um falso sucesso”. Por sinal, o próprio Arkin, dono de um talento discreto, foi pavimentando o seu caminho à custa de uma extraordinária coleção de falsos falhanços.
 
 
26/09/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Alan Arkin, o Comediante Assustado

Wait Until Dark
Os Olhos da Noite
de Terence Young
Estados Unidos, 1967 - 108 min
 
26/09/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Alan Arkin, o Comediante Assustado
Wait Until Dark
Os Olhos da Noite
de Terence Young
com Audrey Hepburn, Alan Arkin, Richard Crenna
Estados Unidos, 1967 - 108 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Adaptação ao grande ecrã de uma peça do dramaturgo inglês Frederick Knott, que ficou popular pela autoria daquela outra que originou o clássico de Alfred Hitchcock, DIAL M FOR MURDER. Desta feita, é outro britânico, Terence Young, mais conhecido por ter realizado três filmes da saga James Bond, DR. NO, FROM RUSSIA WITH LOVE e THUNDERBALL, a adaptar um texto thrillesco de Knott, tirando partido do talento de um elenco protagonizado por Audrey Hepburn e Alan Arkin, ambos em momentos muito diferentes das suas carreiras, mas igualmente contrariando expectativas acerca de “o que iriam fazer a seguir”: Hepburn renega a comédia romântica ou o melodrama e Arkin afasta-se do humor paranoico que lhe granjeara maior sucesso, e a sua primeira nomeação para o Oscar de Melhor Ator Principal, em THE RUSSIANS ARE COMING, THE RUSSIANS ARE COMING. Ambos contracenam – e enfrentam-se – neste thriller tenso, em que Hepburn é uma mulher cega desprotegida, à mercê desse criminoso violento e do seu bando de facínoras mais ou menos seguros de si. A exibir em cópia digital. Primeira apresentação na Cinemateca.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA aqui