CICLO
FILMar


Fevereiro é um mês especial para o FILMar. Foi a 4 deste mês que, há dois anos, a Cinemateca deu início ao projeto de digitalização e divulgação do património fílmico relacionado com o mar, assinando um acordo de cooperação com o Mecanismo Financeiro Europeu EEAGrants, que junta a Noruega, a Islândia e o Liechtenstein aos objetivos de promoção do cinema português e do mar como personagem e paisagem.
Dois anos depois, são já visíveis muitos dos resultados – apresentados em sessões realizadas em parceria com festivais, ou nas salas da Cinemateca – de um trabalho de equipa que, no Arquivo Nacional das Imagens em Movimento (ANIM), se dedica a investigar, interpretar e reconstruir as marcas que o tempo foi deixando em materiais que são, muitos deles, únicos e preciosos instrumentos para a leitura da história do cinema.
No final deste programa, em junho de 2024, a Cinemateca estará em condições de apresentar dez mil minutos de cinema português em condições técnicas que permitam a sua exibição em todo o território nacional. Começamos pelo mar, não por desígnio tradicional, mas por ser esse o tema deste programa de financiamento e, através dele, podermos dar a conhecer filmes de ficção e documentário, em curta e longa-metragem nos mais diferentes géneros, mas também uma muito importante e fundamental lista de títulos institucionais, industriais, de promoção turística, de inevitável propaganda, investigação científica, em particular a marinha, o desenvolvimento territorial e as práticas comunitárias que têm no, ou com, o mar uma relação estruturante.
Este mês, sendo de festa, é um mês onde abrimos os cofres – para lembrar um feliz nome de um ciclo anterior desta casa – e mostramos o processo eternamente inacabado de reconstrução da história, optando por uma sessão que reflete sobre o destino de filmes que chegaram até nós incompletos, seja na banda de imagem ou de som, fruto das condições de identificação, catalogação, armazenamento e preservação dos materiais. O delicado trabalho de reconstrução do cinema não se faz, apenas, na releitura e reinscrição dos filmes nos ciclos e raccords (para usar uma expressão reconhecível para quem vê muitos filmes) que possam existir ou ser imaginados, mas também no que vai sendo deixado de lado. São muitos mais filmes aqueles que não podemos mostrar, do que os que nos podem devolver uma ideia transversal de como o mar constitui uma das mais ricas matérias de inspiração cinematográfica.
Porque de aniversário é mês de exceção, navegamos em duas sessões especialíssimas, onde mostraremos filmes que, no seu conjunto, ocupam parte substancial das primeiras décadas do século XX, e onde o cinema é mecanismo de ativação de memória passada e espoleta de relações com o presente, de aproximação de práticas sociais, de cultura, comunitárias e telúricas, narrador inflamado e inventor de narrativas glorificantes, exaurido inventor de relações entre a imagem e o seu poder de manipulação.
Na sessão de dia 4, na Sala Luís de Pina, é de narrativa que falamos: instrumental, histórica, política, ainda que disfarçada de lazer, entretenimento, ficção. No dia 19, em colaboração com o festival Play, a Cinemateca Júnior preocupa-se em mostrar filmes onde as imagens, não contando tudo, potenciam histórias sobre o tempo passado, lembrando como é a partir da surpresa que nos causam, que podemos imaginar o que a câmara não pode captar, a montagem deixou de fora e o mar levou consigo (vd. nota sobre esta sessão na página 2 deste jornal). Sendo independentes, são ambas momentos de revelação de uma história múltipla que este programa se dedica a inventariar, com o objetivo principal de escrever, ainda que na areia, o que o mar deixa que sobre ele se conte.
Estas sessões decorrem no âmbito do programa FILMar, operacionalizado pela Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, com o apoio do programa EEAGrants 2020-2024.
 
 
04/02/2022, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo FILMar

Conservas de Atum | Rumo ao Mar | Nau Catrineta | The Columbus Route | Num Mar de Moliço
duração total da projeção: 64 min | M/12
 
04/02/2022, 19h30 | Sala Luís de Pina
FILMar
Conservas de Atum | Rumo ao Mar | Nau Catrineta | The Columbus Route | Num Mar de Moliço
duração total da projeção: 64 min | M/12
Mar: Processos Narrativos

sessão com apresentação
CONSERVAS DE ATUM
Portugal, 1929 - 5 min

RUMO AO MAR
de Silva Brandão
Portugal, 1956 - 11 min

NAU CATRINETA
de Gentil Marques
Portugal, 1949 – 15 min

THE COLUMBUS ROUTE
de José Fonseca e Costa
Portugal, 1969 - 23 min / legendado eletronicamente em português

NUM MAR DE MOLIÇO
de Alfredo Tropa
Portugal, 1966 - 10 min

A sessão junta dois filmes que nos chegaram incompletos, tanto na imagem como no som, constituindo exemplos do trabalho de investigação a que o FILMar se dedica. O primeiro, CONSERVAS DE ATUM, sem realizador e cuja metragem identificada o deixa por terminar, é uma animação pensada para promover o consumo de atum, destinada ao grande público, mas com claro olho guloso no uso do expressionismo visual. RUMO AO MAR, é um documentário sobre a escola de vela da Mocidade Portuguesa, onde a prática desportiva era exemplo de passagem da preparação das gerações que deveriam servir a pátria. NAU CATRINETA é um exercício ficcional que tenta legitimar o mar como destino do povo português e inventa razões de fé para escrever a história. Ainda que sem banda de som completa, a sua apresentação justifica-se por se tratar de um exemplo, entre lúdico e a propaganda, de uma narrativa assimilada e repetida enquanto ideário nacional. Precisamente, o uso do mar como matéria ideológica é, num país como o nosso, motor de uma reflexão necessária sobre o poder das imagens em movimento. THE COLUMBUS ROUTE, é um dos primeiros filmes de José Fonseca e Costa – de que em dezembro 2021 mostrámos E ERA O MAR... – Exemplo de como, para muitos realizadores, o mar foi primeiro exercício de confronto com o cinema. A sua exibição ao lado de NAU CATRINETA, propõe um diálogo entre um filme oficial e um filme de autor sobre a narrativa marítima e o contraste entre a ideologia e a leitura histórica. NUM MAR DE MOLIÇO, de Alfredo Tropa, levanta questões de partilha de práticas fluviais e marítimas, fundamentais para entender não só a relação entre a fluidez narrativa e a da água dos rios, mas de como, ao filmar o mar, é de trabalho, de condições laborais, sociais, culturais e comunitárias que se fala. THE COLUMBUS ROUTE e NUM MAR DE MOLIÇO são apresentados em cópias digitais, realizadas no âmbito do FILMar, constituindo exemplos do trabalho que o ANIM desenvolve com o apoio do programa EEAGrants. A sessão é completada com um excerto do trabalho de restauro em curso de ALMADRABA ATUNEIRA, de António Campos, título fundamental para o cinema etnográfico nacional, e um dos filmes do realizador que apresentaremos em 2022, ano em que se celebra o centenário do seu nascimento.

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