CICLO
O Cinema Clássico de Dorothy Arzner


Dorothy Arzner (1897-1979) é um nome familiar nas comunidades da cinefilia deste mundo. O de hoje, que deu uma nova vida à sua obra com o restauro e divulgação dos filmes realizados em Hollywood entre finais dos anos 1920, ainda o cinema era mudo, e o início da década de 1940, em plena época alta do sistema que burilou o classicismo do cinema americano dos estúdios. Foi uma das suas protagonistas e um dos nomes sacrificados à tradição masculina da história, que veio a resgatá-la, num primeiro momento, por via dos estudos feministas dos anos 1960/70. Chegando no século XXI a círculos concêntricos de raio alargado, o cinema de Dorothy Arzner é para ser visto como uma das obras clássicas a considerar no contexto da Hollywood em que a sua presença e assinatura granjearam prestígio. Esta retrospetiva em Portugal mostra a totalidade dos filmes subsistentes: treze longas-metragens (de GET YOUR MAN, 1927, a FIRST COMES COURAGE, 1943), além do segmento que Arzner realizou como parte de um filme coletivo celebrando o estúdio com o qual manteve a mais fértil relação de trabalho (PARAMOUNT ON PARADE, 1930), do exemplo de um título da sua filmografia anterior à realização (THE RED KIMONA, Walter Lang, Dorothy Davenport, 1925), e do documentário alemão centrado na sua vida e obra (SEHNSUCHT NACH FRAUEN: DOROTHY ARZNER, Katja Raganelli, Konrad Wickler, 1983).
Tendo estudado medicina, tendo sido condutora de ambulâncias para participar no esforço de guerra durante o primeiro conflito mundial, estando familiarizada com técnicos e estrelas de cinema desde muito pequena – a partir do concorrido café-restaurante da família em Los Angeles – e usufruindo de uma condição financeira confortável, Dorothy Arzner chegou ao cinema porque se entusiasmou numa altura, de guerra, em que a indústria precisava de trabalhadores. Começou na Famous Players-Lasky Corporation (Paramount), com William DeMille, em 1919. Foi secretária, estenógrafa, argumentista, montadora. Deu provas de quão boa era no ofício numa extensa lista de filmes e sempre soube que o que lhe interessava era realizar, oportunidade que forçou e agarrou tomando a abertura do bom acolhimento dos seus filmes. Foi o que foi a partir de 1927, realizadora. Não é claro por que razão deixou de exercer em Hollywood a partir de 1943, insistindo Arzner que nunca abandonara Hollywood, quando passou a dedicar-se a filmes do Women’s Army Corps durante a II Guerra ou, mais tarde, a anúncios publicitários. Esteve também envolvida em produções de teatro e na rádio, e manteve uma relevante atividade no ensino de cinema, na Pasadena Playhouse e mais tarde na UCLA, marcando uma série de jovens alunos (o mais célebre dos quais Francis Ford Coppola, outra menção inescapável).
Foi a UCLA, na Califórnia, a instituição que promoveu a divulgação da sua obra, a partir das suas coleções e do programa que lhe dedicou em 2003, reincidindo em 2015: a UCLA celebrava “uma figura notável e única na história do cinema americano [que] construiu uma carreira caraterizada por uma visão do mundo pessoal e uma voz distintamente reconhecível”, diferenciando-se por ser “uma acutilante contadora de histórias alinhadas pelas perspetivas e experiências das mulheres”. Directed by Dorothy Arzner, a monografia de Judith Mayne, foi originalmente publicada em 1994, e mantém-se como uma fonte de referência, notando o percurso de exceção na história do cinema de Hollywood – “a mulher que teve êxito como realizadora numa carreira que atravessou três décadas”. Mayne foi também a primeira a notar: “Ao fim e ao cabo, a competência foi muito mais determinante que o brilhantismo ou a originalidade para que a sua carreira fosse viável”. Nos últimos vinte anos, os filmes de Arzner têm vindo a ser vistos em retrospetiva como uma “peça” dessa história obliterada ao longo de décadas, podendo ser apreciados pelas suas próprias qualidades e pela originalidade que lhes dão forma no quadro das convenções do studio system. Balançou sobretudo entre os géneros do melodrama e da comédia romântica, com as voltas surpreendentes da perspetiva com que filmou as histórias e o fulgor com que iniciou e cultivou atores e atrizes que se tornariam estrelas luminosas. Não há entrada biográfica ou texto analítico que não refira que Dorothy Arzner foi a mais prolífera e, a bem dizer, a única realizadora de Hollywood a filmar regularmente entre os anos 1920 e 40, e aquela que passou do mudo ao sonoro e do pré ao pós-Código Hays, quando, mais rígida e mais puritana, Hollywood se tornou pouco conforme com a ousadia das suas visões e personagens: dezasseis filmes entre 1927 e 1943, num “desempenho” lapidarmente resumido por Katharine Hepburn por altura do tributo prestado a Arzner pelo Directors Guild of America em 1975:
– “Isn’t it wonderful that you’ve had such a great career, when you had no right to have a career at all?
 
Na página eletrónica da Cinemateca encontra-se um texto que apresenta mais longamente a figura de Dorothy Arzner. Tirando SARAH AND SON e WORKING GIRLS, os seus filmes tiveram estreia comercial portuguesa. À exceção de MERRILY WE GO TO HELL, CRAIG’S WIFE, THE BRIDE WORE RED e DANCE, GIRL, DANCE, os filmes de Arzner são apresentados pela primeira vez na Cinemateca, tal como THE RED KIMONA. Tirando os três casos assinalados nas notas seguintes, a exibir em digital (DCP), os filmes são apresentados em cópias 35 mm da UCLA e da Library of Congress.
 
 
 
06/12/2022, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo O Cinema Clássico de Dorothy Arzner

Merrily We Go to Hell
Quando a Mulher se Opõe
de Dorothy Arzner
Estados Unidos, 1932 - 83 min
 
06/12/2022, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo O Cinema Clássico de Dorothy Arzner

Get Your Man
À Procura de Um Noivo
de Dorothy Arzner
Estados Unidos, 1927 - 60 min
07/12/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo O Cinema Clássico de Dorothy Arzner

The Wild Party
Louca Orgia
de Dorothy Arzner
Estados Unidos, 1929 - 77 min
07/12/2022, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo O Cinema Clássico de Dorothy Arzner

Dance, Girl, Dance
Dança, Rapariga, Dança
de Dorothy Arzner
Estados Unidos, 1940 - 89 min
09/12/2022, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo O Cinema Clássico de Dorothy Arzner

Sehnsucht Nach Frauen: Dorothy Arzner (1897-1979)
“Pensando nas Mulheres: Dorothy Arzner”
de Katja Raganelli, Konrad Wickler
Alemanha, 1983 - 45 min
06/12/2022, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
O Cinema Clássico de Dorothy Arzner
Merrily We Go to Hell
Quando a Mulher se Opõe
de Dorothy Arzner
com Sylvia Sidney, Fredric March, Adrianne Allen, Richard “Skeets” Gallagher, Cary Grant
Estados Unidos, 1932 - 83 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Um filme da década de 1930 pré-código Hays realizado por Dorothy Arzner, cujo título vem de uma fala de Fredric March e que deu brado pela incorreção política, extensível às linhas do argumento em que há, alcoolismo, romance, casamento, gravidez, adultério, abuso: em MERRILY WE GO TO HELL Sylvia Sidney é uma jovem rica que casa com um jornalista-dramaturgo alcoólico, a quem a dada altura propõe que mantenham “um casamento moderno” em que a infidelidade dele tenha o reverso da dela. A relação das personagens é turbulenta, o filme é espampanante. Então quase desconhecido, Cary Grant surge no papel da conquista mais sedutora de Sidney. Foi a última realização de Arzner na Paramount. Mostrado pela primeira vez na Cinemateca em dezembro de 2019 num “double bill” (com LES AMOUREUX SONT SEULS AUX MONDE de Henri Decoin), é apresentado em cópia digital.

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06/12/2022, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
O Cinema Clássico de Dorothy Arzner
Get Your Man
À Procura de Um Noivo
de Dorothy Arzner
com Clara Bow, Charles Rogers, Josef Swickard, Josephine Dunn, Harvey Clark
Estados Unidos, 1927 - 60 min
mudo, com intertítulos em inglês legendados eletronicamente em português | M/12
acompanhado ao piano por Filipe Raposo
Depois de FASHIONS FOR WOMEN e TEN MODERN COMMANDMENTS (os filmes de estreia, também de 1927), a terceira produção Famous Players-Lasky (Paramount) de Arzner é o primeiro dos títulos subsistentes da sua filmografia na realização (a que falta material e que foi recuperado em anos recentes pela Library of Congress). No registo da comédia romântica, de irreprimível energia e um saudável sentido de humor desamarrado dos bons costumes, GET YOUR MAN é o filme em que Clara Bow é uma americana em Paris: Nancy apaixona-se pela personagem interpretada por Charles “Buddy” Rogers (então conhecido como “o namorado da América”), com quem se cruza e volta a cruzar num mesmo dia de acasos, estando este comprometido desde miúdo com outra rapariga, não necessariamente interessada em tal noivado. A dança de pares envolve jovens pretendentes, os pais deles e a estonteante liberdade de movimentos de Bow, estrela cintilante do firmamento hollywoodiano dos anos 1920/30. Escreveu acertadamente Jeanine Basinger (a propósito de uma projeção do filme no San Francisco Film Festival 2017), “a ligeireza de GET YOUR MAN não impede que revele uma das marcas de Arzner – uma celebração do triunfo da sexualidade feminina”.

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07/12/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
O Cinema Clássico de Dorothy Arzner
The Wild Party
Louca Orgia
de Dorothy Arzner
com Clara Bow, Fredric March, Marceline Day, Shirley O’Hara
Estados Unidos, 1929 - 77 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Conhecido como o primeiro talkie de Clara Bow, o primeiro filme falado de Dorothy Arzner teve uma versão muda para distribuição em salas ainda não equipadas para “o sonoro”, embora a voz de Bow, e o seu sotaque de Brooklyn, tenham dado que falar. Para a história ficou o registo do nervosismo da atriz com as exigências inerentes à captação de som na rodagem e a solução encontrada pela realizadora que engendrou um microfone “com perche” (uma cana de pesca) que permitisse a movimentação de Bow nos cenários. Ambientada num colégio de raparigas, a história segue as personagens de Stella, a aluna mais popular (Bow), e do jovem atraente professor de antropologia (Fredric March, num dos quatro filmes em que foi dirigido por Arzner nos primeiros anos da sua carreira). “O uso expressivo da liberdade que a invenção de Arzner [o boom microphone] permitiu à sua realização é aquilo que confere ao filme mais do que uma importância meramente histórica e tecnológica” (Luke Aspell, Senses of Cinema, 2017).

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07/12/2022, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
O Cinema Clássico de Dorothy Arzner
Dance, Girl, Dance
Dança, Rapariga, Dança
de Dorothy Arzner
com Maureen O’Hara, Lucille Ball, Louis Hayward
Estados Unidos, 1940 - 89 min
legendado eletronicamente em português | M/12
O penúltimo filme de Dorothy Arzner (terceiro filme americano da irlandesa Maureen O’Hara) levou tempo a ser reconhecido como um filme protofeminista, além de um melodrama dos bastidores do show business nova-iorquino. A interpretação de O’Hara é magnífica, como a de Lucille Ball, sendo a primeira a protagonista, no papel de uma jovem aspirante a bailarina clássica, e interpretando a segunda uma ambiciosa dançarina burlesca que mantêm uma relação de amizade-rivalidade, profissional e pessoal, reveladora das suas ambições de vida. A sequência mais célebre é um “one woman show” de Maureen O’Hara que interrompe um número burlesco em palco para desancar o machismo da plateia de homens e mulheres que se entretêm a desprezá-la mas acabam a aplaudi-la de pé. Fazendo o elogio de uma obra coreográfica que implica um estudo de conflitos a vários níveis, Carrie Rickey descreveu-o como um filme “tão subversivo e original como a mulher que o realizou”. Na Cinemateca, foi apresentado em várias ocasiões, a primeira das quais em 1995 (“120 Chaves para a História do Cinema”). A apresentar em cópia digital.

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09/12/2022, 19h30 | Sala Luís de Pina
O Cinema Clássico de Dorothy Arzner
Sehnsucht Nach Frauen: Dorothy Arzner (1897-1979)
“Pensando nas Mulheres: Dorothy Arzner”
de Katja Raganelli, Konrad Wickler
Alemanha, 1983 - 45 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Escrito e correalizado por Katja Raganelli, o documentário de produção alemã retrata postumamente Dorothy Arzner, desaparecida em 1979 na sequência de um acidente de automóvel. Raganelli reconstitui o invulgar percurso de Arzner a partir da visita à casa da realizadora, no deserto da Califórnia, em 1980. O material documental e fotográfico de Arzner, excertos de filmes e entrevistas a Esther Ralston concorrem para a composição do retrato de uma protagonista não canónica da história do cinema. A apresentar em cópia digital.

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